A produção de conteúdo falso não só está se proliferando como se sofisticando
Dois
professores da Universidade de Washington, Jevin West e Carl Bergstrom,
criaram o jogo online “Qual Rosto é Real” a partir de milhares de
rostos humanos virtuais artificiais desenvolvidos pela dupla. O desafio
consiste em adivinhar qual rosto é verdadeiramente humano. Meio milhão
de jogadores disputaram 6 milhões de rodadas. A tecnologia do jogo é da
Nvidia, empresa de processadores gráficos, e usa redes neurais (deep
learning/inteligência artificial)
treinadas num imenso conjunto de retratos de pessoas. O percentual de
acertos girou em torno de 60% na primeira tentativa, atingindo 75% de
precisão em tentativas posteriores. Segundo seus criadores, a intensão
foi alertar a sociedade sobre a capacidade tecnológica atual de gerar
imagens falsas. O risco é que não há como evitar usos não tão nobres
dessa tecnologia.
Em
outro exercício acadêmico, dois pesquisadores da Global Pulse,
iniciativa ligada à ONU, usando apenas recursos e dados de código-fonte
aberto, mostraram com que rapidez poderiam colocar em funcionamento um
falso gerador de discursos de líderes políticos em assembleias da ONU. O
modelo foi treinado em discursos proferidos por líderes políticos na
Assembleia Geral da organização entre os anos de 1970 e 2015. Em apenas
treze horas e a um custo de US$ 7,80 – despesa com recursos de
computação em nuvem – , os pesquisadores conseguiram proferir discursos
"realistas" sobre uma ampla variedade de temas sensíveis e de alto
risco, de desarmamento nuclear a refugiados.
O tema das fake news ganhou visibilidade pelos impactos negativos em processo eleitorais, sobretudo na eleição de Donald Trump
em 2016 com os bots russos se passando por eleitores - americanos. No
Brasil, a eleição de 2018 disseminou o uso de robôs e tecnologias de
impulsionamento automático de mensagens visando influenciar os
eleitores. A produção de conteúdo falso (fake news) não só está se
proliferando como se sofisticando: agregando inteligência artificial,
despontam as deep fakes!
O fenômeno de falsificação na internet
extrapola o âmbito das notícias e da política, atingindo igualmente o
mundo dos negócios, particularmente as plataformas centradas em dados. A
Review Meta, um site independente que monitora a veracidade do feedback
online, identificou um crescimento de avaliações na plataforma da
Amazon postadas por usuários que não compraram o item em questão, ou
seja, não experimentaram o produto e, não por coincidência, 98,2% dessas
postagem avaliam em cinco estrelas. Zeynep Tufekci, em artigo na
revista Wired (julho/agosto 2019) alerta que as alegações de falsidade
também podem ser falsas: "Na Amazon, você dificilmente pode comprar um
filtro solar simples sem encontrar avaliações que alegam que o produto é
falsificado. Aliviado por ter sido avisado, você pode ficar tentado a
não comprar. Mas talvez essa revisão em si seja falsa, plantada por um
concorrente”.
O modelo de negócio do Google e Facebook,
para citar dois dos gigantes de tecnologia, baseia-se em oferecer aos
anunciantes acesso segmentado aos potenciais consumidores, tornando mais
assertivas as campanhas publicitárias online. Observa-se, contudo, que
esse modelo também está suscetível a fraudes, repleto de visualizações e
cliques falsos. Em 2016, o Facebook admitiu ter exagerado na
quantificação do tempo que seus usuários assistem vídeos na plataforma,
caracterizando como um “erro" com efeito zero sobre o faturamento.
Aparentemente, não foi esse o entendimento de muitos pequenos
anunciantes: em 2018 entraram com uma ação coletiva alegando que a rede
social estava inflando seus números propositalmente.
São muitos os
exemplos mundo afora. Na Bulgária, em 2017, por exemplo, o Spotify
sofreu um esquema que levou US$ 1 milhão: fraudadores geravam músicas de
30 segundos (tempo médio de escuta) e criavam contas falsas
automatizadas para reproduzi-las. Assim, embolsavam a diferença entre os
royalties e a quantia paga à plataforma para listar suas próprias
faixas.
Vivemos um período de crise generalizada de confiança, que
extrapola os eventos na internet. Acima de regras morais e éticas,
arcabouço regulatório e sistemas de punição, para funcionar de maneira
sadia a sociedade precisa de um mínimo de confiança entre seus agentes -
instituições, governos e cidadãos. As facilidades da tecnologia e do
meio digital só exacerbam o atual cenário.
*Dora Kaufman é
pós-Doutora COPPE-UFRJ (2017) e TIDD PUC-SP (2019), Doutora ECA-USP com
período na Université Paris – Sorbonne IV. Autora dos livros “O
Despertar de Gulliver: os desafios das empresas nas redes digitais”
(2017), e “A inteligência artificial irá suplantar a inteligência
humana?” (2019). Professora convidada da FDC e professora PUC-SP.
https://epocanegocios.globo.com/colunas/noticia/2019/07/fake-news-atingem-tambem-os-negocios.html
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