Publicado pelo jornal Valor Econômico
O Brasil chegou, em 2012, ao quinto ano consecutivo com a inflação acima da média mundial. Mesmo em ano de recessão, como foi 2009, e de baixíssimo crescimento, como 2012, a inflação brasileira, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), superou com folga a média internacional.
Uma das consequências de se ter inflação mais alta que a de outras economias é que isso contribui para diminuir a competitividade do país. Se é verdade que a apreciação da taxa de câmbio pode tornar uma nação menos competitiva, é igualmente verdadeiro que ter um custo de vida mais elevado que o de parceiros comerciais reduz a capacidade de competir com esses mesmos parceiros.
Depois de convergir em meados da primeira década deste século para a inflação média dos 15 principais parceiros comerciais do país, o custo de vida brasileiro descolou (para cima) a partir de 2008. Cálculo do banco Credit Suisse mostra que, entre 2008 e 2012, o diferencial acumulado entre o IPCA e a inflação ao consumidor desses 15 países somou 12 pontos percentuais. Trata-se de uma diferença significativa.
Inflação brasileira supera mundial há cinco anos
Há várias explicações para a aceleração da inflação a partir de 2008. Pouco se fala, entretanto, da mais importante delas – a definição, pelo governo, da meta de 2009, ocorrida em meados de 2007. Naquele momento, a diretoria do Banco Central defendeu a redução da meta de 4,5% para 4,25% ou 4%, com o argumento de que, tendo o IPCA do ano anterior (3,14%) ficado abaixo da meta e estando a inflação em 12 meses em torno da meta, não haveria custo monetário adicional para reduzir esse índice de preços nos anos seguintes.
Pesou, todavia, a opinião dos economistas de corte desenvolvimentista, naquela ocasião, assim como agora, em maioria no governo: Brasília optou por manter a meta de 2009 em 4,5%, estendendo-a, nas decisões seguintes, para todos os anos subsequentes. Pode-se afirmar que nasceu ali, naquela deliberação, a moderna política econômica brasileira. Esta ampara-se na ideia de que, mais importante do que continuar a desinflacionar a economia, o país precisa acelerar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), mesmo que para isso seja necessário tolerar um “pouco mais” de inflação.
O Plano Real, lançado em julho de 1994, foi bem-sucedido em debelar a hiperinflação ou inflação crônica que assolou o Brasil por mais de duas décadas. A tarefa, contudo, não foi fácil. Os primeiros anos do plano foram de inflação elevada, em grande medida, por causa do carregamento estatístico dos anos anteriores – o IPCA recuou de 2.477,15% em 1993 para 22,41% em 1995. O índice mais baixo do período foi registrado em 1998, quando o IPCA caiu a 1,65%, em decorrência da forte apreciação da taxa de câmbio.
Em janeiro de 1999, testado por três crises sucessivas (a asiática, a russa e a do próprio país), o regime de câmbio quase-fixo, âncora daquela política, desmoronou. O Brasil adotou, então, o regime de câmbio flutuante, o sistema de metas para inflação e a política de geração de superávits fiscais primários. O novo tripé gerou resultados positivos imediatos, mas a crise energética de 2001 e a da transição política de 2002 levaram a inflação, novamente, a dois dígitos.
Tendo assumido o poder em meio a um enorme descrédito, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva surpreendeu ao redobrar a aposta na estabilização. O que se viu, a partir de 2003, foi o período desinflacionário mais bem-sucedido da história recente do país. A inflação, que em 12 meses chegou a superar 17% em maio de 2003, caiu para 7,6% em 2004, 5,69% em 2005 e 3,14% em 2006. Em 2007, ficou na meta (4,46%), mas nos anos seguintes acelerou.
A mudança de patamar foi provocada pela visão da economia que prevalece até os dias de hoje. Os números mostram isso com clareza. Com exceção de 2009, ano da crise mundial e de crescimento negativo no Brasil (-0,3%), desde então o IPCA não caiu mais abaixo de 5,8%. É verdade que, no período, ocorreram choques de preços, principalmente de commodities, mas isso não explica toda a história.
O governo desistiu de retomar o processo de desinflação e isso foi percebido pelos agentes econômicos, afetando negativamente as expectativas, e por essa razão o Brasil vem registrando sucessivamente índices de preços superiores aos de seus parceiros comerciais. A permanência do IPCA acima da meta, desde 2009, torna ainda mais difícil a sua convergência, nos próximos anos, para padrões internacionais. Embora esteja neste momento em linha com a média registrada pelos países emergentes e em desenvolvimento, a inflação brasileira é quase o dobro do custo de vida médio (3%) das nações de mesmo porte que adotam o regime de metas.
Desnecessário lembrar que a inflação, além de diminuir a competitividade da economia, penaliza as camadas mais pobres da população, especialmente as que vivem de programas transferência de renda, como o Bolsa Família, e de benefícios sociais não atrelados à correção do salário mínimo. Registre-se, ainda, que a inflação está mais alta justamente para a população de renda mais baixa.
Em 2012, o INPC, que mede o custo de vida para quem ganha até cinco salários mínimos por mês, chegou a 6,2%, diante dos 5,84% do IPCA, que mede a inflação de quem ganha até 40 salários mínimos. A equipe do Credit Suisse calculou que o IPCA em 12 meses até outubro passado ficou mais salgado para quem ganha até R$ 830 por mês (7,2%). Para quem ganha mais de R$ 10.375, o índice foi de 5,8%.
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