O novo reitor da PUCRS, Evilázio Teixeira, cobra das universidades a geração de riqueza e não só de papers
Por Marcos Graciani
graciani@amanha.com.br
O gabinete de onde o Irmão Evilázio Teixeira passou a
comandar a PUCRS desde 9 de dezembro possui duas amplas estantes com
mais de 3 mil volumes. Mas não são os únicos da coleção. “Eu tenho uma
biblioteca digital com 15 mil títulos. Costumo ler no iPad”, conta,
sorridente. O repertório de interesses dele passa por administração e
direito, além, naturalmente, de teologia e filosofia. Mas já de algum
tempo, sua atenção tem se voltado para estudos sobre gestão –
especialmente de universidades. Em breve, o efeito desta imersão ficará
mais claro. Como antecipou a AMANHÃ na entrevista a seguir, ele prepara a
PUCRS para um redesenho que transformará 22 unidades acadêmicas em oito
escolas, uma estrutura muito comum em universidades europeias.
Ler
é apenas um dos hobbies de Teixeira. Outro é cozinhar. Eclético, vai da
culinária italiana a brasileiríssimos pratos à base de peixe, que
aprendeu a preparar com a mãe, a irmão e seus vários amigos. “Aprecio o
convívio humano. E me entendo como uma pessoa bem humorada e de fácil
acesso. Não gosto de muita formalidade”, sorri, com um jeito bonachão
que, em vários momentos da conversa, deu lugar a um semblante mais
sério, especialmente quando censurou as violações à ética no Brasil e
reconheceu que ainda serão necessárias algumas décadas para que os
brasileiros aprendam a cobrar melhor postura dos homens públicos, passo
essencial para vitalizar a democracia no país.
Outra crítica é
dirigida para o próprio ambiente acadêmico. Segundo Evilázio Teixeira,
as universidades também pecam por inovar pouco, ainda que produzam
inúmeras pesquisas acadêmicas.
“Temos muito a fazer para que o
conhecimento consiga gerar riqueza e inovação. Tem de haver um
posicionamento interno diferente das universidades”, cobra o novo reitor
da PUC, com a autoridade de seus três bacharelados (Teologia, Filosofia
e Direito), duas licenciaturas, dois mestrados e dois doutorados
(Teologia e Filosofia). “O atual [posicionamento das universidades] ainda é fruto de uma cultura que herdamos.”
Quais são os seus planos para a universidade nos próximos anos?
Acabamos
de definir o planejamento até 2022 que está calcado em inovação e
desenvolvimento. A principal ação é a transformação de 22 unidades
acadêmicas em 8 escolas, algo que vai representar um novo marco para o
futuro da PUCRS. No Brasil, esse modelo ainda é incipiente, mas as
grandes universidades do mundo já deram esse passo que é unificar por
áreas de conhecimento. Essas escolas permitirão maior
interdisciplinaridade. É uma caminhada em busca de consolidar a
excelência, pois assumimos cada vez mais essa condição de ser uma
universidade de classe mundial. Entendemos que esse novo desenho vai
permitir maior flexibilização, agilidade e descentralização na gestão.
Essa agenda também permitirá a maior interação com o setor produtivo, de
modo especial, empresas e governo, sem abrir mão do empreendedorismo, a
exemplo do que acontece com o InovaPUC. Chegamos em um nível de
pesquisa com patamar de excelência nacional e internacional. Mas também
precisamos fortalecer o ensino oferecendo outros ambientes de
aprendizagem.
O TecnoPUC, que
foi eleito recentemente o melhor parque científico e tecnológico do
Brasil, é um exemplo do que a instituição pretende?
Exato. O
TecnoPUC representa, desde a sua fundação, um ciclo virtuoso da relação
entre universidade e setor produtivo. A universidade agrega um valor
para o mundo empresarial, pois oferece conhecimento. Por sua vez, as
empresas nos ajudam muito, pois a universidade passa a ter a capacidade
de oferecer para inúmeros estudantes bolsas de graduação, de mestrado e
de doutorado. Essa relação é extremamente importante. Continuaremos
expandindo o parque tecnológico. Criamos o InovaPUC, o CriaLab, o
Instituto Idea, enfim, áreas que fomentarão inovação de modo muito
interessante. E além de ampliar o TecnoPUC, criamos recentemente o
Global TecnoPUC, uma área à disposição não apenas da comunidade
acadêmica mas também das empresas, que podem fazer experiências as mais
diversas no sentido de experimentação e de criatividade.
Os
empresários, em geral, afirmam que há ainda muita distância entre o
ambiente acadêmico e as necessidades das companhias. Como o senhor
recebe essa crítica?
Acho que muitas barreiras já foram
superadas, mas elas devem se tornar cada vez menores. O caminho deveria
ser, proporcionalmente, trazer mais empresas para dentro [da universidade]
e levar mais estudantes para as empresas. É uma via de duas mãos.
Talvez ainda tenhamos de romper com uma tradição demasiada academicista
para algo mais ligado ao setor produtivo, pois é ali onde a inovação
floresce. Outro elemento a se ter em conta é que o conhecimento tem de
ajudar a solucionar problemas.
Como fazer uma boa síntese e ser capaz de dar respostas rápidas e objetivas, mas sem perder a tradição humanista?
Essa
é a nossa missão, pois a academia tem de construir sínteses que só ela é
capaz de fazer. Há necessidade de oferecer respostas rápidas para as
demandas da sociedade e das empresas, mas a universidade não pode perder
sua capacidade crítica, pois é um lugar de reflexão. Ela é capaz de
pensar o ser humano de modo mais integrado, não o tendo apenas como um
profissional de mercado, mas também como um cidadão. Sabemos que o
conhecimento exige uma velocidade quase incontrolável. Porém, não
podemos perder as raízes.
Ainda
há entre os pesquisadores brasileiros relutância em dirigir suas
pesquisas para conhecimento que se transformará em produto de mercado?
Sim.
Porém, creio que estamos avançando bastante no Brasil, embora em escala
ainda menor que outros países como os Estados Unidos e parte da Europa.
É que temos um conceito de que o conhecimento acadêmico é imaculado. No
entanto, temos de nos dar conta que o fato de gerar riqueza não macula o
conhecimento – antes pelo contrário: o engrandece. Acho que essa é uma
barreira que já foi ultrapassada. Mas é preciso se dar conta que não
basta produzir papers somente. A pesquisa acadêmica tem de desembocar em
inovação e empreendedorismo. E pesquisa que inova necessariamente tem
de gerar riqueza para o país.
Os pesquisadores brasileiros, na sua opinião, são também inovadores?
Temos
um déficit aí, pois o Brasil é um país que produz muita pesquisa, mas
não inovação. Há ainda muito a fazer para que o conhecimento consiga
gerar riqueza e inovação. Tem de haver um posicionamento interno
diferente das universidades. O atual [posicionamento da universidade]
ainda é fruto de uma cultura que herdamos. Somos resistentes às
mudanças. E, claro, outro elemento que interfere sem dúvida nenhuma, é
que o conhecimento tem uma dimensão pragmática. E isso, para nós, é
ainda um motivo de resistência.
Nessa linha, o lucro ainda é mal visto por alguns setores da academia?
Na academia, não trabalhamos com essa ideia de lucro como se faz nas empresas, mas [trabalhamos] com superávit, pois temos de investir [o resultado final do exercício].
Acho que é mais uma questão de vencer o preconceito no que se refere à
ideia de que o conhecimento tem de gerar riqueza. E a riqueza não é um
mal. O problema não é o lucro, é a distribuição da riqueza. Por isso, a
universidade tem essa missão de incluir todas as classes sociais para
que todas tenham acesso ao conhecimento e possam produzir riqueza. O
profissional do futuro, de qualquer classe social, não pode mais pensar
em ser bom apenas naquilo que faz. Ele terá de pensar que vai ter de
gerar empregos também. Essa é a ideia da universidade também enquanto
uma instituição que inova e que ajuda o estudante a se tornar um
empreendedor, um empresário. E que maravilha que isso aconteça, pois é
muito positivo.
Como o senhor avalia o ambiente político atual no Brasil?
O
cenário é de muita instabilidade e de bastante insegurança. E,
obviamente, essa instabilidade tem impacto direto no crescimento
econômico. Espero que os governantes tenham sabedoria e serenidade
suficiente para que consigam colocar o Brasil em um bom rumo de
desenvolvimento, inclusão e justiça social.
As universidades podem contribuir nesse sentido?
As
universidades têm cumprido uma tarefa importante. Posso falar mais
especificamente da PUCRS, pois a conheço mais. Hoje, de cada quatro
alunos, um tem algum tipo de incentivo. Fazemos isso justamente para
manter o universitário e dar oportunidade para que possa também acessar o
ensino. É uma grande contribuição que a universidade dá para a
sociedade. A universidade se esforça para trazer o máximo possível de
alunos, formá-los bem e devolvê-los para o mercado de forma que sejam
competentes e bons cidadãos. Outro elemento com o qual estamos muito
alinhados é essa visão de inovação, pois a universidade é um vetor do
desenvolvimento da sociedade – e ela não faz isso sozinha. Antigamente,
se falava muito no conceito da tríplice hélice. Ou seja, a interação
entre universidade, governo e empresa. Hoje, o destaque é a quádrupla
hélice, onde a sociedade de junta com governo, empresa e a universidade.
A sociedade deve demandar à universidade a solução de seus problemas,
mas também deve ajudar a universidade a ser uma instituição melhor.
A sociedade brasileira está realmente preparada para demandar governos, empresas e universidades?
Acho
que será um processo de amadurecimento. Alguns grupos já estão bem mais
conscientes, enquanto outros precisam avançar. Mesmo porque não temos
hoje no Brasil uma democracia intelectualizada. Temos muito a fazer
neste sentido. É um grande caminho que deverá passar por um processo de
conscientização. Muitos segmentos da sociedade já apontam para esse
caminho, mas muitos ainda não acordaram e vão ter de acordar. Creio que
isso ainda poderá levar décadas.
Por qual razão a falta de ética parece imperar no Brasil – e não apenas no campo político?
Ética
não se ensina, se pratica. A ética não pode ser mero discurso ou
princípio filosófico. Ela é aquela prática em busca do bem cotidiano.
Talvez para nós seja difícil falar dela, pois ouvimos muito discursos,
mas que não correspondem à prática cotidiana. Falar de ética tornou-se
um jargão. Faltam exemplos a seguir. Precisamos de líderes éticos, de
testemunhos de ética, de bons exemplos. As palavras emocionam, os
discursos maravilhosos, efusivos criam emoção e causam até comoção. Mas é
o exemplo que arrasta as pessoas e que faz com que elas queiram viver
determinado projeto ou não.
O
Brasil caiu no ranking mundial de educação em Ciências, Leitura e
Matemática. Qual a parcela de culpa do ensino superior nessa
estatística?
Assim como existem círculos virtuosos existem os
viciosos. E o ensino superior está dentro desse círculo vicioso. Temos
déficits muito fortes no que se refere à educação básica. A formação das
nossas crianças hoje tem um nível de qualidade baixíssimo. O Brasil
estava até um pouco melhor comparado com a Coreia do Sul no final da
década de 1960. Hoje, a Coreia do Sul deu um salto inigualável. Nós
ficamos para trás. Eu creio que nós não fizemos o dever de casa ao longo
dessas quatro décadas. E aí temos um déficit logo de início que vai ter
repercussão quando esse aluno chegar na academia. A universidade tem o
compromisso de formar bons educadores, mas as deficiências dos jovens
que chegam nas faculdades aumentaram nas últimas décadas. Por isso a
universidade tem de criar outras possibilidades [de aprendizagem].
Precisamos trabalhar em um modelo mais criativo e participativo. Hoje,
lamentavelmente, ser professor no Brasil é uma opção muito secundária.
Veja o que está acontecendo com as licenciaturas em todo o país. Em
poucos anos não teremos professores, em algumas áreas específicas já
está faltando, pois não há incentivo para que sigam a carreira.
O
senhor concorda com a avaliação de que a União Federal gasta demais com
ensino superior e muito pouco, e mal, com educação básica?
Nos
últimos 20 anos os investimentos em educação superior baixaram muito, e
mais especificamente nos últimos anos esses aportes sofreram uma
diminuição muito forte. No que se refere especificamente a essa
proporcionalidade de que se gasta demasiadamente em ensino superior e
menos em educação fundamental, confesso que não teria um posicionamento,
pois teria de me aprofundar melhor. Já ouvi alguns comentários em
relação a isso. Mas posso afirmar que os investimentos em educação
superior caíram muito.
Por quais razões?
Tem
muito a ver com as constantes crises e essa instabilidade política.
Isso não faz bem para ninguém. Os ajustes que o Brasil necessariamente
precisa fazer e que há anos não consegue implementar tem como
consequência a retração dos investimentos em quase todas as áreas. E o
ensino superior também foi afetado.
Quais são as condições que o Brasil deve oferecer para estancar a constante fuga de cérebros para outros países?
Creio
que melhorar as condições dos pesquisadores e das instituições e
oferecer as mesmas condições que já existem no mundo globalizado. A
instabilidade do Brasil, lamentavelmente, tende a incentivar essa ida de
pesquisadores para outros países. No que se refere especificamente à
área da pesquisa, temos de oferecer mais incentivos para que os melhores
permaneçam e ajudem a desenvolver nosso país. Porém, essa fuga de
cérebros, que alguns chamam de Brain Drain,
é um fenômeno universal. Os melhores matemáticos da Índia, por exemplo,
não trabalham lá. Eles estão nos Estados Unidos. Nesse mundo
globalizado, quem acaba captando os melhores é a nação que dá melhores
condições. Por outro lado, creio que precisamos formar os profissionais
para o mundo e não mais para seus redutos. E, obviamente, pensar
globalmente, mas agir localmente. Porém, é fundamental oferecer melhores
condições. Não tem outro jeito.
http://www.amanha.com.br/posts/view/3880