Antonio Setin passava os finais de semana da sua adolescência construindo casas populares com as próprias mãos. Hoje, é dono de uma empresa milionária
Você é maluco? Vai investir em um mercado em que está todo mundo
quebrando?” Não era exatamente isso que Antonio Setin queria ouvir de um
amigo engenheiro, quando lhe contou sobre seus planos de montar um
negócio na área de construção. O problema é que a desanimada reação do
colega fazia todo o sentido. E Setin sabia disso. Era final da década de
70 e, naquela época, ele trabalhava numa marcenaria, que entregava
produtos para grandes construtoras. Alguns de seus maiores clientes
estavam falindo. “Mas a vontade de ter a empresa era tanta que eu
simplesmente ignorei a reação do meu amigo”, conta Setin.
Foi uma aposta arriscadíssima. Mas deu certo. Um ano depois, o mercado
de construção virou. “Em 1980, quando minhas primeiras casas estavam
ficando prontas, eu tinha cliente correndo atrás de mim”, afirma Setin.
Em março, sua empresa completa 36 anos. A lição que ele aprendeu naquele
momento decisivo e que carrega desde então é que, às vezes, momentos
mais difíceis são ideais para começar um negócio. “Porque começar no
momento fácil todo mundo começa. Eu prefiro começar no momento árduo
porque você vai se beneficiar depois de uma retomada.”
Antonio Setin nasceu em uma família de trabalhadores rurais do Paraná
que veio para São Paulo na década de 60. Para ajudar na renda da casa,
começou a trabalhar ainda criança em pequenas fábricas.
Quando tinha 13
anos foi “recrutado” pelos irmãos mais velhos para ajudar na marcenaria
que eles acabavam de abrir no fundo do quintal da casa. A função de
Antonio era basicamente varrer e carregar madeira. De vez em quando,
atendia alguns clientes e entregava peças.
Aos poucos, a marcenaria cresceu e os Setin conseguiram se mudar para
uma loja no Bom Retiro. Com o dinheiro que sobrava no caixa, os irmãos
compravam terrenos e construíam casas populares na periferia da Zona
Norte de São Paulo “para multiplicar as moedas”. O lucro não ficava para
eles – era dividido com os pais para ajudar a criar os outros cinco
irmãos. Antonio fala com orgulho destes tempos. Lembra saudoso do
trabalho árduo mas recompensador, do hábito de acordar bem cedo, que
carrega até hoje (ele chega antes das 7h no escritório da Setin) e da
felicidade de ter participado da evolução daquele modesto comércio
criado pela família.
O começo e os planos
Aos 18 anos, Antonio Setin resolveu cursar faculdade de arquitetura. O
conhecimento do curso o ajudava a lidar com os clientes na hora de
planejar os móveis, ao mesmo tempo em que alimentava seu sonho de ter
uma empresa de construção. “Eu achava legal ver um terreno e pouco tempo
depois avistar lá em cima uma casa, outra casa, mais casas... E a
marcenaria podia subsidiar esse sonho”, diz. Foi o que ele fez. Abriu um
escritório na Casa Verde, onde atendia à demanda da marcenaria, ao
mesmo tempo em que fazia as vezes de arquiteto, engenheiro e mestre de
obras para erguer suas primeiras casas.
Por cerca de cinco anos, a empresa viveu de construir casas para a
classe média. O financiamento na época era complicado, então Setin
costumava aceitar um sinal dos clientes e depois os ajudava a negociar
com o banco. Mas havia momentos em que ele ficava com dezenas de casas
prontas e vendidas, mas não podia entregá-las porque as pessoas não
conseguiam crédito. “Chegou uma hora em que as casinhas estavam paradas,
sendo pichadas, os clientes desesperados, os bancos não liberavam o
financiamento”, diz Setin. “Aí eu falei, quer saber? Vou trabalhar para
rico.”
Na mesma época em que colocou à venda o seu primeiro prédio, no bairro
de Moema, o governo anunciou o plano Cruzado. Setin sentiu de novo que
tinha feito a aposta certa, vendendo sem dificuldade os apartamentos.
Com o dinheiro, comprou outros dois terrenos no bairro para continuar
construindo. Até que veio o choque de realidade. O plano fracassou, a
inflação voltou e tudo que ele havia ganho parecia perdido. Pela
primeira (mas não última) vez, ele achou que ia quebrar.
A economia ainda lhe daria muitos sustos nos anos seguintes. Durante a
hiperinflação, ele chegou a criar uma moeda interna para não perder
dinheiro com as vendas. Com ela, era possível reajustar diariamente o
preço dos imóveis, para evitar que os compradores chegassem no dia 30 de
cada mês comprando pelo preço do dia 1º – em um curto período de tempo,
os preços chegavam a variar 70%.
Em março de 1990, veio o plano Collor. Setin perdeu o sono pela
primeira vez na vida. Sua esposa estava no último mês de gravidez e o
dinheiro na conta não seria suficiente para pagar o parto. Talvez nem
mesmo o supermercado. Na empresa, não fazia ideia de como resolveria a
folha de pagamentos.
Passado o susto inicial, ele não só conseguiu
resolver a situação – do parto e da empresa – como ainda saiu da crise
com a ideia de um novo negócio. A proposta era diversificar os
investimentos para contar com um plano B em momentos difíceis.
O empresário era dono de um terreno na Vila Mariana e não sabia
exatamente o que fazer com ele.
Até que veio o estalo: por que não
construir um hotel? O estudo de viabilidade mostrou que a ideia era
factível. Negociou com a rede Accor a operação do empreendimento e fez
um Novotel (depois transformado em Pullman, que hospedou a seleção
brasileira durante a Copa). Logo em seguida, ele traria, em parceria com
a empresa francesa, as bandeiras econômicas Ibis e Formule 1 para o
país.
Atualmente, são quatro hotéis sob sua administração – e Setin diz
que dará cada vez mais atenção para esse mercado. “O Brasil é um país em
que a gente dorme de um jeito e acorda de outro. Não dá pra deixar
muitos ovos numa cesta.”
Os obstáculos
A partir de 2006, várias empresas do setor imobiliário começaram a se
aventurar em um ambiente desconhecido até então: a bolsa. Houve um boom
de IPOs e cada uma delas captava milhões com a abertura de capital. O
empresário percebeu que o movimento do mercado não deixaria espaço para
as pequenas. “Eu pensei, esses caras com dinheiro vão comprar terrenos
mais baratos que eu, vão dominar o mercado e eu vou quebrar.”
Não bastassem os maus presságios nos negócios, Antonio Setin viveu um
drama familiar: perdeu seu irmão Valdemar em um acidente de carro. Os
dois trabalhavam juntos desde o início da marcenaria e ele era uma de
suas grandes referências na vida e nos negócios. A morte de Valdemar
desencadeou uma disputa judicial na família. Sua ex-mulher reclamava
direitos na Setin e o clã não estava disposto a ceder. A pendenga causou
dissabores particulares e atrapalhou os negócios. Em litígio, a empresa
não poderia abrir o capital – uma das ideias de Setin.
O jeito foi buscar outra alternativa para não sucumbir aos rivais.
Setin contratou um banco de investimento para ajudá-lo nas negociações e
fechou uma operação de fusão com a Klabin Segall, que já tinha feito
IPO e precisava de fôlego para crescer. Setin se tornou sócio da empresa
ao lado dos irmãos Sérgio e Oscar Segall. As duas foram integradas –
exceção feita a alguns projetos e à parte de hotéis da Setin, mantidos
em um pequeno escritório separado. A vida parecia finalmente ter entrado
no eixo. Até que veio a crise de 2008.
“A empresa estava alavancada e com a dívida mal estruturada. Tivemos de
chamar os acionistas num momento em que estava todo mundo quebrando. No
banco, você não conseguia nem marcar reunião”, lembra Setin. Mais uma
vez, os dilemas com a empresa aconteciam em um momento complicado da
vida pessoal.
Uma de suas filhas foi sequestrada e ficou 29 dias no cativeiro. A
outra estava a dias de ir para a maternidade. Nem por isso ele deixava
de aparecer no escritório. “Eu ia ficar em casa chorando?
Meus sócios
não acreditavam. Talvez porque eu tenha passado por tantas experiências
difíceis acabei me tornando um cara mais cascudo”, diz. Segundo ele,
essa “casca” e sua paixão pelo trabalho o mantiveram empreendendo depois
de tantos altos e baixos.
Para a Klabin Segall, a solução para a crise foi a venda. Setin, porém,
não conseguiu ficar parado.
Voltou para o pequeno escritório onde
funcionavam os negócios que restaram da Setin, readquiriu o direito de
competir no mercado e recomeçou a empresa. Só que desta vez ela seria
apenas uma incorporadora. A parte de construção passou a ser
terceirizada, e a equipe exclusiva de vendas só começou a ser montada
novamente no ano passado, por conta da crise no mercado. Em 2014, os
empreendimentos lançados pela Setin somavam um potencial de vendas de R$
500 milhões, metade do resultado atingido em 2013. Para este ano, a
expectativa é chegar a pelo menos R$ 700 milhões.
O olho do dono
Depois dessa experiência, Setin hoje está certo de que nesse mercado é
importante que as empresas sejam “de dono”. Apesar de confiar em sua
equipe, ele diz ter um pouco de receio de deixar o que construiu na mão
de um executivo. O dilema que a empresa agora deve enfrentar é
a sucessão. Setin diz não ter pressa para se aposentar. “Eu não posso morrer agora, tenho de dar um tempo”, brinca o empresário. De seus seis filhos, a única que trabalha na empresa não tem vontade de ocupar a cadeira do pai.
a sucessão. Setin diz não ter pressa para se aposentar. “Eu não posso morrer agora, tenho de dar um tempo”, brinca o empresário. De seus seis filhos, a única que trabalha na empresa não tem vontade de ocupar a cadeira do pai.
Enquanto a cadeira ainda é sua, ele planeja novos investimentos em
hotéis e continua fazendo prédios, a maior parte deles na Grande São
Paulo. Um dos segmentos em que a empresa tem apostado é o de
apartamentos compactos, especialmente na região central da capital
paulista. Ali, começará em breve a construção de um edifício com
apartamentos de 18 m² a 40 m². O menor deles custa R$ 270 mil.
E a marcenaria? “Vendemos”, responde Setin, com um ar melancólico.
Segundo ele, houve um momento em que as construções passaram a dar mais
dinheiro que os móveis. Mesmo assim, até o início dos anos 2000 ela
ainda tinha muita demanda, por conta dos hotéis. Quando a procura caiu,
achou que a melhor decisão era passar o negócio para a frente. Nas mãos
do novo dono, porém, não resistiu às crises e acabou fechando. Talvez
Setin esteja mesmo certo de não querer se aposentar tão cedo.
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