Por Mauricio Oscar Bandeira Maia e Isabel Jardim
As
soluções negociadas têm sido muito estimuladas em diversas searas em
nosso país, especialmente no Poder Judiciário, com o propósito de
desafogar os tribunais, sempre assoberbados de processos e litígios,
ante o seu potencial de redução dos custos processuais e da pacificação
da lide entre as partes. Não obstante, a evolução dessas soluções ainda é
lenta e pouco expressiva naquele Poder.
No
âmbito do direito concorrencial, o Cade (Conselho Administrativo de
Defesa Econômica) tem sido um precursor no uso desse mecanismo,
utilizando-o como ferramenta poderosa para a implementação de uma
política concorrencial reconhecidamente exitosa.
Um
dos principais instrumentos de composição utilizado pelo Cade é o Termo
de Compromisso de Cessação (TCC), o qual consiste em um acordo firmado
entre a Autoridade da Concorrência e as empresas ou pessoas físicas
investigadas por infrações à ordem econômica, por meio do qual os
signatários se comprometem a cessar as práticas ainda em apuração,
dentre outras obrigações possíveis.
Já
em casos de TCCs celebrados em investigações de cartel, os signatários
também assumem o compromisso obrigatório de recolherem ao Fundo de
Defesa dos Direitos Difusos uma contribuição pecuniária, cuja base de
cálculo é o valor da multa esperada caso fossem condenados, com a
incidência de um desconto concedido segundo critérios objetivos
estabelecidos no Regimento Interno[3] e no Guia de TCCs do Cade[4].
Nesse
contexto, o TCC assume papel de grande importância para a política de
defesa da concorrência no Brasil, pois se tornou um dos principais
instrumentos do Cade para o cumprimento de sua função repressiva, no que
se refere ao controle de condutas.
Embora
o primeiro TCC tenha sido firmado pelo Cade em 1995, somente a partir
de 2013 — após, portanto, a entrada em vigor da Lei nº 12.529/2011 — é
que houve um aumento significativo no número de acordos dessa natureza
celebrados pela autarquia[5].
Segundo Saito (2021), 349 TCCs foram celebrados entre 2012 e 2019,
enquanto na vigência da lei anterior, Lei nº 8.884/1994, foram
celebrados apenas 38 ajustes semelhantes.
O
sucesso do programa de TCC parece se justificar pelo fato de que o
instituto gera diversos benefícios, tanto para os administrados quanto
para a Administração Pública. Para a última, o TCC é utilizado com
vistas a coibir a conduta anticompetitiva sob investigação, permitindo a
aplicação imediata da política antitruste e a cessação do ilícito, sem a
necessidade de se esperar a finalização do processo administrativo, o
que pode demorar muitos anos. Além disso, os TCCs também podem funcionar
como meio para obtenção de provas sobre as condutas investigadas[6].
No
que diz respeito aos administrados, a celebração de TCC garante que o
processo administrativo ficará suspenso enquanto estiver sendo cumprido o
compromisso e será arquivado ao término do prazo fixado, se atendidas
todas as condições estabelecidas no termo, consoante o artigo 85, § 9º,
da Lei nº 12.529/2011. Outrossim, os signatários de TCC também obtêm
redução do valor da multa a qual seriam obrigados a pagar em caso de
eventual condenação ao final do processo administrativo.
A
negociação do termo de compromisso pode ocorrer perante a
Superintendência-Geral (SG/Cade) ou perante o tribunal, a depender da
fase em que se encontrar a investigação[7].
De
seu turno, a decisão sobre as condições do acordo e sobre a homologação
de sua proposta ocorrerá de acordo com o juízo de conveniência e
oportunidade do Cade, a depender das circunstâncias do caso concreto. A
homologação das propostas, no entanto, deverá acontecer apenas quando o
Termo proposto atender aos interesses protegidos pela Lei de Defesa da
Concorrência e aos seus requisitos.
Como
se nota, trata-se de ato discricionário da Administração Pública,
sujeito aos critérios de conveniência e oportunidade, porém sem margem
para confundi-lo como ato arbitrário ou de mera voluntariedade do ente
público.
Os requisitos mínimos para a
celebração de TCC estão previstos no art. 85 da Lei nº 12.529/2011 e nos
artigos 179 e seguintes do Regimento Interno do Cade, quais sejam, a)
compromisso, por parte do representado, de não praticar a conduta
investigada; b) fixação do valor da multa para o caso de descumprimento,
total ou parcial, das obrigações compromissadas; c) obrigações que o
Cade julgar cabíveis para alcançar a finalidade específica do TCC a ser
firmado e, apenas para casos de condutas coordenadas, d) fixação do
valor da contribuição pecuniária ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos.
Nos
casos que investigam acordo, combinação, manipulação ou ajuste entre
concorrentes e a negociação ocorrer perante a SG/Cade, também será
exigida a colaboração do signatário com a instrução processual como
requisito para celebração do TCC, elemento esse que tem sido bastante
útil para diversas investigações de cartel.
Conforme
mencionado acima, embora esses requisitos sejam obrigatórios, a
definição dos seus parâmetros ocorrerá a juízo de conveniência e
oportunidade da autoridade antitruste, a depender das circunstâncias de
cada caso. Conquanto o Regimento Interno do Cade determine limites à
discricionariedade na definição de alguns desses parâmetros, como o faz,
por exemplo, ao definir as faixas mínimas e máximas de descontos a
serem concedidos sobre o valor da contribuição pecuniária a depender da
ordem de apresentação dos requerimentos de TCC e do órgão responsável
pela negociação, outros requisitos, a exemplo da fixação do valor da
multa para o caso de descumprimento de obrigações compromissadas carecem
de definição objetiva sobre seus limites.
Como
consequência disso, os requisitos deixados em aberto variam
substancialmente conforme o caso. No estudo intitulado "TCC na Lei nº
12.529/11", publicado pelo Cade em 2021, foi identificada grande
disparidade nos valores das multas por descumprimento total das
obrigações firmadas no âmbito dos TCCs. Também foram obtidos resultados
díspares "para os percentuais de comparação entre as contribuições
pecuniárias e as multas por descumprimento total", que variaram de
1.500% até o mínimo de 0,10% (SAITO, 2021, p. 63)[8].
Também
é possível notar, com relação a parâmetros que, à primeira vista,
pareceriam mais objetivos, como a contribuição pecuniária dos TCCs,
pouca previsibilidade na sua definição. Sobre este ponto, o estudo
supramencionado identificou que na definição da base de cálculo material
para as contribuições pecuniárias de TCCs apenas 38 requerimentos, num
universo de 349, seguiram os termos da Lei nº 12.529/2011. Por outro
lado, "diferentemente da base de cálculo material, a temporal parece ter
maior padronização" (SAITO, 2021, p. 35).
Levando-se
em conta que a contribuição pecuniária é apurada com base na "multa
esperada" em caso de condenação, as inovações hoje vistas na forma de
cálculo das multas aplicadas nos processos administrativos, defendidas
por alguns membros do Tribunal, possuem o condão de tornar ainda mais
difícil a previsibilidade desse cálculo, especialmente pela falta de
critérios mais objetivos sobre sua metodologia e também ante a
possibilidade de se ultrapassar o limite máximo de 20% previsto na lei.
Por
um lado, a discricionariedade na definição dos parâmetros que regem as
obrigações de um TCC permite à autoridade uma melhor adequação aos
interesses perseguidos em cada investigação[9],
bem como permite o balizamento dos benefícios concedidos aos
signatários conforme a utilidade da sua colaboração. Ao mesmo tempo,
isso também oportuniza ao signatário mais espaço para negociar as
obrigações compromissadas de forma a atingir condições mais aderentes
aos seus interesses e capacidades.
Em
sentido oposto, a disparidade na definição destes parâmetros pode gerar
insegurança aos administrados, os quais encontram dificuldades ao tentar
prever minimamente as condições necessárias para o sucesso na
celebração de um acordo com o Cade.
Levando-se
em conta a importância do TCC como meio pelo qual a autoridade
frequentemente alcança diversos benefícios, como a já citada
possibilidade de aplicação imediata da lei antitruste, a cessação da
conduta competitiva, além da possível colaboração com a investigação e o
menor dispêndio de recursos financeiros e humanos por parte da
Administração Pública, parece-nos indispensável que o Cade continue
adotando uma postura incentivadora à celebração deste tipo de acordo.
Segundo a OCDE[10],
a clareza e a certeza são características fundamentais para um programa
de leniência efetivo, o que também se aplica ao programa de TCC do
Cade. A previsibilidade, igualmente, também se revela essencial para
este fim.
Cumpre destacar que o Cade vem
demonstrando esforços para garantir maior segurança jurídica aos
administrados interessados na celebração de TCCs, o que se verifica, por
exemplo, pelas publicações do Guia Termo de Compromisso de Cessação
para casos de cartel e do documento de Trabalho "TCC na Lei
12.529/2011".
No entanto, para se
atingir o intuito destas publicações, as quais buscaram consolidar e
orientar as práticas e procedimentos usualmente empregados pelo Cade na
celebração de TCCs com vistas a garantir maior previsibilidade e
segurança jurídica ao programa[11], somente serão concretizados se houver, de fato, a aplicação destas diretrizes pelos membros do Conselho.
Por
óbvio, não se pretende, aqui, defender que a jurisprudência do Cade ou
de outros tribunais deva permanecer inalterada de forma irrestrita e
vitalícia, ao contrário, reconhece-se que as mudanças são vitais para
que seja possível para o Direito tentar acompanhar as constantes
novidades que sempre surgem nas variadas estruturas da sociedade.
Busca-se, na realidade, propor que essas mudanças sejam feitas com
cautela e reflexão, levando em conta seus efeitos na política de defesa
da concorrência como um todo, e não apenas seus efeitos em cada caso de
maneira isolada.
[6] ZARZUR, Cristiane; GARRIDO, Marcos; SILVA, Leda. Admissão de culpa em TCC não configura reincidência.
2013. Disponível em: <
https://www.conjur.com.br/2013-mar-26/admissao-culpa-tcc-nao-configura-reincidencia
>. Acesso em: 5 fev. 2022.
[7] Art. 179, do Regimento Interno do Cade.