Antes de Jair
Bolsonaro ser condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelos
ataques às urnas eletrônicas em reunião com embaixadores, aliados do
ex-presidente lançaram uma estratégia uníssona na Corte na esperança de
livrar o ex-chefe do Executivo da inelegibilidade. Militares e políticos
ligados diretamente a Bolsonaro tentaram, em depoimentos no TSE,
minimizar a conduta do ex-presidente, sustentando, por exemplo, que suas
declarações contra as urnas eram “hipóteses”, não “afirmações”.
Eles ainda tentaram ligar as falas de Bolsonaro a sua
“simplicidade de linguagem”. Disseram que a transmissão do evento com
diplomatas pela TV Brasil visava à “transparência”. Alegaram que os
efeitos da reunião foram “superestimados”. E evocaram “falta de
intenção” do ex-presidente. Mas nada disso convenceu a Corte.
As alegações constam nos termos de oitiva tornados públicos
pelo TSE após o julgamento que alijou Bolsonaro das eleições até 2030.
Foram divulgados depoimentos do ex-ministro da Justiça e delegado da
Polícia Federal Anderson Torres, do ex-chefe da Casa Civil e senador
Ciro Nogueira (PP-PI) e do deputado Filipe Barros (PL-PR). Os relatos do
almirante Flávio Augusto Viana Rocha, ex-secretário de Assuntos
Estratégicos da Presidência, e do ex-deputado major Vitor Hugo (PL-GO)
também foram detalhados.
Todos prestaram depoimento na Ação de Investigação Judicial
Eleitoral conduzida pelo corregedor-geral do TSE, ministro Benedito
Gonçalves. O ex-presidente foi declarado inelegível no último dia 30,
para decepção de Bolsonaro e seus seguidores. Leia abaixo trechos dos
depoimentos, que, agora, podem ser usados em outras investigações que
envolvem o ex-presidente:
FELIPE BARROS
As perguntas dirigidas a Filipe Barros ficaram centradas na
live em que o presidente usou inquérito da PF para alegar suposta fraude
nas urnas eletrônicas. Tanto Filipe Barros como Bolsonaro foram
investigados pela divulgação do caso, que acabou arquivado. Sobre o
sigilo do inquérito, Barros sustentou que norma da Câmara diz que todos
os documentos recebidos pelo Parlamento têm de ser tornados públicos, a
não ser que tenha pedido para colocação de sigilo.
O deputado ainda sustentou que “jamais disse que
teria havido fraude nas urnas”. Ele citou a “simplicidade de linguagem
típica’ de Bolsonaro” e disse que o ex-chefe “aventa uma hipótese” sobre
fraude as urnas, mas “não afirma que houve uma fraude”. “Todas as
falas… Eu, depois, me atentei, para ler a transcrição da live inteira e,
em nenhum momento, nem eu nem o presidente Bolsonaro afirmamos
categoricamente que havia fraude.”
Na live, Barros disse: “O hacker teve acesso a todo o
código-fonte da urna, com a possibilidade até de alterar. O quê? Qual a
consequência disso? Alterar o código-fonte, você faz programações. Por
exemplo, bota 1, aparece o 13; bota 17, cai o voto nulo”. Ao TSE, ele
disse que tratava de “mera possibilidade”.
MAJOR VITOR HUGO
Outro participante da live em que Bolsonaro usou o inquérito
da PF para atacar as urnas, o ex-deputado major Vitor Hugo disse que, em
nenhum momento, “percebeu na fala do então presidente um ataque às
instituições democráticas”. “Eu sempre percebia no presidente, e ele,
lógico como políticos que chegam nos cargos mais relevantes, tem uma
maneira própria e peculiar de se referir, de falar, de conquistar o
apoio da população ou da parte da população que lhe apoia, de manter
esse apoio, mas em nenhum momento eu vi, eu senti no presidente a
intenção de atacar as instituições.”
CIRO NOGUEIRA
Indagado se houve alguma dúvida de embaixadores estrangeiros
sobre o funcionamento das urnas ou sobre a Justiça Eleitoral, o
ex-ministro Ciro Nogueira respondeu: “Não”. Nogueira disse que o
encontro “foi uma reunião bem tranquila” e seus efeitos,
“superestimados”. “As pessoas que foram convidadas não eram eleitoras em
nosso País, então, não teriam influência na questão eleitoral no
Brasil.” Para ele, Bolsonaro só manifestou dúvidas sobre o sistema
eleitoral, sem “promoção pessoal” ou “ganho eleitoral”. Mas avaliou que a
reunião “poderia ter sido evitada”.
FLÁVIO ROCHA. O almirante Flávio Rocha foi questionado sobre a
organização da reunião com diplomatas. Disse não ter sido consultado
sobre o teor do discurso do ex-chefe e que a transmissão pela TV Brasil
ocorreu para “dar transparência” ao evento.
ANDERSON TORRES
O ex-ministro Anderson Torres estava preso quando prestou
depoimento ao TSE. Torres tentou desvincular Bolsonaro da “minuta de
golpe” apreendida em sua casa. Disse que não levou o documento, nem
comentou sobre o teor dele com o ex-presidente. E sustentou que “nem
lembrava” da minuta, achada sob um porta-retrato com uma foto sua ao
lado da mulher.
Segundo Torres, após a derrota nas urnas, Bolsonaro “entrou em
um processo introspectivo”. “Ele ficou bastante isolado, fazendo esse
tratamento. Acho que passando por um processo ali até de, eu diria, de
aceitação do processo, de recuperação dessa doença.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.