Charge de Fernando Cabral
Texto de Cristiano Romero
Publicado pelo jornal Valor Econômico
O Brasil chegou, em 2012, ao quinto ano consecutivo com a inflação
acima da média mundial. Mesmo em ano de recessão, como foi 2009, e de
baixíssimo crescimento, como 2012, a inflação brasileira, medida pelo
Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), superou com folga a
média internacional.
Uma das consequências de se ter inflação mais alta que a de outras
economias é que isso contribui para diminuir a competitividade do país.
Se é verdade que a apreciação da taxa de câmbio pode tornar uma nação
menos competitiva, é igualmente verdadeiro que ter um custo de vida mais
elevado que o de parceiros comerciais reduz a capacidade de competir
com esses mesmos parceiros.
Depois de convergir em meados da primeira década deste século para a
inflação média dos 15 principais parceiros comerciais do país, o custo
de vida brasileiro descolou (para cima) a partir de 2008. Cálculo do
banco Credit Suisse mostra que, entre 2008 e 2012, o diferencial
acumulado entre o IPCA e a inflação ao consumidor desses 15 países somou
12 pontos percentuais. Trata-se de uma diferença significativa.
Inflação brasileira supera mundial há cinco anos
Há várias explicações para a aceleração da inflação a partir de 2008.
Pouco se fala, entretanto, da mais importante delas – a definição, pelo
governo, da meta de 2009, ocorrida em meados de 2007. Naquele momento, a
diretoria do Banco Central defendeu a redução da meta de 4,5% para
4,25% ou 4%, com o argumento de que, tendo o IPCA do ano anterior
(3,14%) ficado abaixo da meta e estando a inflação em 12 meses em torno
da meta, não haveria custo monetário adicional para reduzir esse índice
de preços nos anos seguintes.
Pesou, todavia, a opinião dos economistas de corte
desenvolvimentista, naquela ocasião, assim como agora, em maioria no
governo: Brasília optou por manter a meta de 2009 em 4,5%, estendendo-a,
nas decisões seguintes, para todos os anos subsequentes. Pode-se
afirmar que nasceu ali, naquela deliberação, a moderna política
econômica brasileira. Esta ampara-se na ideia de que, mais importante do
que continuar a desinflacionar a economia, o país precisa acelerar o
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), mesmo que para isso seja
necessário tolerar um “pouco mais” de inflação.
O Plano Real, lançado em julho de 1994, foi bem-sucedido em debelar a
hiperinflação ou inflação crônica que assolou o Brasil por mais de duas
décadas. A tarefa, contudo, não foi fácil. Os primeiros anos do plano
foram de inflação elevada, em grande medida, por causa do carregamento
estatístico dos anos anteriores – o IPCA recuou de 2.477,15% em 1993
para 22,41% em 1995. O índice mais baixo do período foi registrado em
1998, quando o IPCA caiu a 1,65%, em decorrência da forte apreciação da
taxa de câmbio.
Em janeiro de 1999, testado por três crises sucessivas (a asiática, a
russa e a do próprio país), o regime de câmbio quase-fixo, âncora
daquela política, desmoronou. O Brasil adotou, então, o regime de câmbio
flutuante, o sistema de metas para inflação e a política de geração de
superávits fiscais primários. O novo tripé gerou resultados positivos
imediatos, mas a crise energética de 2001 e a da transição política de
2002 levaram a inflação, novamente, a dois dígitos.
Tendo assumido o poder em meio a um enorme descrédito, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva surpreendeu ao redobrar a aposta na
estabilização. O que se viu, a partir de 2003, foi o período
desinflacionário mais bem-sucedido da história recente do país. A
inflação, que em 12 meses chegou a superar 17% em maio de 2003, caiu
para 7,6% em 2004, 5,69% em 2005 e 3,14% em 2006. Em 2007, ficou na meta
(4,46%), mas nos anos seguintes acelerou.
A mudança de patamar foi provocada pela visão da economia que
prevalece até os dias de hoje. Os números mostram isso com clareza. Com
exceção de 2009, ano da crise mundial e de crescimento negativo no
Brasil (-0,3%), desde então o IPCA não caiu mais abaixo de 5,8%. É
verdade que, no período, ocorreram choques de preços, principalmente de
commodities, mas isso não explica toda a história.
O governo desistiu de retomar o processo de desinflação e isso foi
percebido pelos agentes econômicos, afetando negativamente as
expectativas, e por essa razão o Brasil vem registrando sucessivamente
índices de preços superiores aos de seus parceiros comerciais. A
permanência do IPCA acima da meta, desde 2009, torna ainda mais difícil a
sua convergência, nos próximos anos, para padrões internacionais.
Embora esteja neste momento em linha com a média registrada pelos países
emergentes e em desenvolvimento, a inflação brasileira é quase o dobro
do custo de vida médio (3%) das nações de mesmo porte que adotam o
regime de metas.
Desnecessário lembrar que a inflação, além de diminuir a
competitividade da economia, penaliza as camadas mais pobres da
população, especialmente as que vivem de programas transferência de
renda, como o Bolsa Família, e de benefícios sociais não atrelados à
correção do salário mínimo. Registre-se, ainda, que a inflação está mais
alta justamente para a população de renda mais baixa.
Em 2012, o INPC, que mede o custo de vida para quem ganha até cinco
salários mínimos por mês, chegou a 6,2%, diante dos 5,84% do IPCA, que
mede a inflação de quem ganha até 40 salários mínimos. A equipe do
Credit Suisse calculou que o IPCA em 12 meses até outubro passado ficou
mais salgado para quem ganha até R$ 830 por mês (7,2%). Para quem ganha
mais de R$ 10.375, o índice foi de 5,8%.