"Ninguém é grande demais para a cadeia. Ninguém está acima da lei."
Pouco
mais de um mês após pronunciar essas palavras ao ser nomeada secretária
de Justiça dos Estados Unidos, Loretta Lynch - a primeira mulher negra
no cargo - coordenou a operação que prendeu oito cartolas da Fifa e foi
considerada o maior escândalo da história do futebol.
Filha de um
pastor protestante, Lynch nasceu quando as leis de segregação racial
ainda eram vigentes nos Estados Unidos, formou-se em Direito em Harvard e
ocupa hoje o principal cargo do Departamento de Justiça americano.
Ela atuava como procuradora-chefe federal no Brooklyn antes da promoção. Segundo o New York Times, Lynch supervisionou as investigações desde o início.
A decisão de dar o "ok" para a operação ir em frente e de pedir à polícia suíça que executasse as prisões foi dela.
Oito dirigentes da Fifa foram presos na quarta-feira - entre eles o ex-presidente da CBF José Maria Marin.
Lynch
nasceu na Carolina do Norte em 1959. À época, os negros dos Estados do
sul dos EUA ainda era submetidos a leis de segregação entre brancos e
negros.
Apesar disso, seu pai, o reverendo Lorenzo Lynch, um
pastor protestante, acreditava que a lei poderia ser uma força para a
mudança. E, quando a futura secretária de Justiça era pequena, ele
costumava levá-la aos tribunais locais.
"Quando eu era criança, as
pessoas nos diziam para ficar longe dos tribunais", disse Lorenzo à
BBC. "Mas eu achava que era uma instituição positiva, e queria que ela
tivesse uma visão diferente", completou.
As leis de segregação foram derrubadas no meio dos anos 1960, mas o racismo permaneceu.
A mãe de Lynch, Lorine, lembra que as professoras da filha tinham dificuldade em aceitar sua inteligência.
Quando ela estava na 2ª série -
tinha 7 ou 8 anos - ela teve que fazer uma prova outra vez porque tinha
ido bem demais na primeira.
"As professoras acharam que algo
estava errado, porque ela era afroamericana e os alunos brancos tinham
tirado notas mais baixas", disse Lorine à BBC.
Na segunda prova, ela tirou uma nota maior ainda.
Carreira
Nada
disso afetou as aspirações de Lynch. Durante toda a infância, ela
sonhava em estudar em Harvard, onde estudou Literatura Inglesa antes de
fazer Direito.
Ela levou a sério a universidade. "Na faculdade, as
pessoas costumam usar jeans, roupas despojadas, mas eu não lembro de
uma vez em que Loretta estivesse desarrumada. Eu costumava implicar com
ela perguntando se ela não tinha nenhuma roupa de brincar", conta a
advogada Karen Freeman-Wilson, que estudou com ela.
Trigêmeas
Os
escritórios de advocacia de Nova York ainda eram muito masculinos e
muito brancos quando ela começou a trabalhar no Cahill Gordon and
Reindel, no meio dos anos 1980.
Havia outras duas mulheres negras
entre os associados e elas mesmas se referiam a elas como "as trigêmeas"
- porque as recepcionistas do local, apesar de saber o nome de todos os
250 homens, não conseguiam diferenciá-las.
Seu primeiro grande caso - em
1999, pouco depois de ser nomeada pelo então presidente Bill Clinton
para a procuradoria do Distrito Leste de Nova York - lembra os que
provocaram protestos recentemente nos EUA.
O haitiano Abner Louim foi preso após uma briga fora de uma boate e acusado de bater em um policial.
A polícia depois admitiu que a acusação era falsa e que Louim foi espancado.
Calma sob pressão
Durante o julgamento, um dos policiais envolvidos alegou que namorava uma negra e que isso mostraria ser pouco provável que ele tivesse violado os direitos de um negro.
Alan Vinegrad, que trabalhou com Lynch no
caso, diz que ela acusou o agente de "se esconder atrás da cor da pele
de sua namorada".
Foi ousado, mas feito de um jeito "calmo e comedido", segundo ele.
Ao
longo da carreira, ela esteve envolvida em processos contra terroristas
e mafiosos, além de políticos acusado de corrupção - dos dois partidos
dos EUA -, policiais que cometeram abusos contra prisioneiros e bancos
acusados de fraude.
A capacidade de Lynch de se
manter calma foi um dos pontos altos durante o longo processo de
aprovação no Senado - ela foi indicada pelo presidente Barack Obama em
novembro, mas sua nomeação só foi aprovada pelo Senado em abril. A
demora teve relação com uma briga partidária - mas a Casa também foi
acusada de racismo.
"Muitos de nós olhamos o tratamento que ela
recebeu e não nos sentimos bem, não sentimos que estava sendo justo",
disse a amiga Karen Freeman-Wilson.
"Mas a reação dela foi 'Tudo bem, vamos manter nossa cabeça e olhos no prêmio'", completa.
Fifa
Nesta quarta-feira, exatamente um mês após assumir o cargo, Lynch ganhou as manchetes de todo o mundo com a prisões dos dirigentes da Fifa.
"O
indiciamento sugere que a corrupção é desenfreada, sistêmica e tem
raízes profundas tanto no exterior como aqui nos Estados Unidos”, disse
ela.
"Essa corrupção começou há pelo menos duas gerações de
executivos do futebol que, supostamente, abusaram de suas posições de
confiança para obter milhões de dólares em subornos e propina."
O
esquema, segundo ela, prejudicou profundamente uma vasta gama de
vítimas, de ligas jovens de futebol a países em desenvolvimento que
deveriam se beneficiar dos recursos gerados pelo esporte.
"As
ações de hoje (quarta-feira) deixam claro que o Departamento de Justiça
pretende acabar com qualquer prática de corrupção, acabar com as más
condutas e trazer malfeitores à Justiça", disse Lynch, acrescentando que
quer trabalhar em conjunto com outros países para alcançar este
objetivo.
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