Cassiana Fernandez, economista-chefe do banco para Brasil e América Latina, conversou com exclusividade com a IstoÉ Dinheiro
A
Selic não deve trazer novidades até o final de 2025. Assim avalia a
economista-chefe do JP Morgan, Cassiana Fernandez sobre a taxa básica de
juros, que, em suas projeções, deve ficar em 10,50% até o final do
próximo ano. Isso porque, o próprio BC indicou no comunicado da mais
recente reunião do Copom que, “em cenário alternativo, no qual a taxa
Selic é mantida constante ao longo do horizonte relevante, as projeções
de inflação situam-se em 4,0% para 2024 e 3,1% para 2025”.
O
que deve continuar mexendo no cenário econômico brasileiro, para ela, é
como o governo vai fazer essa “passagem” entre uma situação avaliada
por ela como positiva – “os fundamentos da economia brasileira estão
bastante sólidos”- para um crescimento do PIB, redução de gastos,
redução da dívida pública e a forma de distribuição desse crescimento no
país.
Cassiana afirma que o país começou o ano com um momento
bastante construtivo para a economia. Com a inflação na meta, com espaço
para o BC cortar juros, e com as contas externas muito sólidas. Mas, de
abril para cá, alguns eventos importantes ocorreram, que levaram a uma
reversão do cenário de 2023.
“Não
foi um ator específico, foi uma combinação de todas as coisas
acontecendo em sequência em pouco espaço de tempo. Dois meses muito
quentes”.
Primeiro, houve uma mudança no cenário externo; o Fed
[banco central dos EUA] ia começar a cortar juros em março, mas depois
chegou a cogitar um movimento até de alta.
Teve
a intervenção direta na Petrobras, como foi comunicada a distribuição
de dividendos, a mudança da meta de 2025 – “a equipe econômica
surpreendeu e conseguiu manter a meta de 24”.
E aí a decisão
dividida do Copom. “Isso foi um agente relevante para o mercado, porque
colocou em dúvida a condução da política monetária, até pela forma como
tudo foi comunicado; isso em um cenário externo mais difícil,
principalmente de 2024-2025 para frente. Acabou levando a uma
depreciação da moeda, então coloca em dúvida sobre a dinâmica da
inflação”, diz.
E,
o outro evento relevante, as enchentes no Rio Grande do Sul. “Um estado
responsável por 15% da nossa produção agrícola, [há a expectativa]
sobre o que vai acontecer com os preços das commodities, qual vai ser o
impacto em atividade econômica e em relação à demanda do aumento dos
gastos públicos – o que é justificável”.
E no aumento de gastos
que pairam as expectativas sobre o Brasil. “Em alguma coisa vai ter que
ceder, pois, cumprindo as regras atuais, seguindo essa dinâmica que
estamos vendo [de aumento de gastos], vai precisar cortar outros gastos e
começa a ficar preocupante, até o curto prazo.”
Confira a seguir os principais pontos da entrevista:
No balanço entre os dados econômicos, e as expectativas e incertezas do mercado, como avalia a economia brasileira hoje?
Os
fundamentos da economia brasileira estão bastante sólidos. O
crescimento econômico, o mercado de trabalho bastante sólido, a dinâmica
da inflação favorável… o próprio BC fala isso, e, principalmente, a
dinâmica das contas externas. Então, os números são bastante sólidos.
Até o endividamento das famílias chegou a cair.
Pelos fundamentos
da economia, pelo menos até agora, não justifica essa piora na
performance do desempenho dos ativos brasileiros.
Quando
olhamos o horizonte de investimentos, e quando olhamos médio prazo,
também tem muitas oportunidades [para o Brasil], não só a discussão
geopolítica, a segurança energética, alimentar, o potencial do Brasil na
produção de commodities, tanto em energia, como agricultura, discussão
de transição enérgica… há um potencial enorme de investimentos. E
olhando o balanço setor privado, os balanços das empresas privadas, não
estão tão alavancadas. Ainda é um cenário bastante sólido. Mas ainda
temos problemas.
Primeiro, a dívida
pública, ainda muito alta. Depois, o crescimento potencial, se haverá,
e, então, a distribuição desse crescimento como será.
Temos que
analisar a situação como estará em 1-2-3 anos. O problema é essa
travessia, se vamos conseguir entregar todo esse potencial, desses
investimentos, se vamos materializar isso. E daí a dinâmica no curto e
médio prazo para frente começa a chamar a atenção.
O mercado
começa a ver uma piora muito grande em relação à percepção da condução
da política econômica como um todo, e qual é a sustentabilidade desse
cenário que hoje é construtivo. A piora foi principalmente no campo das
expectativas.
Mas, por outro lado, tem a questão fiscal, que dá o contrapeso negativo…
Do
ponto fiscal, o que incomoda, é que o crescimento real, mesmo que os
números fiscais acabaram surpreendendo positivamente, mas foi mais do
lado da receita, por mais que o país tenha distorções em relação à
arrecadação. O que incomoda é que os gastos, principalmente os
mandatórios, que para mudar, precisam de emenda constitucional, que
estão crescendo a um ritmo mais forte, gastos com Previdência, Educação e
Saúde.
E o que fazer diante desse desafio de impulsionar crescimento, ao mesmo tempo cortar gastos e cumprir com as metas fiscais?
Em
alguma coisa vai ter que ceder, pois, cumprindo as regras atuais,
seguindo essa dinâmica que estamos vendo [de aumento de gastos], vai
precisar cortar outros gastos e começa a ficar preocupante, até o curto
prazo.
Por exemplo, a ajuda ao Rio Grande do Sul. Ninguém vai
questionar essa ajuda, esse ‘aumento de gastos’. Mas o ponto é saber que
em momento de bonança, tem que deixar espaço para as adversidades, ter
espaço para política fiscal no contraciclo.
O que deixa os
economistas mais preocupados, é que quando está bem, quando tem choque
positivo, não vê a dinâmica melhorar nos momentos positivos. Não pode
justificar que não cumpriu a meta porque deu ajuda.
A partir de todo esse contexto, vê positivamente a mais recente decisão do Copom, de manter a taxa de juros em 10,50% ao ano?
Nas
condições que tinha, foi a melhor decisão possível – e muito bem
comunicada. Voltar a ter unanimidade foi muito importante, não só no
voto em si, mas no diagnóstico da economia.
O discurso público dos
membros desde a última reunião já indicava que eles estavam mais
alinhados, e tinham percebido as consequências da reunião dividida.
E
vemos a taxa em 10,5% até o final de 2025. O próprio BC coloca que as
projeções para a inflação de preços administrados são de 4,4% em 2024 e
4,0% em 2025. ‘Em cenário alternativo, no qual a taxa Selic é
mantida constante ao longo do horizonte relevante, as projeções de
inflação situam-se em 4,0% para 2024 e 3,1% para 2025‘, diz o comunicado. Logo, se mantiver nessa constante, de 10,50% isso entregaria uma inflação no final de 2025 de 3,1%.
E o dólar para o final deste ano ao redor dos R$ 5,30.
E para os juros nos EUA?
O banco hoje espera um corte em novembro. Ainda temos maior resiliência da inflação, portanto os juros ficarão mais altos.