quarta-feira, 24 de julho de 2019

Varejo e indústria invertem negócios. Bom ou ruim para a relação colaborativa?





Por Rafael Faustino - Fernanda Vasconcelos - redacao@savarejo.com.br -

 

Um entra no mundo da produção com suas marcas próprias e outro ingressa no da venda direta ao consumidor. Nem todo mundo, porém, está confortável com isso

 

Varejistas lançam marcas próprias e fornecedores criam canais de venda direta ao consumidor. Esse avanço de ambos tem criado um certo desconforto de parte das empresas que atuam tanto de um lado quanto de outro. A dúvida é o quanto isso pode estar prejudicando o relacionamento varejo-fornecedor. 

Diretora do Advantage Group , Ana Fioratti reconhece que há uma disputa, mas, até o momento, não a ponto de estremecer as parcerias. “O que observamos no Brasil é que ainda cresce o reconhecimento de que trabalhar de forma colaborativa traz bons resultados, promovendo conhecimento do shopper, ganho de eficiência e maior faturamento para ambos”, diz. 



Segundo a especialista, o varejo tem um interesse óbvio em privilegiar suas marcas próprias, cuja participação nas vendas está em torno de 6%. O problema, diz Ana, é quando elas começam a canibalizar categorias em que outras marcas estão bem consolidadas. Da mesma forma, afirma ela, os canais de venda direta da indústria devem exercer papel apenas complementar. E ter isso em mente é importante para o fabricante não prejudicar suas próprias vendas no varejo. 

A questão, para ambos, é conhecer o limite das apostas e não deixar que elas prejudiquem parcerias que são estratégicas. Antônio Sá, fundador da Amicci , consultoria especializada em desenvolvimento de marcas próprias, também aponta que o efeito dessas estratégias na competição é relativo. “As marcas das grandes indústrias já não estão sozinhas. Há geralmente sete ou oito marcas na categoria. Não é a marca própria que vai fazer o negócio desandar. Só sairão prejudicadas algumas intermediárias que não trazem relevância para o shopper”, diz. 

No exterior, afirmam os dois consultores, é comum que a participação das marcas próprias do varejo beire os 40% das vendas nos mercados mais desenvolvidos. E nem por isso, garantem eles, grandes indústrias deixaram de ter seu espaço nas prateleiras, enquanto outras menores encontraram um bom caminho se tornando exatamente fornecedoras para as marcas dos varejistas. 

Para Ana Fioratti, da Advantage, cabe ao varejo e à indústria entender em quais oportunidades é possível ganhar mais sem prejudicar a cadeia de consumo como um todo. Alguns podem sair perdendo – mas provavelmente serão aqueles que não fazem seu trabalho corretamente. “Não dá para ter um relacionamento colaborativo com todos os varejistas ou com todas as indústrias. É preciso fazer escolhas que valorizem o negócio, privilegiando parceiros que entreguem o que se precisa, seja valor, qualidade ou margens melhores.” 

O varejo deve entender como a marca própria vai agregar para a categoria como um todo. Criar uma linha própria só como ferramenta de negociação pode ser um tiro no pé. Além disso, o desenvolvimento de marcas exige um longo processo de definição de posicionamento, controle de qualidade, comunicação com o consumidor, etc. Já no caso da venda direta ao consumidor pela indústria, a grande complicação acontece quando a política de preços por canais não está clara nem para a própria empresa. Isso gera insatisfação no varejista que privilegia determinada marca, mas vê que ela está mais barata em outros canais” - Ana Fioratti, Diretora do Advantage Group
 

Venda Direta: mais  dados sobre o consumidor

A empreitada da indústria na venda direta é repleta de exemplos. A Nestlé comprou a rede Starbucks para comercializar produtos da marca Nespresso , além de já vender as cápsulas de seu café diretamente ao consumidor. A gigante JBS , que sempre foi focada no varejo e em restaurantes, investe em lojas da marca Swift para atender diretamente as pessoas. A Bauducco tem unidades conceito e muitas outras indústrias, de vários segmentos, vendem seus produtos por meio da internet. Procurados por SA Varejo, os fabricantes preferiram não falar sobre o assunto ou não conseguiram retornar até o fechamento da edição. Mas, afinal, o que está por trás dessa estratégia? 


Açougue SWIFT
 

Em entrevista à SA Varejo de maio/2019, a JBS, dona da marca, explicou que as lojas ajudam a entender melhor a categoria de carnes, fazer testes e medir resultados para implementar projetos no varejo.
 

“Todos buscam dados do consumidor. O que se deseja hoje é saber o que faz alguém comprar e de que forma”, explica Fábio Fialho, Chief Strategy Sale Officer (CSSO) da Synapcom , que oferece soluções para e-commerce. Para ele, os varejistas têm melhor visão sobre os hábitos das pessoas e o que elas buscam. Por isso, é possível continuar atraindo o consumidor ao oferecer experiência, testes e produtos alinhados ao perfil do cliente. 

Outro especialista, Helton Arsênio, gerente da PwC Brasil , reforça que indústria e varejo precisam um do outro para complementar seus negócios. “É difícil imaginar que as indústrias vão conseguir a capilaridade do supermercado, principalmente em lugares fora dos grandes centros. Além disso, criar uma rede de lojas ou mesmo uma rede de distribuição com o e-commerce é custoso e elimina os ganhos financeiros da venda direta”, acredita. 

Para ele, o consumidor aceita comprar direto da indústria bens de maior valor, como celulares e carros. Mas acha improvável que ele percorra vários sites para adquirir um item de baixo custo em cada um. “O marketplace, o e-commerce do varejo e as lojas físicas continuarão atendendo a maior parte do volume dessa compra”, avalia o gerente da PwC. Quem concorda é Paulo Ferezin, sócio-diretor para varejo da KPMG . Ele afirma que as pessoas têm hoje mais meios para escolher itens de maior valor agregado ao menor preço. “A busca é feita em clics”, conclui. 


Vendas Online em sites de fabricantes

 
Pesquisa aponta o perfil de compra e quanto movimentam os sites da indústria*
  • 45% das pessoas compram eletros
  • 16% itens de perfumaria e cosméticos
  • 14% de moda & acessórios
  • 10% alimentos e bebidas
  • 15% outros
2,5 bilhões de reais quanto movimentou a venda online em sites de fabricantes em 2018
20% crescimento da receita em relação ao ano anterior
43% taxa de aumento no número de pedidos nesses sites
-16% queda no tíquete médio, o que indica a entrada de mais fabricantes no e-commerce ao consumidor 

Fonte: Ebit/Nielsen * todos os segmentos, inclusive bens duráveis 

Marca própria: fidelização e massa de margem


Fidelizar o consumidor é o sonho de qualquer loja, certo? Imagine ter seu próprio produto como o preferido do cliente, ganhando mais a cada venda. É isso que tem motivado os supermercados a investir mais nas marcas próprias. Apesar de não serem novidade, elas vêm mudando seu perfil: não são criadas apenas como uma opção de preço baixo, mas, sim, para dar uma alternativa de qualidade aos rótulos mais conhecidos do mercado. “O preço é o diferencial, mas o shopper evoluiu e se preocupa também com a qualidade. Ele quer ver que aquele produto de marca própria do supermercado custa menos e ao mesmo tempo entrega uma qualidade semelhante à do mais caro”, destaca Marco Quintarelli, consultor especializado em marcas próprias. 

Até por essa preocupação, não é mais tão simples lançar um produto próprio. A seleção de fornecedor, o controle de qualidade e a finalização do produto tomam bastante tempo do varejista, segundo outro especialista, Antônio Sá, da Amicci. “Todos querem entrar nesse negócio, mas são as grandes redes que lideram o esforço. O varejo assume o papel de indústria, e poucos têm condições de fazer isso se dedicando de forma adequada ao desenvolvimento do produto”, aponta.

De fato, gigantes como Carrefour e GPA têm apostado forte na estratégia. Em ambas, a participação está em 12% das vendas totais, e as marcas próprias são posicionadas com preço em torno de 30% inferior ao das líderes. As duas redes afirmam que não tiram espaço das marcas mais vendidas para posicionar as suas próprias. O Carrefour diz que apenas em alguns casos retira marcas de pouca relevância, enquanto o GPA privilegia ilhas e espaços extras de exposição para seus produtos. 

E, embora a rentabilidade seja maior com as marcas próprias, o que mais move os investimentos das redes é a fidelização do shopper. “Mais do que a rentabilidade na categoria, visamos à massa de margem, que melhora conforme o cliente volta mais vezes à nossa loja e compra nossos produtos”, explica Allan Gate, diretor comercial de marcas próprias do Carrefour.
 
GPA Sortimento de marcas exclusivas gira em torno de 4 mil itens. Entre elas estão Casino e Taeq
 
GPA


Variedades de marcas exclusivas

O GPA se destaca por contar com várias marcas exclusivas – Casino, Taeq, Qualitá, Finlandek e Club des Sommeliers. A boa relação custo-benefício, que os produtos buscam oferecer, se deve sobretudo à negociação comercial em grande volume. É o que afirma Wilhelm Kauth, diretor de marcas exclusivas da empresa. “Também há a redução de alguns custos em relação às marcas da indústria, como logística e marketing, que são eliminados em um processo de marca própria”, lembra. 

12% participação das marcas próprias nas vendas do Multivarejo (divisão que engloba as bandeiras Extra e Pão de Açúcar) 

4 mil itens total de SKUs de marca própria 

 
Carrefour


Qualidade semelhante a de líder
 
Na companhia, todo o desenvolvimento de produto (que leva de seis a oito meses) tem como objetivo se assemelhar à líder da categoria, afirma Allan Gate, diretor comercial de marca própria. “Ficamos com um preço de 20% a 30% abaixo da primeira colocada, mas miramos qualidade parecida”, conta. Além disso, o Carrefour observa algumas tendências de consumo em seus produtos, fazendo, por exemplo, um molho de tomate com menos sódio e açúcar para aqueles consumidores que se preocupam com a saudabilidade. 

30% taxa anual de crescimento de vendas
20% previsão de participação das marcas próprias de alimentos e bebidas até 2022 – hoje está em 12% 

3 mil itens total de itens de marca própria 


 https://www.savarejo.com.br/detalhe/negocios/varejo-e-industria-invertem-negocios-bom-ou-ruim-para-a-relacao-colaborativa
 

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