Arapongas quer tomar de Bento Gonçalves o posto de maior
polo de produção de móveis do país. E não está sozinha – São Bento do
Sul também deve entrar na disputaPor Paulo César Teixeira
Por
muito tempo, o polo moveleiro de Arapongas, no Paraná, ficou conhecido
pela capacidade de fornecer mesas, armários, sofás e outros produtos às
classes C e D. Com o aumento do poder de compra da população e
facilidades de acesso ao crédito, porém, as indústrias de móveis da
região norte do Paraná resolveram investir fortemente em tecnologia e
design – e desenvolver produtos com maior valor agregado. Com isso,
pretendem desbancar o polo de Bento Gonçalves, na serra gaúcha, que
ainda lidera o ranking nacional do setor em faturamento. Tanto é verdade
que os empresários de Arapongas estabeleceram um prazo de apenas três
anos para assumir a liderança no segmento de produtos dirigidos à classe
B. Nessa disputa de mercado entre os três Estados do sul, o
conglomerado de fábricas de São Bento do Sul, em Santa Catarina, que
dirige 71% de sua linha de produção para as exportações, também se
movimenta para ganhar mais espaço no mercado doméstico, diante da queda
das vendas externas.
A
guinada da indústria paranaense não é casual. O diretor do IEMI
Inteligência de Mercado, Marcelo Prado, explica que, impulsionadas pelas
mudanças registradas pela economia do país na última década, as camadas
que ascenderam na escala social mudaram seu comportamento na hora de ir
às compras. Hoje, elas estão dispostas a pagar mais pelos produtos que
consomem – desde que percebam neles um diferencial que justifique o
gasto. “E quando o cliente migra para um produto mais sofisticado, meu
amigo, se você não for junto com ele, pode estar certo de que vai
perdê-lo”, assinala Prado.
Uma pesquisa elaborada pelo IEMI
mostra que, mais do que a qualidade do produto, o design é o que
efetivamente atrai o consumidor quando ele entra em uma loja de móveis
(veja mais detalhes a seguir). Para 41,1% das pessoas consultadas, o
item “beleza” é o que chama a atenção em primeiro lugar no momento da
compra. Apenas 18,6% priorizam aspectos como “resistência” e
“durabilidade”. “Para os compradores de móveis, a qualidade, a
resistência e a durabilidade são fatores relevantes na decisão de
compra, mas a beleza e o design do produto são fundamentais”, sintetiza o
diretor do IEMI.
Não por coincidência, portanto, as fábricas de
Arapongas estão apostando alto na criatividade e ousadia na elaboração
dos móveis – tudo para tentar impressionar o novo consumidor. “Sem
dúvida, o impacto visual é importante. É como amor à primeira vista”,
compara Nelson Poliseli, presidente do Sindicato das Indústrias de
Móveis de Arapongas (Sima). Segundo ele, as empresas estão investindo em
maquinário e qualificando a mão de obra para alcançar um crescimento de
8% a 10% nas vendas em 2013. Poliseli só reclama da concentração de
matéria-prima nas mãos de poucos fornecedores, o que encarece os
insumos. “Temos meia dúzia de fabricantes de painéis. Não surpreende que
deitem e rolem na hora de fixar os preços”.
Um dos aspectos que
saltam aos olhos na nova linha de produção de Arapongas é o maior
cuidado nos acabamentos e materiais. As fábricas estão utilizando mais
espelhos e alumínio nos armários de cozinha. Já os colchões e estofados
fabricados estão ganhando cores e modelos mais modernos – eles agora
saem da fábrica com assentos retráteis, além de outros componentes de
maior qualidade. Internamente, as indústrias estão investindo na compra
de novos equipamentos, como esteiras e máquinas, que substituem o
trabalho manual. Desse modo, as empresas aceleram o tempo de fabricação
dos móveis fabricados com MDF (painel de fibra de madeira de média
densidade) e MDP (painel de partículas de madeira de média densidade).
Alguns fabricantes aplicam as chamadas BP (já revestidas em diversos
padrões).
Marcelo Prado alerta, porém, que a migração de uma
linha popular para outra de maior sofisticação não será simples. “Não
basta produzir um móvel mais sofisticado. Para que esse diferencial seja
percebido pelo cliente, é preciso investir também em logística,
transporte, distribuição, novos canais de venda, sistemas de pós-venda,
entre outros itens”. Um exemplo: a montagem de móveis seriados é feita,
geralmente, pelo próprio cliente em casa, por meio de um sistema de
encaixe. Em contrapartida, a customização faz com que a montagem do
produto seja bem mais complexa. Móveis de madeira maciça, por exemplo,
exigem maior cuidado das áreas de transporte e embalagens das fábricas
para evitar danos e avarias durante o trajeto percorrido dentro do
caminhão. “Imagine o zelo que se deve ter para transportar o produto do
Paraná até um Estado do nordeste – outro mercado que está mudando devido
ao maior poder de compra da população”, aponta Prado.
Consultor
do setor moveleiro da Federação das Indústrias do Estado do Paraná
(Fiep), Constantino Bezeruska concorda que a travessia para atender um
público mais exigente é uma ousadia que nem todas as empresas estarão
aptas a realizar. “Promover mudanças radicais não é um processo fácil”,
afirma Bezeruska, citando ainda a falta de mão de obra como uma
dificuldade que afeta as indústrias do setor.
Polo exportadorCom
mais de um século de tradição, o polo de São Bento do Sul, no planalto
norte de Santa Catarina, possui uma trajetória marcada por investimentos
em alta tecnologia e qualificação de funcionários para atender ao
exigente mercado externo. Não por acaso, São Bento do Sul é o maior
exportador de móveis do país: cerca de 70% da produção se destina às
vendas externas. “Aqui se formou um dos clusters moveleiros mais
expressivos do mundo, com fornecedores, indústrias, prestadoras de
serviços, laboratórios e instituições de ensino técnico superior”,
sustenta Fernando Gassner, presidente do Sindicato das Indústrias de
Construção e do Mobiliário de São Bento do Sul (Sindusmobil). A maioria
das empresas da região trabalha com produtos de alto valor agregado.
Para Gassner, a utilização de madeira maciça e de acabamentos especiais
resulta em móveis de “qualidade superior”. Entretanto, em função do
desequilíbrio cambial e da crise econômica internacional, que atingiu
particularmente Estados Unidos e Europa (principais mercados
consumidores dos móveis feitos no Brasil), algumas empresas tradicionais
da região fecharam as portas e outras reduziram suas atividades. “As
que sobreviveram foram aquelas que se adaptaram ao mercado interno”,
anota Marcelo Prado, do IEMI. Nesse percurso, os empresários foram
obrigados a prestar atenção em alguns detalhes, “Nos Estados Unidos, por
exemplo, há uma predileção por estofados redondos. Já o consumidor
brasileiro prefere sofás quadradinhos”, exemplifica Prado. Segundo ele, o
polo de Bento Gonçalves, que exporta US$ 60 milhões por ano, resistiu
melhor às intempéries da crise global ao redirecionar suas exportações
para mercados na América Latina. “Produtos seriados, de menor valor
agregado, com os quais a serra gaúcha também trabalha, são mais
absorvidos em segmentos populares latino-americanos”.
A partir de
2007, o setor moveleiro do norte catarinense iniciou um processo de
retomada do mercado doméstico. A promoção da Feira Móvel Brasil, a cada
dois anos, em São Bento do Sul, contribuiu para essa reconquista. “Ações
integradas foram sendo realizadas, como melhorias na gestão interna e
investimentos em design voltado ao consumidor brasileiro, além de
ampliação da estrutura comercial e ações mercadológicas”, diz Fernando
Gassner, do Sindusmobil. Ele acredita que o ideal é o polo moveleiro
estar presente tanto no mercado interno quanto no externo, até como
forma de aumentar a segurança dos negócios. “Obviamente, as exportações
são importantes, daí a necessidade de uma política cambial adequada”,
acrescenta Gassner, que reivindica também incentivos do governo para
desonerar a folha de pagamento.
Investimentos em designApesar
da ofensiva dos rivais do Paraná e de Santa Catarina, o polo moveleiro
de Bento Gonçalves ainda é o mais importante do Brasil. E cresce mais
ainda quando somado a outras cidades que também se inserem na cadeia
moveleira, como Gramado, Canela e Lagoa Vermelha. Tem o maior
faturamento e apresenta, ainda, os produtos com maior valor agregado do
país. “O que nos salva é a linha de móveis planejados, que exige maior
investimento em tecnologia e design, além de matéria-prima diferenciada.
Com isso, crescemos entre 3,5% e 4% no ano passado, ante uma média
nacional de 3%”, diz Ivo Cansan, presidente da Associação das Indústrias
de Móveis do RS (Movergs).
Cansan aponta o custo de logística
como uma das desvantagens na disputa com o polo de Arapongas, que está
bem mais próximo de fornecedores de materiais, componentes e acessórios,
que ficam principalmente em São Paulo e no próprio Paraná. Além disso,
tem acesso facilitado aos principais mercados consumidores do sudeste do
país – o que proporciona benefícios logísticos. O presidente da Movergs
calcula que, por causa disso, a diferença de custos a favor dos
paranaenses gira em torno de 6% a 8%.
Já as empresas de Santa
Catarina estão mais próximas dos portos de Itajaí (SC) e Paranaguá (PR),
o que facilita ações de cabotagem e exportação, como salienta a
presidente do Sindicato das Indústrias do Mobiliário de Bento Gonçalves
(Sindmóveis), Cátia Scarton. A política de incentivos fiscais
desenvolvida por governos de outros Estados é mais um fator de
desvantagem para os gaúchos. “Somada à diferença de custo de transporte e
logística, causa impacto importante”, assinala Renato Hansen,
coordenador do Centro Gestor de Inovação Moveleiro (CGI Móveis). A
presidente do Sindmóveis aponta a saída para o impasse: “Para buscar
diferenciação e contrapor essas possíveis dificuldades, as empresas
gaúchas apostam na diversificação do mercado brasileiro. A finalidade é
atingir todo o território nacional, sempre valorizando a
sustentabilidade, o design e a inovação tecnológica”.
Conciliador,
o consultor Marcelo Prado ressalta que é um pensamento “bairrista”
considerar que há uma guerra entre os polos regionais, já que esta não é
uma disputa na qual haverá apenas um vencedor. “Os três polos estão em
rota de crescimento”, contemporiza. O representante das fábricas do
norte de Santa Catarina também acredita que há espaço para todos.
“Estamos trabalhando para ampliar nossa presença no mercado brasileiro,
apenas isso. Essa busca por maior demanda não tem a intenção de disputar
posições com a indústria moveleira do Rio Grande do Sul”, diz Fernando
Gassner. Seja como for, a concorrência é mesmo a alma do negócio, como
destaca a presidente do Sindmóveis: “O que existe entre todos os polos
moveleiros do país e do exterior é uma competição por mercado e por
melhores oportunidades. Essa concorrência ocorre, inclusive, entre
empresas pertencentes ao mesmo polo”, destaca Cátia Scarton.
Cenário de novelaCom
a retomada do mercado de móveis no país, novos polos moveleiros começam
a ganhar corpo na região sul do Brasil. Ancorado na realização da Feira
Mercomóveis, em Chapecó, que registra um crescimento de 20% a 30% a
cada edição, o oeste de Santa Catarina exporta US$ 20 milhões por ano. O
destaque são os armários, camas, poltronas e sofás. A expectativa é de
um crescimento de 4,2% do faturamento em 2013. “É o segmento industrial
que aglutina maior quantidade (1,1 mil) de empresas em nossa região. No
que se refere à geração de empregos, ocupa o terceiro lugar e, em
faturamento, é o quarto colocado”, relata Osni Verona, presidente do
Sindicato das Indústrias Madeireiras e Moveleiras do Vale do Uruguai
(Simovale).
Verona é responsável por boa parte da visibilidade
nacional do polo de Chapecó, que ganhou destaque a partir de 2002,
quando a Verona Móveis – empresa da qual é dono – passou a fornecer
móveis para ambientação cenográfica das telenovelas da Rede Globo. “Os
arquitetos e decoradores da Globo descobriram nossos produtos quando
buscavam mobiliário com características da década de 1960, como mesas e
poltronas”, conta Verona.
Motivados pelo exemplo histórico de
Arapongas, os empresários de Ponta Grossa também estão tentando
implantar um polo moveleiro na região central do Paraná – este, com foco
na produção de móveis modulados em grande escala. “Temos aqui
matéria-prima, infraestrutura, grandes redes de varejo e uma gama de
compradores em potencial. Vamos agora colocar o trabalho. Estamos ainda
em fase de planejamento, reuniões e alinhamento de ações”, diz Joselito
Antonio Przybzlovicz, presidente do Sindicato das Indústrias de
Serrarias, Carpintarias e Tanoarias e de Marcenarias de Ponta Grossa.
Ele se refere especialmente à fábrica da Masisa, principal produtor de
painéis da América Latina, que está instalada no município. Além disso,
aponta a infraestrutura proporcionada pelo distrito industrial da cidade
como um fator extra de atração de novas indústrias.
Mas, para
implantar o novo polo, é preciso antes tirar da informalidade a maior
parte da cadeia produtiva. “Das cerca de 200 marcenarias existentes em
nossa região, somente sete ou oito são filiadas ao sindicato. A maioria é
de fundo de quintal”, afirma Przybzlovicz. A ideia é incentivar a
criação de cooperativas para obter vantagens na compra de materiais e
distribuição de produtos. Na falta de recursos para bancar investimentos
pesados em maquinaria, a opção é qualificar o trabalho manual com a
realização de cursos para auxiliar de marceneiro, em parceria com o
Senai. “Em breve, vamos oferecer cursos também de profissional
marceneiro, além de buscar suporte junto ao Sebrae para a realização de
cursos de gestão. Muitas vezes, o marceneiro não sabe sequer fazer o
cálculo do quanto gastou para definir o preço de um armário”, adianta
Przybzlovicz.
Fatores de crescimentoO
desempenho positivo do setor moveleiro está relacionado a fatores como a
redução temporária do IPI e o incremento das atividades do setor da
construção civil, aponta Marcelo Prado, do IEMI. Da mesma forma, a
expectativa da Copa do Mundo de 2014 no Brasil movimenta o mercado
doméstico nas linhas de produtos para hotelaria, bares e restaurantes.
Em
2013, a produção de móveis no país deverá crescer 5,5% – 3,5 pontos
percentuais a mais que em 2012. No varejo, o aumento deverá ser de 6,8%,
ante 4,5% no ano anterior. “A expectativa é de que, após a corrida por
produtos da linha branca e de automóveis, que também foram beneficiados
pela redução do IPI, o consumidor adquira maior quantidade de móveis em
2013. Até por uma questão de necessidade, já que voltou seus
investimentos para outros tipos de produto no ano passado”, torce Prado.