Embora o tema da
responsabilidade civil do advogado esteja cada vez mais presente na
agenda de diversos colégios de advogados, ainda permanece incerto o
alcance de tal responsabilidade por práticas de atos que possam
"conectar-se" com jurisdição estrangeira. Um caso recente julgado pelas
Cortes americanas coloca luz no tema, bem como serve para alimentar o
debate e despertar maior cautela de escritórios brasileiros que
assessoram, ou pretendem assessorar, seus clientes em assuntos
relacionados à lei estadual ou federal nos EUA.
Em maio, a Corte
Distrital do Distrito de Columbia, Wasthington D.C., proferiu no caso
Lans, et al. v. Adduci, Mastriani & Schaumberg LLP, et al., uma
decisão sobre uma relação jurídica internacional malograda. Os fatos
podem ser assim sumarizados: um cientista sueco desenvolveu tecnologia
na Suécia que, mais tarde, foi patenteada nos EUA. Insatisfeito com
possível violação a seus direitos de propriedade intelectual nos EUA, o
titular da patente contratou um escritório de advocacia sueco, que por
sua vez, contatou escritório jurídico americano. O cientista,
patrocinado pelos escritórios americano e sueco, promoveu ação judicial
nos EUA contra os supostos violadores de seus direitos.
O primeiro tomou a
liderança do caso perante a Justiça americana, enquanto que o segundo
continuou atuando próximo ao cientista sueco. Infelizmente para o autor
sueco, seu pleito foi rejeitado, acarretando a perda dos direitos sobre a
patente inventiva. Inconformado com o resultado e trabalho realizados, o
cientista sueco processou ambos os escritórios perante a Justiça do
Distrito de Columbia, pleiteando uma soma superior a U$ 100 milhões por
danos decorrentes da (suposta malsucedida) representação profissional.
Em sede preliminar, o escritório sueco levantou sua ilegitimidade
passiva ad causam, sustentando que o foro apropriado, em relação a ele,
seria o Judiciário sueco, haja vista que não tinha conexões suficientes
com os EUA para vinculá-lo à jurisdição no Distrito de Columbia. O juiz
singular rejeitou tal preliminar, abrindo caminho para o processo entrar
na chamada fase de discovery, a qual se caracteriza pela extensa e
ampla prova documental e testemunhal.
Como resultado da decisão
preliminar, o escritório sueco terá de arcar com os (altos) custos da
fase de discovery, malgrado suas tímidas conexões com o Distrito de
Columbia.
A responsabilidade por um erro pequeno pode ser maior do que o lucro gerado
Embora o caso não
tenha terminado, cabe refletir sobre as possíveis consequências dessa
decisão: ainda que o escritório sueco tenha tido pouco envolvimento com o
caso, sequer mantinha (mantém) escritório nos EUA, se vê ora obrigado a
contestar e acompanhar uma ação sobre responsabilidade civil perante o
Judiciário americano, o qual, provavelmente, aplicará princípios locais
de responsabilidade civil, tudo com base na jurisprudência dominante
sobre o tema. Ainda que referida ação judicial possa ter questionável
sucesso no mérito, o tempo e os custos a ela relacionados não são
desprezíveis.
Diante deste
contexto, que cautelas devem ser tomadas por escritórios brasileiros
visando a minimizar - ou evitar - os dissabores da ação de
responsabilidade civil proposta por seu (ex) cliente insatisfeito com o
resultado de uma demanda judicial? O "starting point" é um aumento no
intercâmbio de informações relacionadas com as normas e práticas
profissionais da advocacia nos respectivos países. Na Flórida, onde o
nosso escritório de advocacia é baseado, a Ordem de Advogados local
oferece formulários, cartas, e procedimentos para documentar
corretamente a representação legal. A Ordem de Advogados da Flórida tem
acordos de cooperação com as Ordens de Advogados do Rio de Janeiro, São
Paulo e Paraná, de modo que a estrutura para um maior debate, interação e
cooperação está montada.
Advogados de ambos
os países também precisam ter em mente suas limitações e aumentar o
nível de participação significativa tanto na elaboração ou revisão de
transações internacionais, quanto na resolução de disputas. Um
escritório pode ser altamente competente e respeitado nos EUA, mas tal
fato não lhe deve impedir de tomar medidas necessárias para trabalhar de
forma proativa e colaborativa com os advogados brasileiros para
garantir que todos os requisitos legais locais sejam observados. O mesmo
vale para os escritórios brasileiros. É voz corrente nos foros
internacionais a excelência dos serviços prestados por advogados
brasileiros. Muitos escritórios contam com excelentes advogados com
graduação ou pós-graduação em faculdades de direito nos EUA. No entanto,
a educação nem sempre substitui a experiência na prática. Escritórios
brasileiros estão cada vez mais assessorando grandes transações,
incluindo questões que frequentemente impõem responsabilidade civil nos
EUA. Um pequeno erro em uma transação de grande porte pode levar à
responsabilidade muito maior do que o lucro gerado.
Embora o caso
descrito acima possa parecer um típico filme de terror holywoodiano, não
deverá diminuir a quantidade e qualidade de trabalho internacional das
bancas de advocacia brasileiras. Como sabemos, os escritórios
brasileiros estão entrando em uma nova etapa com incremento de trabalho
em contratos e disputas internacionais. Questões relacionadas à
responsabilidade civil profissional são apenas uma vertente desta nova
realidade.
Por Mauricio Gomm Santos e Quinn Smith
Fonte Valor Econômico
http://www.valoronline.com.br/impresso/legislacao-tributos/106/466857/responsabilidade-civil-em-contrato-internacional
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