terça-feira, 12 de maio de 2015

O empreendedor que passou de carregar tijolos a construir prédios para a classe A


Antonio Setin passava os finais de semana da sua adolescência construindo casas populares com as próprias mãos. Hoje, é dono de uma empresa milionária

Setin no apartamento de 18 m2: ele aposta nos compactos    (Foto: Helena Peixoto)
Selo - Movimento Empreenda 2014 (Foto: Editora Globo)
Matéria publicada originalmente na edição de fevereiro de Época NEGÓCIOS

Você é maluco? Vai investir em um mercado em que está todo mundo quebrando?” Não era exatamente isso que Antonio Setin queria ouvir de um amigo engenheiro, quando lhe contou sobre seus planos de montar um negócio na área de construção. O problema é que a desanimada reação do colega fazia todo o sentido. E Setin sabia disso. Era final da década de 70 e, naquela época, ele trabalhava numa marcenaria, que entregava produtos para grandes construtoras. Alguns de seus maiores clientes estavam falindo. “Mas a vontade de ter a empresa era tanta que eu simplesmente ignorei a reação do meu amigo”, conta Setin. 

Foi uma aposta arriscadíssima. Mas deu certo. Um ano depois, o mercado de construção virou. “Em 1980, quando minhas primeiras casas estavam ficando prontas, eu tinha cliente correndo atrás de mim”, afirma Setin. Em março, sua empresa completa 36 anos. A lição que ele aprendeu naquele momento decisivo e que carrega desde então é que, às vezes, momentos mais difíceis são ideais para começar um negócio. “Porque começar no momento fácil todo mundo começa. Eu prefiro começar no momento árduo porque você vai se beneficiar depois de uma retomada.”

Antonio Setin nasceu em uma família de trabalhadores rurais do Paraná que veio para São Paulo na década de 60. Para ajudar na renda da casa, começou a trabalhar ainda criança em pequenas fábricas. 
Quando tinha 13 anos foi “recrutado” pelos irmãos mais velhos para ajudar na marcenaria que eles acabavam de abrir no fundo do quintal da casa. A função de Antonio era basicamente varrer e carregar madeira. De vez em quando, atendia alguns clientes e entregava peças.

Aos poucos, a marcenaria cresceu e os Setin conseguiram se mudar para uma loja no Bom Retiro. Com o dinheiro que sobrava no caixa, os irmãos compravam terrenos e construíam casas populares na periferia da Zona Norte de São Paulo “para multiplicar as moedas”. O lucro não ficava para eles – era dividido com os pais para ajudar a criar os outros cinco irmãos. Antonio fala com orgulho destes tempos. Lembra saudoso do trabalho árduo mas recompensador, do hábito de acordar bem cedo, que carrega até hoje (ele chega antes das 7h no escritório da Setin) e da felicidade de ter participado da evolução daquele modesto comércio criado pela família.  
 

O começo e os planos
 

Aos 18 anos, Antonio Setin resolveu cursar faculdade de arquitetura. O conhecimento do curso o ajudava a lidar com os clientes na hora de planejar os móveis, ao mesmo tempo em que alimentava seu sonho de ter uma empresa de construção. “Eu achava legal ver um terreno e pouco tempo depois avistar lá em cima uma casa, outra casa, mais casas... E a marcenaria podia subsidiar esse sonho”, diz. Foi o que ele fez. Abriu um escritório na Casa Verde, onde atendia à demanda da marcenaria, ao mesmo tempo em que fazia as vezes de arquiteto, engenheiro e mestre de obras para erguer suas primeiras casas.

Por cerca de cinco anos, a empresa viveu de construir casas para a classe média. O financiamento na época era complicado, então Setin costumava aceitar um sinal dos clientes e depois os ajudava a negociar com o banco. Mas havia momentos em que ele ficava com dezenas de casas prontas e vendidas, mas não podia entregá-las porque as pessoas não conseguiam crédito. “Chegou uma hora em que as casinhas estavam paradas, sendo pichadas, os clientes desesperados, os bancos não liberavam o financiamento”, diz Setin. “Aí eu falei, quer saber? Vou trabalhar para rico.”
 
Como a marcenaria não tinha chuveiro, Setin precisava levar uma roupa extra na mochila para não chegar cheio de pó na escola

Na mesma época em que colocou à venda o seu primeiro prédio, no bairro de Moema, o governo anunciou o plano Cruzado. Setin sentiu de novo que tinha feito a aposta certa, vendendo sem dificuldade os apartamentos. Com o dinheiro, comprou outros dois terrenos no bairro para continuar construindo. Até que veio o choque de realidade. O plano fracassou, a inflação voltou e tudo que ele havia ganho parecia perdido. Pela primeira (mas não última) vez, ele achou que ia quebrar.

A economia ainda lhe daria muitos sustos nos anos seguintes. Durante a hiperinflação, ele chegou a criar uma moeda interna para não perder dinheiro com as vendas. Com ela, era possível reajustar diariamente o preço dos imóveis, para evitar que os compradores chegassem no dia 30 de cada mês comprando pelo preço do dia 1º – em um curto período de tempo, os preços chegavam a variar 70%.

Em março de 1990, veio o plano Collor. Setin perdeu o sono pela primeira vez na vida. Sua esposa estava no último mês de gravidez e o dinheiro na conta não seria suficiente para pagar o parto. Talvez nem mesmo o supermercado. Na empresa, não fazia ideia de como resolveria a folha de pagamentos. 

Passado o susto inicial, ele não só conseguiu resolver a situação – do parto e da empresa – como ainda saiu da crise com a ideia de um novo negócio. A proposta era diversificar os investimentos para contar com um plano B em momentos difíceis.

O empresário era dono de um terreno na Vila Mariana e não sabia exatamente o que fazer com ele. 

Até que veio o estalo: por que não construir um hotel? O estudo de viabilidade mostrou que a ideia era factível. Negociou com a rede Accor a operação do empreendimento e fez um Novotel (depois transformado em Pullman, que hospedou a seleção brasileira durante a Copa). Logo em seguida, ele traria, em parceria com a empresa francesa, as bandeiras econômicas Ibis e Formule 1 para o país. 

Atualmente, são quatro hotéis sob sua administração – e Setin diz que dará cada vez mais atenção para esse mercado. “O Brasil é um país em que a gente dorme de um jeito e acorda de outro. Não dá pra deixar muitos ovos numa cesta.”

Maquete do prédio lançado no ano passado no centro de São Paulo com o menor apartamento do Brasil, de 18 m2 (Foto: Helena Peixoto)
 

Os obstáculos
 

A partir de 2006, várias empresas do setor imobiliário começaram a se aventurar em um ambiente desconhecido até então: a bolsa. Houve um boom de IPOs e cada uma delas captava milhões com a abertura de capital. O empresário percebeu que o movimento do mercado não deixaria espaço para as pequenas. “Eu pensei, esses caras com dinheiro vão comprar terrenos mais baratos que eu, vão dominar o mercado e eu vou quebrar.”

Não bastassem os maus presságios nos negócios, Antonio Setin viveu um drama familiar: perdeu seu irmão Valdemar em um acidente de carro. Os dois trabalhavam juntos desde o início da marcenaria e ele era uma de suas grandes referências na vida e nos negócios. A morte de Valdemar desencadeou uma disputa judicial na família. Sua ex-mulher reclamava direitos na Setin e o clã não estava disposto a ceder. A pendenga causou dissabores particulares e atrapalhou os negócios. Em litígio, a empresa não poderia abrir o capital – uma das ideias de Setin.

O jeito foi buscar outra alternativa para não sucumbir aos rivais. Setin contratou um banco de investimento para ajudá-lo nas negociações e fechou uma operação de fusão com a Klabin Segall, que já tinha feito IPO e precisava de fôlego para crescer. Setin se tornou sócio da empresa ao lado dos irmãos Sérgio e Oscar Segall. As duas foram integradas – exceção feita a alguns projetos e à parte de hotéis da Setin, mantidos em um pequeno escritório separado. A vida parecia finalmente ter entrado no eixo. Até que veio a crise de 2008.

“A empresa estava alavancada e com a dívida mal estruturada. Tivemos de chamar os acionistas num momento em que estava todo mundo quebrando. No banco, você não conseguia nem marcar reunião”, lembra Setin. Mais uma vez, os dilemas com a empresa aconteciam em um momento complicado da vida pessoal.
 
 
Polêmica
 
 
A Setin é dona do terreno do Parque Augusta, em São Paulo, que os vizinhos queriam que fosse desapropriado pela prefeitura

Uma de suas filhas foi sequestrada e ficou 29 dias no cativeiro. A outra estava a dias de ir para a maternidade. Nem por isso ele deixava de aparecer no escritório. “Eu ia ficar em casa chorando? 

Meus sócios não acreditavam. Talvez porque eu tenha passado por tantas experiências difíceis acabei me tornando um cara mais cascudo”, diz. Segundo ele, essa “casca” e sua paixão pelo trabalho o mantiveram empreendendo depois de tantos altos e baixos.

Para a Klabin Segall, a solução para a crise foi a venda. Setin, porém, não conseguiu ficar parado. 

Voltou para o pequeno escritório onde funcionavam os negócios que restaram da Setin, readquiriu o direito de competir no mercado e recomeçou a empresa. Só que desta vez ela seria apenas uma incorporadora. A parte de construção passou a ser terceirizada, e a equipe exclusiva de vendas só começou a ser montada novamente no ano passado, por conta da crise no mercado. Em 2014, os empreendimentos lançados pela Setin somavam um potencial de vendas de R$ 500 milhões, metade do resultado atingido em 2013. Para este ano, a expectativa é chegar a pelo menos R$ 700 milhões.
 

O olho do dono
 

Depois dessa experiência, Setin hoje está certo de que nesse mercado é importante que as empresas sejam “de dono”. Apesar de confiar em sua equipe, ele diz ter um pouco de receio de deixar o que construiu na mão de um executivo. O dilema que a empresa agora deve enfrentar é
a sucessão. Setin diz não ter pressa para se aposentar. “Eu não posso morrer agora, tenho de dar um tempo”, brinca o empresário. De seus seis filhos, a única que trabalha na empresa não tem vontade de ocupar a cadeira do pai.

Enquanto a cadeira ainda é sua, ele planeja novos investimentos em hotéis e continua fazendo prédios, a maior parte deles na Grande São Paulo. Um dos segmentos em que a empresa tem apostado é o de apartamentos compactos, especialmente na região central da capital paulista. Ali, começará em breve a construção de um edifício com apartamentos de 18 m² a 40 m². O menor deles custa R$ 270 mil.

“Eu não posso morrer agora, tenho de dar um tempo”, brinca Setin, quando o assunto é sucessão

E a marcenaria? “Vendemos”, responde Setin, com um ar melancólico. Segundo ele, houve um momento em que as construções passaram a dar mais dinheiro que os móveis. Mesmo assim, até o início dos anos 2000 ela ainda tinha muita demanda, por conta dos hotéis. Quando a procura caiu, achou que a melhor decisão era passar o negócio para a frente. Nas mãos do novo dono, porém, não resistiu às crises e acabou fechando. Talvez Setin esteja mesmo certo de não querer se aposentar tão cedo.

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