É com um discurso pragmático que o diretor-geral da OMC (Organização
Mundial do Comércio), Roberto Azevêdo, defende a relevância do organismo
multilateral diante do estabelecimento de mega-acordos regionais. Para
ele, o problema é "ficar se tentando o inatingível".
"Agora o estado de espírito na OMC é encontrar coisas práticas,
objetivas, que sejam alcançáveis, e negociar rápido", disse o
brasileiro, em entrevista à Folha nesta segunda-feira (13) em Brasília,
após encontro com o presidente interino, Michel Temer.
Azevêdo, que se reúne nesta terça (14) com o chanceler José Serra e com o
ministro Marcos Pereira (MDIC), disse ver boa vontade do novo governo
brasileiro com as negociações multilaterais. Segundo o diretor da OMC,
Serra e ele, aliás, concordam em que o Brasil deve procurar fora da OMC
as áreas de negociação que ali avancem mais rápido.
No discurso de posse no Itamaraty, Serra criticou a demora nas
negociações na organização e o fato de o Brasil ter se "agarrado
exclusivamente" a elas no governo anterior.
Folha - O sr. se reuniu com o presidente interino, Michel Temer, e,
recentemente, em Paris, com o novo chanceler, José Serra. Há boa vontade
do novo governo com as negociações multilaterais?
Roberto Azevêdo - Total. O ministro Serra e eu estamos
absolutamente afinados no sentido de que há areas importantes da OMC em
que o Brasil continuará engajado, mas que o Brasil também vai procurar
as áreas de negociação que fora da OMC têm perspectivas de avançar mais
rápido. E está corretíssimo, é exatamente isso que o país tem que fazer.
[Ao Temer] disse que eu estava de novo à disposição para fazer com que a
OMC ajude o governo brasileiro e o país a avançar na sua inserção na
economia internacional da maneira que for possível.
Como poderia ser essa ajuda?
Há várias áreas de negociação que estão começando que podem ser de
interesse prioritário do Brasil: comércio digital, pequenas e médias
empresas, serviços. Tem muita coisa acontecendo e acho que o Brasil pode
se beneficiar disso, além de temas que são já tradicionalmente
importantes para o país como é o caso de subsídios à agricultura –não à
exportacão, mas subsídios domésticos–, uma negociação que o Brasil
sempre deixou claro que não pode ser abandonada. E o lugar pra esse tipo
de conversa é Genebra. Então a OMC tem muitas frentes de atividade que
podem ajudar o Brasil.
Mas uma das principais preocupações é que, num momento de crise, as
coisas avancem mais rápido, e uma das principais críticas ao
multilateralismo é a lentidão de suas discussões.
Depende. Acho que você está se referindo a negociações da Rodada de
Doha, por exemplo, na área de acesso a mercados. Isso é fato: não
avançou. Mas nas outras áreas, a OMC tem atuado numa velocidade
extraordinária. Logo que eu assumi, o acordo de facilitação de comércio
que estava parado há anos foi finalizado em três meses. Em menos de dois
anos, conseguimos negociar a eliminação dos subsídios à agricultura que
é um tema que estava sendo debatido há décadas. Um problema é ficar se
tentando o inatingível. Agora o estado de espírito na OMC é encontrar
coisas práticas, objetivas, que sejam alcançáveis, e negociar rápido.
Os pacotes de acordos.
Como sempre foi. A OMC foi criada para acabar com as rodadas, para ser
um foro permanente de negociações. Só que poucos anos depois lançou-se a
Rodada de Doha e ali ficamos negociando durante tanto tempo. Esses
pacotes, no fundo, são uma volta à origem da OMC, ela foi criada pra
isso: para negociar coisas pontuais e importantes pra todo mundo. Você
ter um pacote não significa que são coisas pequenas. A estimativa de
vários economistas é que o de facilitação do comércio, quando
implementado, vai gerar um aumento no comércio mundial de mais de US$ 1
trilhão. Não é pouca coisa.
O futuro da OMC é voltar à origem então?
O futuro da OMC é estar negociando permanentemente coisas que estejam na
agenda internacional, que sejam importantes na agenda internacional. O
futuro da OMC é de ter flexilbilidade para fazer o que é possível,
inclusive reconhecendo a disparidade entre seus membros.
O sr. defende que negociações da OMC se somam a outros caminhos que o
país deseja trilhar, como o plurilateral ou bilateral. Como?
Aa negociações bilaterais são muito mais fáceis de você avançar em
áreas, por exemplo, como a de redução tarifária. Agora você não vai
negociar um acordo de facilitação de comércio que tenha um impacto de
US$ 1 trilhão num acordo bilateral. Isso você só negocia
multilateralmente. Todo o marco regulatório do comércio internacional é
quase que exclusivamente negociado na OMC. Então são coisas que se
complementam.
Qual deve ser o papel da OMC diante desses mega-acordos, como o TPP?
Não muda nada. O que os membros da OMC vão continuar fazendo é
negociando na OMC coisas que estão sendo negociadas aí fora. Por
exemplo: já se fala muito em negociar área de comércio eletrônico, então
o TPP e outros acordos já estão negociando neste tema. O que eles devem
fazer, provavelmente?
Pegar essas coisas, trazer pra OMC e tentar
negociar essas coisas lá dentro. Mas isso sempre foi assim. Agora se não
se consegue negociar um determinado tipo de regra ou regulamento entre
um grupo pequeno de países, é perda de tempo você trazer para o
multilateral, porque essa dinâmica vai se repetir lá também.
-
RAIO-X ROBERTO AZEVÊDO, 58
CARGO
Diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio) desde 1º de setembro de 2013 (mandato de quatro anos)
FORMAÇÃO
Engenharia elétrica pela Universidade de Brasília
CARREIRA
Foi chefe do departamento de contenciosos e coordenou a equipe
responsável pela vitória do Brasil no processo que condenou os subsídios
dos EUA aos produtores de algodão. Em 2008, foi escolhido embaixador do
Brasil em Genebra
.
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/06/1781344-diretor-da-omc-se-diz-afinado-com-serra-sobre-novos-acordos-comerciais.shtml