quarta-feira, 24 de julho de 2019

As “fake news” atingem também os negócios


A produção de conteúdo falso não só está se proliferando como se sofisticando


Startups têm desenvolvido negócios para combater a disseminação de fake news (Foto: Pexels)


Dois professores da Universidade de Washington, Jevin West e Carl Bergstrom, criaram o jogo online “Qual Rosto é Real” a partir de milhares de rostos humanos virtuais artificiais desenvolvidos pela dupla. O desafio consiste em adivinhar qual rosto é verdadeiramente humano. Meio milhão de jogadores disputaram 6 milhões de rodadas. A tecnologia do jogo é da Nvidia, empresa de processadores gráficos, e usa redes neurais (deep learning/inteligência artificial) treinadas num imenso conjunto de retratos de pessoas. O percentual de acertos girou em torno de 60% na primeira tentativa, atingindo 75% de precisão em tentativas posteriores. Segundo seus criadores, a intensão foi alertar a sociedade sobre a capacidade tecnológica atual de gerar imagens falsas. O risco é que não há como evitar usos não tão nobres dessa tecnologia.

Em outro exercício acadêmico, dois pesquisadores da Global Pulse, iniciativa ligada à ONU, usando apenas recursos e dados de código-fonte aberto, mostraram com que rapidez poderiam colocar em funcionamento um falso gerador de discursos de líderes políticos em assembleias da ONU. O modelo foi treinado em discursos proferidos por líderes políticos na Assembleia Geral da organização entre os anos de 1970 e 2015. Em apenas treze horas e a um custo de US$ 7,80 – despesa com recursos de computação em nuvem – , os pesquisadores conseguiram proferir discursos "realistas" sobre uma ampla variedade de temas sensíveis e de alto risco, de desarmamento nuclear a refugiados.

O tema das fake news ganhou visibilidade pelos impactos negativos em processo eleitorais,  sobretudo na eleição de Donald Trump em 2016 com os bots russos se passando por eleitores - americanos. No Brasil, a eleição de 2018 disseminou o uso de robôs e tecnologias de impulsionamento automático de mensagens visando influenciar os eleitores. A produção de conteúdo falso (fake news) não só está se proliferando como se sofisticando: agregando inteligência artificial, despontam as deep fakes!

O fenômeno de falsificação na internet extrapola o âmbito das notícias e da política, atingindo igualmente o mundo dos negócios, particularmente as plataformas centradas em dados. A Review Meta, um site independente que monitora a veracidade do feedback online, identificou um crescimento de avaliações na plataforma da Amazon postadas por usuários que não compraram o item em questão, ou seja, não experimentaram o produto e, não por coincidência, 98,2% dessas postagem avaliam em cinco estrelas. Zeynep Tufekci, em artigo na revista Wired (julho/agosto 2019) alerta que as alegações de falsidade também podem ser falsas: "Na Amazon, você dificilmente pode comprar um filtro solar simples sem encontrar avaliações que alegam que o produto é falsificado. Aliviado por ter sido avisado, você pode ficar tentado a não comprar. Mas talvez essa revisão em si seja falsa, plantada por um concorrente”.

O modelo de negócio do Google e Facebook, para citar dois dos gigantes de tecnologia, baseia-se em oferecer aos anunciantes acesso segmentado aos potenciais consumidores, tornando mais assertivas as campanhas publicitárias online. Observa-se, contudo, que esse modelo também está suscetível a fraudes, repleto de visualizações e cliques falsos. Em 2016, o Facebook admitiu ter exagerado na quantificação do tempo que seus usuários assistem vídeos na plataforma, caracterizando como um “erro" com efeito zero sobre o faturamento. Aparentemente, não foi esse o entendimento de muitos pequenos anunciantes: em 2018 entraram com uma ação coletiva alegando que a rede social estava inflando seus números propositalmente.

São muitos os exemplos mundo afora. Na Bulgária, em 2017, por exemplo, o Spotify sofreu um esquema que levou US$ 1 milhão: fraudadores geravam músicas de 30 segundos (tempo médio de escuta) e criavam contas falsas automatizadas para reproduzi-las. Assim, embolsavam a diferença entre os royalties e a quantia paga à plataforma para listar suas próprias faixas.

Vivemos um período de crise generalizada de confiança, que extrapola os eventos na internet. Acima de regras morais e éticas, arcabouço regulatório e sistemas de punição, para funcionar de maneira sadia a sociedade precisa de um mínimo de confiança entre seus agentes - instituições, governos e cidadãos. As facilidades da tecnologia e do meio digital só exacerbam o atual cenário.

*Dora Kaufman é pós-Doutora COPPE-UFRJ (2017) e TIDD PUC-SP (2019), Doutora ECA-USP com período na Université Paris – Sorbonne IV. Autora dos livros “O Despertar de Gulliver: os desafios das empresas nas redes digitais” (2017), e “A inteligência artificial irá suplantar a inteligência humana?” (2019). Professora convidada da FDC e professora PUC-SP.


 https://epocanegocios.globo.com/colunas/noticia/2019/07/fake-news-atingem-tambem-os-negocios.html

Deputados europeus expressam reservas sobre acordo UE-Mercosul

Deputados europeus expressam reservas sobre acordo UE-Mercosul
(Arquivo) A comissária europeia de Comércio, Cecilia Malmström - AFP
O acordo alcançado entre a União Europeia (UE) e o Mercosul enfrentou, nesta terça-feira (23), seu primeiro teste no Parlamento Europeu, onde os deputados do bloco manifestaram reservas sobre a proteção ao meio ambiente e à agricultura.

A comissária europeia de Comércio, Cecilia Malmström, e seu colega da Agricultura, Phil Hogan, defenderam um acordo “equilibrado, global e ambicioso” em suas primeiras falas, diante de suas respectivas comissões do novo Parlamento.

“Aceito que o acordo representa um desafio para alguns setores agrícolas, mas também garantimos muitas oportunidades (…) e fomos defensivos”, garantiu Hogan diante dos deputados europeus da Comissão de Agricultura.

O comissário irlandês respondia às críticas de vários deputados, como o ecologista alemão Martin Hausling, para quem o acordo “vende” a agricultura europeia e deixará o mercado de carne bovina “no chão”.

Para desfazer as dúvidas dos parlamentares, que no futuro terão de aprovar o texto, Hogan destacou um mecanismo de salvaguarda que garante a proteção dos produtores diante de impactos no mercado interno.
“É a primeira vez que conseguimos isto (…) para produtos submetidos a tarifas”, celebrou o comissário, lembrando que o acordo prevê “um pacote de 1 bilhão de euros” para “distorções do mercado”.

Sua homóloga sueca, cujo mandato à frente da pasta do Comércio acaba em 31 de outubro, como o de Hogan na Agricultura, também teve de enfrentar as reservas do Parlamento. Em seu caso, a questão mais sensível é no terreno ambiental.

“Como podemos nos assegurar de que não fique apenas no papel, que haja um compromisso firme com o Acordo de Paris (sobre o clima)?”, questionou a deputada socialdemocrata Kathleen Van Brempt, dirigindo-se à Cecilia Malmström.

“Um acordo comercial por si só não pode salvar a Amazônia (…), mas pode ser um instrumento muito útil”, garantiu a comissária, anunciando sua avaliação do impacto ambiental do acordo para o fim do ano.

A política ambiental do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, fez os alarmes dispararem no Parlamento Europeu. Malmström lembrou que, em última instância, os países podem decidir suspender o acordo comercial.

“Mas existem maneiras de ir aumentando a pressão”, acrescentou a comissária europeia.
Em uma entrevista recente à AFP, ela estimou em cerca de “dois anos” o tempo necessário para a entrada em vigor provisória do acordo com o Mercosul.

Após o acordo alcançado em junho, os países do Mercosul e os da UE devem aprovar o texto formalmente nos Parlamentos. Em seguida, o pacto poderá ser aplicado, de modo provisório, após sua ratificação por parte do Parlamento Europeu.

A aplicação definitiva do acordo acontecerá após os parlamentos nacionais ratificarem o documento – um trâmite que, do lado europeu, pode durar muito anos, a partir da entrada em vigor provisória.
https://www.istoedinheiro.com.br/deputados-europeus-expressam-reservas-sobre-acordo-ue-mercosul/

Nissan se prepara para um drástico corte de funcionários


A fabricante japonesa Nissan, que já foi a força motriz da aliança com a a francesa Renault, está em crise: prepara-se para anunciar na quinta-feira medidas drásticas para reequilibrar suas contas, com a imprensa japonesa evocando mais de 10 mil cortes de empregos.

Seu chefe, Hiroto Saikawa, já havia alertado: as reformas serão dolorosas, e o grupo não tem outra escolha, encurralado, segundo ele, pela estratégia de expansão forçada liderada por Carlos Ghosn.

“Não comentamos sobre especulações”, respondeu uma porta-voz da Nissan. Mas de acordo com a agência de notícias Kyodo e os principais jornais do país, o anúncio virá na quinta-feira, por ocasião da publicação pela fabricante de seus resultados trimestrais, que deverão ser muito fracos.

Depois de uma queda de 57% em seu lucro líquido em 2018/19, a Nissan deverá ter uma queda de 90% no lucro operacional no primeiro trimestre do atual ano fiscal (abril-junho), informou o jornal econômico Nikkei em seu site, sem citar fontes.

Sua compatriota Mitsubishi Motors, última a entrar na aliança, apresenta suas contas nesta quarta-feira e, depois de um ano muito bom, também espera uma queda nos lucros.


– “Inevitável” –


Com os 4.800 postos já mencionados em maio pela Nissan, pelo menos 5.200 postos de trabalho adicionais estão na mira. Os cortes podem afetar fábricas na América do Sul e em outras áreas onde a rentabilidade da Nissan é baixa, diz Kyodo.

Hiroto Saikawa, que se distinguiu por seu zelo em cortar custos sob as asas de Carlos Ghosn na virada dos anos 2000, quando a Nissan estava à beira da falência, adota agora o mesmo método. A força de trabalho será reduzida em mais de 7% em um grupo de 139.000 funcionários. 

Na Bolsa de Valores de Tóquio, esses cortes foram recebidos de forma bastante positiva por investidores que calculam especialmente as vantagens financeiras: as ações fecharam com um ganho de 0,95%, a 781,6 ienes.

“Esta é uma resposta apropriada para as vendas fracas”, comentou friamente à AFP Janet Lewis, especialista do setor na Macquarie Capital Securities. “As montadoras não estão em plena forma, e algumas precisam reduzir sua produção”, diz, tomando como exemplo as americanas Ford e General Motors. 

Para a Nissan, “uma reestruturação em larga escala de toda a empresa, não apenas das fábricas, é inevitável”, diz Tatsuo Yoshida, analista da Sawakami Asset Management.


– “Surdo ou cego” –


Segundo ele, o grupo está em “excesso de capacidade” devido às ambições passadas de Ghosn, obcecado em ser o maior do mundo. 

Mas, em um contexto difícil para a indústria, a Nissan parece hoje sem fôlego. A empresa sofreu um forte declínio nas vendas de seus carros nos Estados Unidos e na Europa, sem mencionar o impacto em sua imagem do caso Ghosn.

A empresa japonesa contribuiu largamente para desencadear a saga, conduzindo a investigação interna contra seu chefe emblemático. Preso em novembro, o magnata deposto foi indiciado quatro vezes pelos tribunais japoneses.

Não existe uma fórmula mágica para ressuscitar a Nissan”, mas requer “liderança sólida” e este não é o caso de Saikawa, que continua na liderança por falta de outros candidatos potenciais, segundo o especialista.

Contestado pelos acionistas e pouco apoiado internamente devido à sua antiga proximidade com Ghosn, ele pode “não aguentar muito tempo”, prognostica Yoshida. E “a Nissan deve melhorar a situação sem demora ou fortalecer sua posição” em uma aliança à beira da ruptura.

Os dois parceiros não estão na mesma sintonia: a Renault, que detém 43% de seu capital, quer mais integração, enquanto a Nissan quer preservar sua independência a todo custo.

Jean-Dominique Senard, presidente do conselho da Renault e chefe da aliança alertou sobre sua vigilância. “Tem que ser surdo ou cego para não entender que a recuperação da Nissan é uma questão prioritária”, disse ele em uma entrevista em junho.

Varejo e indústria invertem negócios. Bom ou ruim para a relação colaborativa?





Por Rafael Faustino - Fernanda Vasconcelos - redacao@savarejo.com.br -

 

Um entra no mundo da produção com suas marcas próprias e outro ingressa no da venda direta ao consumidor. Nem todo mundo, porém, está confortável com isso

 

Varejistas lançam marcas próprias e fornecedores criam canais de venda direta ao consumidor. Esse avanço de ambos tem criado um certo desconforto de parte das empresas que atuam tanto de um lado quanto de outro. A dúvida é o quanto isso pode estar prejudicando o relacionamento varejo-fornecedor. 

Diretora do Advantage Group , Ana Fioratti reconhece que há uma disputa, mas, até o momento, não a ponto de estremecer as parcerias. “O que observamos no Brasil é que ainda cresce o reconhecimento de que trabalhar de forma colaborativa traz bons resultados, promovendo conhecimento do shopper, ganho de eficiência e maior faturamento para ambos”, diz. 



Segundo a especialista, o varejo tem um interesse óbvio em privilegiar suas marcas próprias, cuja participação nas vendas está em torno de 6%. O problema, diz Ana, é quando elas começam a canibalizar categorias em que outras marcas estão bem consolidadas. Da mesma forma, afirma ela, os canais de venda direta da indústria devem exercer papel apenas complementar. E ter isso em mente é importante para o fabricante não prejudicar suas próprias vendas no varejo. 

A questão, para ambos, é conhecer o limite das apostas e não deixar que elas prejudiquem parcerias que são estratégicas. Antônio Sá, fundador da Amicci , consultoria especializada em desenvolvimento de marcas próprias, também aponta que o efeito dessas estratégias na competição é relativo. “As marcas das grandes indústrias já não estão sozinhas. Há geralmente sete ou oito marcas na categoria. Não é a marca própria que vai fazer o negócio desandar. Só sairão prejudicadas algumas intermediárias que não trazem relevância para o shopper”, diz. 

No exterior, afirmam os dois consultores, é comum que a participação das marcas próprias do varejo beire os 40% das vendas nos mercados mais desenvolvidos. E nem por isso, garantem eles, grandes indústrias deixaram de ter seu espaço nas prateleiras, enquanto outras menores encontraram um bom caminho se tornando exatamente fornecedoras para as marcas dos varejistas. 

Para Ana Fioratti, da Advantage, cabe ao varejo e à indústria entender em quais oportunidades é possível ganhar mais sem prejudicar a cadeia de consumo como um todo. Alguns podem sair perdendo – mas provavelmente serão aqueles que não fazem seu trabalho corretamente. “Não dá para ter um relacionamento colaborativo com todos os varejistas ou com todas as indústrias. É preciso fazer escolhas que valorizem o negócio, privilegiando parceiros que entreguem o que se precisa, seja valor, qualidade ou margens melhores.” 

O varejo deve entender como a marca própria vai agregar para a categoria como um todo. Criar uma linha própria só como ferramenta de negociação pode ser um tiro no pé. Além disso, o desenvolvimento de marcas exige um longo processo de definição de posicionamento, controle de qualidade, comunicação com o consumidor, etc. Já no caso da venda direta ao consumidor pela indústria, a grande complicação acontece quando a política de preços por canais não está clara nem para a própria empresa. Isso gera insatisfação no varejista que privilegia determinada marca, mas vê que ela está mais barata em outros canais” - Ana Fioratti, Diretora do Advantage Group
 

Venda Direta: mais  dados sobre o consumidor

A empreitada da indústria na venda direta é repleta de exemplos. A Nestlé comprou a rede Starbucks para comercializar produtos da marca Nespresso , além de já vender as cápsulas de seu café diretamente ao consumidor. A gigante JBS , que sempre foi focada no varejo e em restaurantes, investe em lojas da marca Swift para atender diretamente as pessoas. A Bauducco tem unidades conceito e muitas outras indústrias, de vários segmentos, vendem seus produtos por meio da internet. Procurados por SA Varejo, os fabricantes preferiram não falar sobre o assunto ou não conseguiram retornar até o fechamento da edição. Mas, afinal, o que está por trás dessa estratégia? 


Açougue SWIFT
 

Em entrevista à SA Varejo de maio/2019, a JBS, dona da marca, explicou que as lojas ajudam a entender melhor a categoria de carnes, fazer testes e medir resultados para implementar projetos no varejo.
 

“Todos buscam dados do consumidor. O que se deseja hoje é saber o que faz alguém comprar e de que forma”, explica Fábio Fialho, Chief Strategy Sale Officer (CSSO) da Synapcom , que oferece soluções para e-commerce. Para ele, os varejistas têm melhor visão sobre os hábitos das pessoas e o que elas buscam. Por isso, é possível continuar atraindo o consumidor ao oferecer experiência, testes e produtos alinhados ao perfil do cliente. 

Outro especialista, Helton Arsênio, gerente da PwC Brasil , reforça que indústria e varejo precisam um do outro para complementar seus negócios. “É difícil imaginar que as indústrias vão conseguir a capilaridade do supermercado, principalmente em lugares fora dos grandes centros. Além disso, criar uma rede de lojas ou mesmo uma rede de distribuição com o e-commerce é custoso e elimina os ganhos financeiros da venda direta”, acredita. 

Para ele, o consumidor aceita comprar direto da indústria bens de maior valor, como celulares e carros. Mas acha improvável que ele percorra vários sites para adquirir um item de baixo custo em cada um. “O marketplace, o e-commerce do varejo e as lojas físicas continuarão atendendo a maior parte do volume dessa compra”, avalia o gerente da PwC. Quem concorda é Paulo Ferezin, sócio-diretor para varejo da KPMG . Ele afirma que as pessoas têm hoje mais meios para escolher itens de maior valor agregado ao menor preço. “A busca é feita em clics”, conclui. 


Vendas Online em sites de fabricantes

 
Pesquisa aponta o perfil de compra e quanto movimentam os sites da indústria*
  • 45% das pessoas compram eletros
  • 16% itens de perfumaria e cosméticos
  • 14% de moda & acessórios
  • 10% alimentos e bebidas
  • 15% outros
2,5 bilhões de reais quanto movimentou a venda online em sites de fabricantes em 2018
20% crescimento da receita em relação ao ano anterior
43% taxa de aumento no número de pedidos nesses sites
-16% queda no tíquete médio, o que indica a entrada de mais fabricantes no e-commerce ao consumidor 

Fonte: Ebit/Nielsen * todos os segmentos, inclusive bens duráveis 

Marca própria: fidelização e massa de margem


Fidelizar o consumidor é o sonho de qualquer loja, certo? Imagine ter seu próprio produto como o preferido do cliente, ganhando mais a cada venda. É isso que tem motivado os supermercados a investir mais nas marcas próprias. Apesar de não serem novidade, elas vêm mudando seu perfil: não são criadas apenas como uma opção de preço baixo, mas, sim, para dar uma alternativa de qualidade aos rótulos mais conhecidos do mercado. “O preço é o diferencial, mas o shopper evoluiu e se preocupa também com a qualidade. Ele quer ver que aquele produto de marca própria do supermercado custa menos e ao mesmo tempo entrega uma qualidade semelhante à do mais caro”, destaca Marco Quintarelli, consultor especializado em marcas próprias. 

Até por essa preocupação, não é mais tão simples lançar um produto próprio. A seleção de fornecedor, o controle de qualidade e a finalização do produto tomam bastante tempo do varejista, segundo outro especialista, Antônio Sá, da Amicci. “Todos querem entrar nesse negócio, mas são as grandes redes que lideram o esforço. O varejo assume o papel de indústria, e poucos têm condições de fazer isso se dedicando de forma adequada ao desenvolvimento do produto”, aponta.

De fato, gigantes como Carrefour e GPA têm apostado forte na estratégia. Em ambas, a participação está em 12% das vendas totais, e as marcas próprias são posicionadas com preço em torno de 30% inferior ao das líderes. As duas redes afirmam que não tiram espaço das marcas mais vendidas para posicionar as suas próprias. O Carrefour diz que apenas em alguns casos retira marcas de pouca relevância, enquanto o GPA privilegia ilhas e espaços extras de exposição para seus produtos. 

E, embora a rentabilidade seja maior com as marcas próprias, o que mais move os investimentos das redes é a fidelização do shopper. “Mais do que a rentabilidade na categoria, visamos à massa de margem, que melhora conforme o cliente volta mais vezes à nossa loja e compra nossos produtos”, explica Allan Gate, diretor comercial de marcas próprias do Carrefour.
 
GPA Sortimento de marcas exclusivas gira em torno de 4 mil itens. Entre elas estão Casino e Taeq
 
GPA


Variedades de marcas exclusivas

O GPA se destaca por contar com várias marcas exclusivas – Casino, Taeq, Qualitá, Finlandek e Club des Sommeliers. A boa relação custo-benefício, que os produtos buscam oferecer, se deve sobretudo à negociação comercial em grande volume. É o que afirma Wilhelm Kauth, diretor de marcas exclusivas da empresa. “Também há a redução de alguns custos em relação às marcas da indústria, como logística e marketing, que são eliminados em um processo de marca própria”, lembra. 

12% participação das marcas próprias nas vendas do Multivarejo (divisão que engloba as bandeiras Extra e Pão de Açúcar) 

4 mil itens total de SKUs de marca própria 

 
Carrefour


Qualidade semelhante a de líder
 
Na companhia, todo o desenvolvimento de produto (que leva de seis a oito meses) tem como objetivo se assemelhar à líder da categoria, afirma Allan Gate, diretor comercial de marca própria. “Ficamos com um preço de 20% a 30% abaixo da primeira colocada, mas miramos qualidade parecida”, conta. Além disso, o Carrefour observa algumas tendências de consumo em seus produtos, fazendo, por exemplo, um molho de tomate com menos sódio e açúcar para aqueles consumidores que se preocupam com a saudabilidade. 

30% taxa anual de crescimento de vendas
20% previsão de participação das marcas próprias de alimentos e bebidas até 2022 – hoje está em 12% 

3 mil itens total de itens de marca própria 


 https://www.savarejo.com.br/detalhe/negocios/varejo-e-industria-invertem-negocios-bom-ou-ruim-para-a-relacao-colaborativa
 

segunda-feira, 22 de julho de 2019

As lições de Direito que estão nas telas do cinema





Quando cineastas vão a um tribunal, fazem um filme. Quando advogados vão ao cinema, escrevem um livro. Dessa combinação de gostos e interesses resultou Os Advogados Vão ao Cinema, uma obra instigante, idealizada e coordenada pelo advogado José Roberto de Castro Neves, na qual ele e mais 39 colegas escrevem sobre filmes relacionados ao Direito e à Justiça.

Ler o livro é um convite a ir ao cinema ver ou rever os filmes em tela. Mas não esperem um livro de crítica. Advogados são especialistas em defender causas, mais do que em apontar defeitos e virtudes. E é isso que os signatários de cada um dos 40 ensaios se propõe a fazer: defender o seu filme preferido, a importância da Justiça, o império da lei e do Direito e, last but not least (o livro está cheio de citações em inglês nem sempre acompanhadas de tradução), a imprescindibilidade do advogado em cada história e na vida real.

Como bem lembra Francisco Müssnich, o personagem Atticus Finch, do filme O Sol é para todos foi eleito pelo American Film Institute, em 2003, o maior herói do cinema americano. Finch, interpretado por Gregory Peck em papel que lhe valeu um Oscar de Melhor Ator, era um advogado, obviamente. Em segundo lugar, como informa Rodrigo Garcia da Fonseca, nos comentários de Filadélfia, ficou Indiana Jones e em terceiro James Bond, que estão mais para justiceiros do que para defensores.

O justiceiro, por sinal, é uma invenção do cinema que criou e alimentou um dos gêneros mais exitosos e populares da sétima arte: o faroeste. Repletos de ação e de tiros, os filmes que retratam a saga da conquista do oeste americano, contam sempre como a lei era imposta sem a menor alusão ao devido processo legal por aquelas bandas. No final, não importa como, o bem sempre prevalece. Como advertem os letreiros no final de filmes “baseados em fatos reais”: “Alguma semelhança com algum juiz e procuradores de um país do sul do mundo em sua suposta luta contra a corrupção não é mera coincidência”.

Um justiceiro mais sutil pode ser visto no cinema na figura do advogado que acaba se colocando acima mesmo do devido processo. É o que se infere em Amistad, analisado pela advogada Selma Ferreira Lemes, no livro. O filme conta a história de um grupo de homens que são aprisionados em alto mar pela marinha americana, depois de se rebelarem e tomarem o controle do navio Amistad, de bandeira espanhola, em que eram transportados como escravos.

Caberia à Justiça dos Estados Unidos dizer se aqueles homens haviam nascido em Cuba, de onde partiu o navio, e nesse caso eram escravos, e, portanto, propriedade dos traficantes que os transportavam na embarcação; ou se haviam nascido na África, caso em que seriam homens livres e vítimas do tráfico de escravos, já considerado ilegal por um tratado assinado por Espanha e Inglaterra.

A “carga” humana transportada pelo navio era reivindicada pela Espanha, já que a nave navegava sob bandeira espanhola; pelos traficantes, que se diziam seus proprietários; pela marinha americana, que alegava seu direito de obter o resgate pela interceptação de um navio considerado pirata; pela Justiça americana, que pretendia punir os africanos com a morte pelo assassinato da tripulação do navio no motim; e pelos próprios réus, que alegavam seu direito à liberdade.

A história e os muitos debates que ela envolve, muito bem descritos por Selma Lemes no livro, são empolgantes. Mas, no final das contas, o que decide a questão a favor da liberdade dos africanos, mais do que os argumentos e o devido processo, é a atuação e a presença desequilibrante de um grande advogado — John Quincy Adams, nada menos do que ex-presidente dos Estados Unidos. O filme é baseado em um acontecimento verídico da história.

Boa parte dos filmes analisados é baseada em “fatos da vida real”. O que acaba criando um delicioso círculo vicioso em que a vida imita a arte e vice-versa. Mais de um autor destaca que essa é uma das razões que explicam o fascínio que os “filmes de tribunal” exercem não só sobre os realizadores como também sobre as plateias.

Poucas cenas são mais dramáticas do que uma sessão do Júri, com as intervenções apaixonantes da acusação e da defesa, a surpresa das provas, a emoção dos depoimentos de testemunhas e das partes e o suspense da sentença final. Sem falar que tanto no cinema quanto no tribunal, a matéria-prima fundamental é o conflito. Mesmo na comédia romântica mais açucarada, o beijo final da mocinha e do mocinho é precedido por um aparente insuperável litígio inicial.

A diferença é que, na vida real, são raríssimos os casos em que, quando tudo parece perdido e a injustiça vai se consumar, aparece uma testemunha inesperada com a prova mais improvável para mudar tudo e restabelecer o triunfo da verdade e da Justiça. Como bem lembra o advogado (fictício) Joe Miller, no filme Filadélfia: “Senhoras e senhores do júri: esqueçam tudo que viram na televisão e nos filmes. Não haverá testemunhas de última hora, de surpresa, ninguém vai desabar em lágrimas durante o depoimento com uma confissão. Fatos simples serão apresentados a vocês. Andrew Beckett foi demitido e vocês escutarão duas explicações sobre porque ele foi demitido: a nossa e a deles. Cabe a vocês decidirem qual é a mais verdadeira”. No caso, é a ficção imitando a vida.

Anderson Schreiber, procurador do Estado do Rio de Janeiro, demonstra com muita propriedade que no caso dos personagens da saga interplanetária de Star Wars, nem sempre o mau é mau ou o bom é bom. Muito pelo contrário, todo mal contém algo de bom e todo bem leva algo de mau. O que é uma lição preciosíssima tanto para o dia a dia dos humanos como para a tomada de decisão dos julgadores nos tribunais.

“Em resumo, pode-se dizer que, bem vistas as coisas, temos em Star Wars heróis que não são tão heróis e vilões que não são tão vilões assim”, escreve Schreiber. E que diabos isso tem a ver com a advocacia?”, ele pergunta. E responde: “O advogado é, por definição, um estudioso da natureza humana. A primeira versão, a mais óbvia, nunca o convence. E na progressiva investigação da verdade, ocasionalmente, heróis transformam-se em vilões e vilões, em heróis”.

Mas que diabos tem a ver Star Wars com o mundo jurídico? A resposta vem no artigo seguinte do livro, de autoria do desembargador federal do TRF-2 Marcus Abraham. A saga de Star Wars inicia-se na narrativa do prólogo do Episódio I – A Ameaça Fantasma (1999), a partir de uma disputa sobre a tributação extorsivas das rotas comerciais, o que acaba desencadeando uma série de eventos até fazer eclodir uma rebelião”.

Em seu ensaio, Abraham faz a correlação de Star Wars com grandes revoluções do planeta Terra que tiveram em sua origem a rebelião contra o abusos tributários: “Repete-se nas telas a realidade telúrica de excessos cometidos por reis e imperadores e que desencadearam inúmeras rebeliões ao longo da história recente da humanidade, tais como as revoluções Americana e Francesa e, entre nós, a Inconfidência Mineira”. O autor lembra de outra revolta ainda: a da nobreza e do clero britânicos contra o furor arrecadatório do rei João Sem Terra que resultou na assinatura da Magna Carta em 1215, que é tida como a primeira Constituição da história.

Ao contrário de Star Wars, que precisa fundamentar sua inclusão na lista de trial movies, filmes como Doze Homens e uma Sentença, O Sol por Testemunha, ou Amistad são autênticos filmes de tribunal e não poderiam faltar no livro dos advogados cinéfilos. Doze homens... é uma rara produção em que os personagens principais são os jurados que debatem para decidir o veredicto de um jovem acusado de homicídio. “Cada jurado literalmente trancado na sala de deliberações, defronta-se com seus limites, sua humanidade e seus apanágios. A culpa ou a inocência do réu, a dúvida “além do razoável, as alegadas provas do crime e regras legais servem para um trabalho racional, mas necessariamente afetado pelas idiossincrasias e os preconceitos”, diz José Inácio Cercal Fucci, o comentarista da fita. Fucci faz ainda a contextualização histórica do filme e aponta como, em pleno macartismo, o filme “pode ser visto como uma louvável tentativa de representação do poder dissuasório da minoria frente à maioria”. Nada mais atual, embora o filme seja de 1957.

Um filme precisa, mais do que tudo, de uma boa história para ser um bom filme. Ou de um livro, que conta a história original. Gustavo Binenbojm e Letícia Binenbojm se empolgaram tanto com a história da professora Deborah Lipstadt que parecem ter esquecido que o livro para o qual foram convidados a colaborar era sobre filmes. O livro de Lipstadt trata do processo que ela sofreu do escritor David Irving, autor de um livro que nega a ocorrência do Holocausto. No livro Denying the Holocaust, Lipstadt qualifica Irving como “partidário de Hitler, que distorceu evidências para alcançar conclusões históricas insustentáveis”. Ao ser processada por difamação por Irving, “Lipstadt optou pela única rota moralmente possível: a exceção da verdade. As palavras utilizadas por Deborah em seu livro podiam ser ofensivas, mas eram verdadeiras, o que descaracterizaria a difamação”, relatam Gustavo e Letícia. Comentam com brilho o fato histórico, a disputa jurídica, mas passam batidos pelo filme propriamente dito. A história justifica.

Além disso, os advogados que foram ao cinema para escrever o livro escolheram filmes que além da boa história contivesse uma boa lição de Direito: a defesa do Estado Democrático de Direito, do devido processo legal, do direito de defesa, estes são as verdadeiras causas por trás de cada história. Ou que ensinasse como funciona ou deixa de funcionar a Justiça. “O filme põe em relevo, sobretudo, a surpreendente dinâmica da vida que a estrutura processual é incapaz de acompanhar”, diz a ex-ministra e ex-presidente do STF, Ellen Gracie, ao comentar o filme A História de Qiu Ju.

O filme do diretor chinês Zhang Yimou, conta a história da moça que processa o comissário que agrediu seu marido numa briga. Mais tarde, o comissário salva sua vida, as famílias se reconciliam, mas o processo segue em frente até a condenação e prisão do antigo agressor e, agora, amigo e benfeitor. A lição que Ellen Gracie tira: “Diminui-se a noção de infalibilidade dos pronunciamentos jurisdicionais que são apenas o substituto — pouco satisfatório — para uma solução proposta pelas partes envolvidas no conflito”. E conclui a ex-ministra: “Julgar é, antes de mais nada, um exercício de humildade, diante da insuficiência de nossos conhecimentos e esforços bem-intencionados para abranger a dinâmica das relações humanas na sua inteireza”.

O criminalista Luís Guilherme Vieira tira suas lições ao comentar o filme Justiça para Todos, uma conturbada trama que vai colocar em choque os papeis do advogado e do juiz. “No âmbito do Estado Democrático de Direito, sedimentado por modelo constitucional acusatório, a ação penal constitui garantia de que suposto transgressor sé será sentenciado após o devido processo legal”. E aplica o que viu no filme ao momento atual brasileiro: “Juízes fogem da missão de condutores-garantidores da escorreita relação processual e se tornam protagonistas do processo penal, atuando na busca de provas, como se acusadores públicos fosse. E relativizando procedimento e direitos fundamentais, em prol do suposto combate à criminalidade, que não lhes compete, por força de norma constitucional”.

No último capítulo, o advogado Luiz Olavo Batista relembra que além dos 40 filmes colocados em julgamento pelos nobres colegas, há muito o que ver nas telas falando de Justiça e Direito. Anatomia de um crime (1959), de Otto Preminger; Julgamento em Nuremberg (1961), dirigido por Stanley Kramer (não confundir com O julgamento de Nuremberg, de 2000, com Alec Baldwin, que também merece ser visto); O veredito (1982), com Paul Newman; O advogado do Diabo (1997), com Al Pacino; O informante (1999), outro com Al Pacino; O povo contra Larry Flint (1996), de Milos Forman; Erin Brockovich: uma mulher de talento (2000), com Julia Roberts; A condenação, com Hilary Swank; O júri (2003), com John Cusack mais Dustin Hoffman e Gene Hackman; A ponte dos espiões (2015), com Tom Hanks.

A lista de “esquecidos” é interminável, o que comprova a impossibilidade de atender a todos os gostos e preferências. Mas, pelo menos para ter um brasileiro na fita, deveria ter sido incluído O caso dos irmãos Naves (1967), um clássico do gênero que relata a história real de um dos mais conhecidos erros judiciários da nossa história. De todos os modos, não surpreende que das 40 obras apresentadas, apenas nove não são dos Estados Unidos.

Clique aqui para ver a ficha técnica de cada filme e os autores dos comentários no livro Os Advogados Vão ao Cinema.

"Lava jato" foi show pirotécnico que deixou MP virar órgão supremo da República










Repleta de situações controversas, a dita maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o país já tocou trouxe consigo o protagonismo de uma instituição específica: o Ministério Público.

A operação “lava jato” fomentou aos poucos o endeusamento de procuradores que vociferavam a luta contra impunidade enquanto assinavam denúncias com base exclusiva em delação.

Na opinião do advogado Horácio Bernardes Neto, embora a operação tenha sido uma "lavagem de alma" e um "show pirotécnico maravilhoso", ela passou limites. Seu efeito colateral foi ter deixado o MP “se achar o guardião de todas as leis, o órgão supremo da República, que pode tudo e que não tem fiscalização nenhuma”.

De acordo com Bernardes, motivado pela midiatização da "lava jato", o órgão passou a investigar, atribuição que é da polícia. “Falta responsabilidade do Ministério Público, porque nós, advogados, temos responsabilidade. Se eu fizer alguma coisa errada a Ordem [dos Advogados] vai caçar minha licença. Se o Ministério Público quiser escrever que você é estelionatário e traficante de drogas, e disser que precisa te investigar; ele escreverá e no dia seguinte estará no jornal”, afirma em entrevista à ConJur.

Aos 64 anos, Horácio é o primeiro brasileiro a comandar a Associação Internacional de Advogados (IBA, na sigla em inglês), instituição que reúne mais de 80 mil advogados de diversos cantos do mundo.

Formou-se em Direito pela USP e tem pós-graduação pela Universidade de Köln, na Alemanha, onde morou durante alguns anos. Desde 2011 é um dos sócios do escritório Motta Fernandes, com foco em fusões e aquisições, segmento no qual é especialista.

Leia abaixo a entrevista: 


ConJur — Como analisa o aumento da criminalização da advocacia?
Horácio Bernardes —
A criminalização é péssima e está sendo cada vez mais fomentada. O que as pessoas não entendem é que todas as pessoas têm direito à defesa e o advogado é fundamental para isso. Se algo ilegal acontecer, você vai querer ter um advogado. Amigos meus dizem: "Imagina só defender o Lula". E eu respondo que alguém precisa defender o Lula, alguém precisa defender o Palocci. Claro que há prerrogativa como advogado. Eu posso não querer defender estuprador ou um traficante de droga, mas alguém tem que defender!

ConJur — Há paridade de armas entre acusação e defesa?
Horácio Bernardes —
Falta responsabilidade do Ministério Público, porque nós, advogados, temos responsabilidade. Se eu fizer alguma coisa errada a OAB vai caçar minha licença. Se o Ministério Público quiser escrever que você é estelionatário e traficante de drogas e precisa te investigar, ele escreverá e no dia seguinte estará no jornal. Você nunca mais limpa sua reputação. Não adianta ser publicado dias depois que não é traficante, porque grande parte da população não vai ver e continuará achando que você é traficante. 

ConJur — O protagonismo do MP incomoda?
Horácio Bernardes —
Esse endeusamento do Ministério Público, desse Deltan Dallagnol, que se deu com a “lava jato”, foi uma coisa meio forçada. O MP tinha é que ter mais responsabilidade. E eu acho que faz muito mal para a Justiça essa midiatização de tudo que está ocorrendo no Brasil. O MP escreve algo que nem é denúncia, às vezes é só uma petição, e já vai para a mão da grande mídia. Daí a imprensa publica e a discussão do tribunal é completamente aberta, todo mundo escuta, ninguém entende nada e isso é muito ruim.

ConJur — O senhor fala em responsabilidade do MP, mas em que sentido?
Horácio Bernardes —
Devia-se questionar o promotor para saber qual foi o embasamento dele. "Ah me baseei porque um cara me contou", responderia o promotor. E aí continua: "Quem contou?"; "Ah, um cara lá da minha rua"; "Mas você acha razoável fazer uma petição sem nenhuma espécie de análise? Então você está suspenso". Esse é que é o negócio.

ConJur — Esse tipo de julgamento imediatista é algo exclusivo do Brasil?
Horácio Bernardes —
Não vejo isso acontecer em outros países. O Ministério Público esquece que não pode jogar palavras ao vento, e que ele não deve investigar, mas sim a polícia. Há um exagero do Ministério Público e muito motivado pela “lava jato”. A “lava jato” foi realmente uma lavagem de alma do Brasil, não tem dúvida nenhuma. O país precisava daquilo, foi um show pirotécnico maravilhoso e todo mundo ficou feliz. A mesma coisa com o dia da prisão da Lula. Independente de gostar ou não dele e do PT, a grande maioria dos brasileiros estava esperando por aquilo.
Teve ainda nosso próprio orgulho brasileiro de ter sido o país onde houve a maior ação contra corrupção no mundo. Sergio Moro realmente trabalhou bem no sentido de que ele foi “comendo pela beirada”. Foi uma operação muito bem feita, mas teve muitos efeitos colaterais, como essa coisa do Ministério Público de repente passar a se achar o guardião de todas as leis, o órgão supremo da República, que pode tudo e que não tem fiscalização nenhuma.

ConJur — Um dos institutos mais usados na operação “lava jato” foi a delação premiada. Como analisa seu uso?
Horácio Bernardes —
Confessar não importa nada e é a pior das provas. Originalmente e na teoria, a delação é apenas um instrumento probatório a mais, depois tem que justificar com provas, e, se não justificar com prova, não pode valer nada. A delação está sendo usada com caráter midiático, não tem sido bem aplicada no Brasil. Se bem aplicada, é um belíssimo sistema de persecução penal.

ConJur — É muito comum a crítica de que o Brasil importa leis e costumes. Mas o país exporta instrumentos jurídicos?
Horácio Bernardes — O Brasil exporta uma proteção eficiente das prerrogativas do advogado. A forma como a profissão é regulada aqui é realmente exemplar. A OAB faz questão de lutar pelas prerrogativas profissionais. Em outros países mais civilizados as prerrogativas dos advogados estão sendo sacrificadas, ou o poder público está tentando sacrificar aspectos como o sigilo profissional, ou outros em favor de investigações de assuntos considerados mais dramáticos, como o terrorismo. Na Inglaterra, por exemplo, se o advogado verificar que um cliente está propositalmente fazendo alguma coisa para fraudar o pagamento de impostos, é obrigado a denunciar.

ConJur — A quantidade de advogados diplomados no país é alvo de críticas constantes, inclusive da OAB. No entanto, faculdades de Direito continuam surgindo indiscriminadamente.
Horácio Bernardes —
Essa reclamação de que há muitas faculdades de Direito existe no mundo inteiro. Em todos os lugares ouço que tem muita faculdade de Direito, muita gente se formando e entrando no mercado. Em países como o nosso, no qual se abrem faculdades de Direito, o MEC faz uma verificação que nem sempre é muito profunda. São Paulo hoje tem mais faculdades de Direito que os Estados Unidos. E saem essas hordas de advogados que geralmente não sabem nada, que nunca estudaram ou leram. 
Na verdade, o problema é muito mais social de sentir a dor que será para essas famílias que estão fazendo sacrifícios enormes para manter um sujeito na faculdade, que eu sei que é de terceira categoria, uma porcaria, que não vai dar em nada e que custa metade do orçamento da família inteira. Minha vontade é dizer "bota esse cara num Senac para ele aprender soldagem, para ele aprender encanamento, que vai ser muito melhor". No Brasil há muito esse negócio de que as pessoas têm que ser doutoras. 

ConJur — Mas a diferença é muito grande?
Horácio Bernardes —
Eu tenho muito dó desses meninos que estão estudando Direito em faculdades de terceira categoria e não estão aprendendo nada. Verifico pelos meus estagiários que se eles não enfiarem a cara no livro e estudarem feito condenados, não aprenderão nada em faculdade nenhuma. Claro que se for na USP, na PUC, na FGV, no Mackenzie, o nível é muito melhor do que em outras milhares que têm por aí. Mesmo assim, o sujeito que quer ser advogado tem que estudar diariamente. Cada dia que você não estuda você é menos advogado. Hoje eu tenho lá duas leis que colocaram em cima da minha mesa para eu ler, conversar com meu sócio e ver se é aplicável ao meu cliente ou não. Ou seja, vou ter que dar uma estudada. Estou com 64 anos e nunca fiquei um dia sem me atualizar um pouquinho.

ConJur — O que acha da obrigação de os donos escritórios serem advogados?
Horácio Bernardes —
Fico muito orgulhoso de ser brasileiro, porque a OAB é atuante e há várias coisas que se pode discutir. Hoje, em quase todos os países, há possibilidade de uma parte do capital do escritório de advocacia estar na mão de não advogados. Na Itália, por exemplo, até 49% de cotas do escritórios podem ficar na mão de investidores. Já na Inglaterra a banca pode ser inteiramente de investidores que não são advogados. No Brasil, ainda tem a uniprofissionalidade, quer dizer, sócios de escritórios de advocacia só podem ser advogados, e a sociedade deve ser registrada na OAB.

ConJur — O advogado brasileiro tem condição para trabalhar dessa forma?
Horácio Bernardes —
Na IAB entendemos que a advocacia tem que ser liberalizada. Particularmente, tenho várias restrições com uma sociedade ser controlada por pessoas de negócios e não advogados. A profissão não pode ter características mercantis no Brasil, e eu confio nisso. Por outro lado, podíamos admitir que escritórios brasileiros pudessem se unir a grandes redes internacionais. Fui contra isso durante muito tempo, mas agora a advocacia brasileira já está madura o suficiente. Não estamos mais fracos no mercado, os escritórios grandes brasileiros têm estruturas, conhecimento, tecnologia comparáveis a escritórios americanos. 

ConJur — E quanto à atividade de consultoria e auditoria?
Horácio Bernardes —
Em vários países as consultorias e auditorias são proprietárias dos maiores escritórios de advocacia. Entendo que isso é descabido. O advogado é feito  para receber o segredo dos clientes e guardar. Auditoria é feita para descobrir e divulgar. É um choque muito grande no procedimento ético. É a mesma coisa que fazer uma sociedade entre um médico e uma funerária: os interesses são diferentes.

ConJur — Há uma preocupação da advocacia em perder espaço de trabalho com o aumento do uso de inteligência artificial. Como o advogado deve lidar com isso?
Horácio Bernardes —
A tecnologia vai substituir em grande parte o serviço, mas não o aspecto estratégico. A máquina não vai substituir a estratégia que tem que ser tratada pelo ser humano e a decisão que deverá ser tomada. Os advogados têm de estar preparados para lidar com tecnologia como qualquer outro profissional e já há muitos buscando especializações em engenharia, arquitetura da informação, dentre outros. Mais do que se preocupar com a tecnologia, o advogado não pode negociar com o Estado de Direito, não se pode negociar com a democracia, com os direitos fundamentais.


 https://www.conjur.com.br/2019-jul-21/entrevista-horacio-bernardes-advogado-presidente-iab

Fazer negócios com chineses é bom, mas...


...a cultura e o país são desconhecidos pela maioria dos empresários e executivos brasileiros até hoje, infelizmente

 

Por Milton Pomar

A cultura e a China são desconhecidos pela maioria dos empresários e executivos brasileiros até hoje, infelizmente

Preço é determinante na negociação com chineses, mas não apenas. O Brasil é um país que ainda assusta asiáticos, em particular os chineses, sob vários aspectos. Assustam as diferenças culturais (falta de pontualidade, informalidade), a burocracia, a legislação, os custos financeiros e tributários, as notícias sobre crimes (assaltos e homicídios, mas também as fraudes que acontecem em negócios), a demora na emissão de laudos ambientais, a escassez de ferrovias, os custos e riscos do transporte rodoviário e os custos e a lentidão da movimentação portuária. 

A cultura negocial da China, e o próprio país, são desconhecidos pela maioria dos empresários e executivos brasileiros até hoje, infelizmente. Nos anos 1980/1990, muitos executivos norte-americanos sofreram por causa desse desconhecimento e da enorme “diferença de estilo”. Tiveram de estudar a China para aprender a ganhar dinheiro nos negócios que faziam. Se viram obrigados a conviver no país – e não a ficar lá apenas alguns dias. 

É importante atentarmos para essas questões, porque continua havendo muito interesse da China por negócios no Brasil – prova disso são as frequentes visitas, de comitivas governamentais e empresariais da China, a estados e municípios em todo o país, para prospecção, “manutenção”, ou finalização de negociações em grandes investimentos em áreas como energia, infraestrutura de transportes e indústrias. Mas não apenas: mantém-se forte a demanda por alimentos (pescado, por exemplo) e madeira, além das tradicionais – carnes de frango (destaque para pés de galinha), boi, e agora também de suínos; celulose, suco de laranja, soja e minério de ferro. E, obviamente, querem vender de tudo, de feijão preto e alho a equipamentos com tecnologia 5G. 

Tanto interesse em negócios com o Brasil se traduziu no ano passado em US$ 63,9 bilhões vendidos para a China, um recorde. Apesar de ser um valor alto, não chega a 3% de todas as compras da China no mundo. Podemos exportar mais de US$ 100 bilhões anuais para o nosso maior parceiro comercial? Certamente, se mudar a postura do empresariado e governos nos três níveis. Somos pouco agressivos comercialmente, pois o esporte favorito continua sendo ir às feiras chinesas para comprar. O Brasil não vende mais para a China por “falhas nossas”. Muitas falhas, e a expressão maior delas são os preços, na maioria dos casos superiores aos encontrados pelos chineses em outros países. Há o câmbio, evidentemente, e há todas as outras, divulgadas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) desde 2010, que jogam a competitividade brasileira para o final da fila. Daí porque participamos com estande em apenas duas ou três feiras, das quase 800 que ocorrem anualmente no país – nossas máquinas e equipamentos custam mais caro do que as da China.

Sem dúvida, compensa investir para vender para o maior mercado consumidor do mundo, estabelecer cooperação científica, tecnológica e em inovação, atrair investimentos e turistas, obter financiamentos, e realizar intercâmbios diversos. O primeiro passo a ser dado em termos de investimento, por municípios e estados, é estabelecer relações institucionais (“irmanamento”) com o seu equivalente na China, a exemplo do Paraná com a província de Zhejiang em 1986, o Rio Grande do Sul com Hubei em 2001 e Santa Catarina com Henan em 2002. O segundo passo, tão importante quanto, é efetivar esse relacionamento e não deixar a “solução de continuidade” tomar conta. A maioria dos estados e cidades brasileiras fica anos sem se relacionar com os seus “irmãos” e “irmãs” na China e não passam pela porta aberta nem para cumprimentar quem está do outro lado.

Investir em relações institucionais com uma cidade e/ou um estado na China segue a lógica de focar em uma parte do gigante, para aprender a lidar com ele sob todos os aspectos, e começar podendo vender “pouco”, ao invés de se descartar o cliente chinês de antemão, com a desculpa de “não ter volume” para vender “para a China”. 

Pergunte aos secretários de desenvolvimento econômico municipal e estadual se existe relação de irmanamento com província e cidade da China, o que previa e o que foi feito desde a assinatura do acordo de cooperação, e se a secretaria tem um planejamento específico para esse relacionamento. Pode-se fazer muitos negócios bons com uma única cidade chinesa. Zhengzhou, por exemplo, cidade-irmã de Joinville (SC) desde 2002, tem 10 milhões de habitantes, várias universidades, e é uma potência econômica: seu PIB, em 2018, foi de US$ 144 bilhões. 

http://www.amanha.com.br/posts/view/7842