Recentemente, foi publicado no Diário da República o Decreto-Lei nº 26/2022,
de 18 de março, que procede à quarta alteração ao Regulamento da
Nacionalidade Portuguesa. As novas regras e procedimentos entraram em
vigor no dia 15 de abril.
A regulamentação prevista para ter acontecido num prazo de 90 dias, desde a publicação da nona alteração da Lei da Nacionalidade Portuguesa,
em 10 de novembro de 2020, foi finalmente aprovada e agora devidamente
atualizada possibilitará a efetiva aplicação das últimas mudanças
introduzidas à Lei da Nacionalidade, bem como uma maior compatibilização
com o disposto em outros diplomas do ordenamento jurídico português,
tal como o regime do maior acompanhado.
No
diploma regulamentaram-se matérias como a clarificação dos requisitos
para a atribuição da nacionalidade originária aos netos de portugueses, a
ratificação da aplicação dos efeitos retroativos para os nascidos em
território português, filhos de estrangeiros residentes há no mínimo um
ano em Portugal e que nasceram após a Lei da Nacionalidade de 1981, e
também à aquisição da nacionalidade por adoção.
Para
além disso, houve alguns aditamentos nas modalidades de aquisição da
nacionalidade por efeito da naturalização. Neste âmbito, destaque para a
previsão expressa no texto legal dos requisitos gerais para conceder a
nacionalidade portuguesa por naturalização à crianças e jovens menores
acolhidos em instituições, à naturalização de estrangeiros nascidos em
Portugal, aos estrangeiros ascendentes de cidadãos portugueses
originários e de estrangeiros que não conservaram a nacionalidade
portuguesa por residirem em Portugal há menos de cinco anos em 25 de
abril de 1974 e dos seus filhos nascidos em território português,
demandas essas que careciam há tempos de regulamentação.
Boas
inovações também no que diz respeito à possibilidade de tramitação
eletrônica dos processos de nacionalidade, a apensação de processos, a
dispensa de traduções de documentos escritos em espanhol, inglês e
francês, e outros importantes acréscimos no regime de oposição à
aquisição, nulidade e consolidação da nacionalidade portuguesa.
Por
último, mas não menos importante, as tão comentadas modificações nas
condições para concessão da nacionalidade portuguesa aos descendentes de
judeus sefarditas que também foram regulamentadas pelo governo e que
acabaram por tornar o acesso a esta modalidade mais restrita, dada às
polêmicas exigências de comprovações adicionais de ligação à comunidade
portuguesa.
Vejamos
então, as principais novidades introduzidas e como o novo regulamento
afeta na prática alguns dos principais pedidos de nacionalidade
portuguesa.
Atribuição da nacionalidade para netos de portugueses
Ocorrida em novembro de 2020
na Lei da Nacionalidade Portuguesa, a modificação beneficiou
principalmente os netos de cidadãos portugueses originários. Isto porque
antes da mencionada alteração era indispensável, dentre outros
requisitos, a comprovação de laços de efetiva ligação à comunidade
portuguesa para a concessão da nacionalidade, laços esses de caráter
subjetivo e circunstanciais, que envolviam desde deslocamentos regulares
a Portugal por parte do requerente, até mesmo em alguns casos ter
residência legal ou propriedades em Portugal.
Atualmente,
a demonstração desses vínculos se dá por meio de critérios objetivos,
em que a existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional é
aferida pelo conhecimento suficiente da língua portuguesa, sendo essa
presumida nos casos de requerentes oriundos de países de língua oficial
portuguesa, além da não condenação a pena de prisão igual ou superior a
três anos, com trânsito em julgado da sentença, por crime punível
segundo a lei portuguesa, e da não existência de perigo ou ameaça para a
segurança ou a defesa nacional, pelo envolvimento em atividades
relacionadas com a prática de terrorismo, nos termos da respectiva lei.
Assim, para aqueles que são nacionais de países de língua oficial
portuguesa, como é o caso dos brasileiros, presume-se existir essa
ligação.
Então o que mudou com o novo regulamento?
Qual a sua importância?
Muito embora a Conservatória
dos Registros Centrais já estivesse admitindo, desde a entrada em vigor
da nona alteração à Lei da Nacionalidade, os novos critérios para
atribuição da nacionalidade a netos de nacional português, agora, com a
regulamentação na sua redação atual, deixa de ser obrigatório que a
declaração esteja instruída com documentos que atestem a residência
legal do requerente ou sua deslocação regular a Portugal, títulos de
propriedades no país ou, ainda, certificados de ligação a uma comunidade
histórica portuguesa no estrangeiro, entre outros, que antes serviam
para comprovar vínculos.
Do
ponto de vista legal, o novo regulamento, portanto, revoga as alíneas
c) do nº 1 e e) do nº 3, e ainda os números 5, 6, 7, 8 e 9, todos do
artigo 10-A, simplificando o procedimento nos requerimentos para a
nacionalidade aos netos de portugueses.
Descendentes de judeus sefarditas
Alegria para alguns, para
outros nem tanto. No que tange a naturalização de descendentes de judeus
sefarditas, o novo regulamento estabelece como sendo um requisito
essencial a apresentação de fatos e documentos que demonstrem uma
ligação efetiva e duradoura com Portugal para aquisição da
nacionalidade.
A "descendência direta ou relação familiar" de um judeu sefardita terá de ser provada por "documento autenticado, emitido por comunidade judaica com tradição a que o interessado pertença" para atestar, "de modo fundamentado" que o requerente usa "expressões em português em ritos judaicos ou, como língua falada por si no seio dessa comunidade, do ladino", língua falada pelas comunidades sefarditas da península ibérica.
Para
este efeito, deverá o requerimento da nacionalidade ser instruído
também com uma uma Certidão ou outro documento comprovativo:
1)
Da titularidade, transmitida mortis causa, de direitos reais sobre
imóveis sitos em Portugal, de outros direitos pessoais de gozo ou de
participações sociais em sociedades comerciais ou cooperativas sediadas
em Portugal; ou
2) De deslocações regulares ao longo da vida do requerente a Portugal.
Depreende-se do texto legal que os direitos mencionados no ponto 1) devem ter sido adquiridos pelo requerente a título mortis causa,
ou seja, por herança. Em outras palavras, significa dizer que a compra
de um bem, por exemplo, não será capaz de satisfazer este requisito.
Já em relação ao ponto 2),
trata-se data máxima vênia de um verdadeiro retrocesso na lei, já que
traz de volta um conceito jurídico genérico e indeterminado e, como tal,
sujeito a interpretação e discricionariedade por parte das
Conservatórias.
Dada
a subjetividade, muitas dúvidas surgem em relação ao referido
dispositivo da norma acrescentado pela alteração, sobretudo quanto à
própria constitucionalidade de tais requisitos. Sobre o tema, vale a
leitura do esclarecedor artigo
do ilustre colega Alex Guedes dos Anjos, o qual retrata bem o
tratamento desigual que a mesma Lei confere para a mesma finalidade,
qual seja a comprovação de efetiva ligação à comunidade nacional.
Certamente,
essas novas exigências restringirão substancialmente o acesso à este
tipo de aquisição atendendo, de certa forma, a um clamor popular para
resolver uma questão política, nascida e criada com a notícia da
concessão da nacionalidade portuguesa a Roman Abramovich e, por outro
lado, criando controvérsias ao próprio objetivo da norma de permitir o
exercício do direito ao retorno dos descendentes judeus sefarditas.
Ressalta-se
que o Decreto-Lei determina que as novas regras para concessão da
nacionalidade aos descendentes de judeus sefarditas, somente entrará em
vigor no primeiro dia do sexto mês seguinte ao da sua publicação.
Portanto, no que respeita à nacionalidade por origem sefardita, tais
regras passarão a valer a partir de 1 de Setembro de 2022.
Tramitação eletrônica mais abrangente
Consoante descrito no
próprio preâmbulo do decreto lei, aproveita-se ainda esta alteração para
adaptar o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa de forma a
possibilitar uma tramitação integralmente eletrônica dos procedimentos
da nacionalidade, o que considera-se um avanço.
No que tange à tramitação eletrônica dos procedimentos de nacionalidade, refere o texto:
"No
que respeita, em particular, à tramitação eletrónica dos procedimentos
de nacionalidade, prevê-se que advogados e solicitadores pratiquem os
atos em causa obrigatoriamente por via eletrónica e sejam notificados
por essa mesma via, sendo facultativo para os requerentes não
representados por estes profissionais o recurso à via eletrónica. Também
as comunicações entre a Conservatória dos Registos Centrais e outros
serviços ou entidades passam a efetuar-se, sempre que possível, por via
eletrónica. Ao mesmo tempo, permite-se a consulta dos procedimentos por
via eletrónica, quer pelos respetivos requerentes quer pelos advogados e
solicitadores que os representem."
Contudo,
segundo a Conservatória dos Registos Centrais, não há uma previsão de
quando ocorrerá a implementação da plataforma informática para
tramitação eletrônica dos processos, expectando que possa ocorrer de
forma gradual ainda este ano.
Apensamento de processos e outras melhorias
Outra importante e muito
aguardada novidade no Regulamento, foi a inclusão da possibilidade de
processos de requerentes da mesma família passarem a tramitar em
simultâneo, possibilitando inclusive o aproveitamento de documentos
comuns, atos e diligências já praticados.
Com efeito, tal previsão encontra-se no artigo 40-A do novo Regulamento, o qual determina que "quando
sejam apresentados no mesmo dia declarações ou requerimentos que deem
início a processos para fins de nacionalidade por declarantes ou
requerentes ligados entre si pelo casamento ou união de facto, pela
adoção ou por parentesco até ao terceiro grau, em linha reta ou
colateral, os respetivos processos podem ser apensados, a requerimento
de qualquer um dos declarantes ou requerentes, de forma a permitir o
aproveitamento de atos, diligências e documentos comuns".
Vale
destacar ainda a inclusão dos artigos 30-A, B e C, que melhor legislam
acerca das nulidades e consolidação da nacionalidade portuguesa que
passam também a ser averbados ao respectivo assento de nascimento.
Segundo essas regras, a nacionalidade que não esteja consolidada e tenha
sido obtida com fundamento em documentos falsos ou certificativos de
fatos inverídicos ou inexistentes, ou ainda falsas declarações, podem
ser anuladas.
Conclusão
Conclui-se que a
harmonização deste conjunto de novas regras e procedimentos em grande
medida acabam por facilitar a execução da Lei da Nacionalidade, bem como
traz maior transparência na tramitação dos processos e, por fim,
parafraseando o ilustre dr. Paulo Porto, é inegável que as alterações
trazidas ao Regulamento da Nacionalidade agregam incontornáveis ganhos
com a desburocratização dos processos, trazendo mais celeridade e
segurança jurídica, com exceção aos descendentes de judeus sefarditas
que terão até setembro para valer-se dos requisitos anteriores.
https://www.conjur.com.br/2022-abr-26/opiniao-novas-regras-obtencao-nacionalidade-portuguesa