sábado, 19 de outubro de 2013

A nova ameaça do Tio Sam


O mundo, que já olhava com desconfiança para os EUA desde os episódios recentes de espionagem contra nações aliadas, passou a ter verdadeiro te­­mor diante da possibilidade real de calote da dívida americana em escala global

por Carlos José Marques

O mundo, que já olhava com desconfiança para os EUA desde os episódios recentes de espionagem contra na­­ções aliadas, passou a ter verdadeiro te­­mor diante da possibilidade real de calote da dívida americana em escala global. Foi somente no último minuto, por um triz mesmo, que republicanos e democratas chegaram a um acordo para pôr fim ao impasse. Ainda assim, temporariamente.

 A perplexidade internacional com o embate político que ameaça a incipiente retomada da economia dos EUA – e, por tabela, do restante dos mercados – cresce à medida que aumenta o poder de influência da ala conservadora e radical dos republicanos, o “Tea Party”. Esses pregam o colapso da administração pública federal enquanto suas reivindicações não forem atendidas. 

Na mesa de discussões, a maior bandeira social (e de dividendos políticos) de Obama: seu generoso plano de assistência à saúde. O presidente americano não vai recuar nesse sentido, sob pena de afundar todo o seu capital eleitoral. O “Tea Party”, de seu lado, não vai amargar a derrota indefinidamente. 
 
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Novo confronto está marcado para o início de 2014 e lá a disputa pega fogo. Agências de rating já ameaçam rebaixar a nota da dívida americana. Potências como a China pedem a “desamericanização do mundo”. Em outras palavras, ganha força a campanha para retirar do dólar o papel de moeda de referência das finanças internacionais. 
 
Há outras implicações no contexto dessa briga. E algumas delas afetam diretamente o Brasil. Depois da própria China e do Japão, cada um com mais de US$ 1 trilhão ancorado em títulos dos EUA, o Brasil é, por assim dizer, o terceiro maior país credor dos americanos, com mais de US$ 250 bilhões em créditos investidos ali. Na prática, quase toda a reserva nacional está depositada naquele pote e imaginar qualquer calote nessa área será demasiadamente catastrófico.
 
A eventual irresponsabilidade parlamentar no Capitólio, pode se prever, travaria a liquidez global de maneira insuportável. Eis o que está em jogo: um planeta refém economicamente diante da potência cuja liderança foi posta contra a parede. Talvez nem nos tempos da Guerra Fria ou da crise dos mísseis de Cuba se imaginou cenário tão tenebroso como esse. E o pesadelo ainda não acabou.

Próxima parada: Nova York


Quer acordar na cidade que nunca dorme? Ainda é uma boa hora para comprar imóveis de luxo em manhattan

Por Fabiano MAZZEI

O desejo de viver ou investir no topo do mundo atiça sua imaginação? Está em dúvida entre aquele apartamento de fim de semana no Leblon ou um estúdio no Upper East Side? Então prepare as malas e o passaporte. Seu dinheiro renderá mais entre os rios Hudson e East, que banham Manhattan, do que pegando um bronze na orla carioca. Quem garante isso é o economista niteroiense Robson Lemos, expert em vender imóveis em Manhattan – são mais de 300 apartamentos, além de 200 prédios comercializados inteiros, nos últimos 20 anos. “Você vai pagar mais caro, mas terá uma taxa de retorno de 3,5% a 5% ao mês”, afirma. “Você consegue isso nos Jardins ou em Ipanema?”, desafia. 

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Mordida na maçã: investimentos imobiliários em Nova York rendem
mais do que no Brasil, diz o corretor Robson Lemos
 
 
Contratado da Corcoran Real State desde 1995, Lemos vem ao Brasil a cada 30 dias para mostrar oportunidades na ilha a investidores brasileiros. Gente que quer diversificar seus investimentos e que, há três anos, percebeu que atuar no mercado imobiliário americano, a despeito da crise dos subprime do fim da década passada, é menos arriscado do que se imaginava. Lemos usa como exemplo a aquisição de uma casa de US$ 3 milhões em um bairro nobre paulistano. Para ter um retorno satisfatório, seria necessário alugá-la por, no mínimo, R$ 15 mil.
 
O problema é achar quem pague essa conta. “As coisas aqui ficaram caras e as pessoas já notaram que é mais fácil usar esse valor para pagar um financiamento do que um aluguel”, diz ele, responsabilizando o boom do mercado nacional pela baixa rentabilidade dos imóveis de alto padrão.Com esse perfil mais sofisticado, ainda é possível encontrar bons negócios em Manhattan. A cidade, contudo, tem vivido certa escassez em imóveis abaixo de US$ 3 milhões. Segundo Lemos, existem no momento apenas quatro unidades dessa categoria à venda, de metragens reduzidas e fora dos melhores pontos da ilha.
 
Entretanto, as oportunidades existem e a reduzida burocracia dos bancos americanos auxilia na hora da compra. “Vendi um estúdio de US$ 550 mil no Chelsea a um brasileiro que tirou apenas US$ 110 mil de seu plano de aposentadoria”, afirma Lemos. “O restante foi pago pelo aluguel que o inquilino, que já morava ali, lhe pagava mensalmente.” Em pouco mais de dez anos, o comprador terá um apartamento de US$ 700 mil. Lemos diz que não há plano de previdência no País que ofereça o mesmo retorno. Na falta de bons apartamentos médios, Lemos tem focado na venda de unidades de altíssimo padrão. 
 
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Endereços de luxo, como o 525 park avenue, em midtown: atração irresistível para o investidor brasileiro
 
O mais elegante de seu currículo foi um no sexto andar do 525 Park Avenue, de 350m², quatro quartos, duas salas e arquitetura italiana do século 19. “Fica perto do parque, colado no The Plaza. É o melhor dos mundos”, lembra ele, O negócio foi fechado em US$ 10 milhões. Entre os edifícios, ele negocia com um grupo de brasileiros a aquisição de um endereço na rua 67, entre a Madison e a Park Avenue, por R$ 11 milhões. Os apartamentos estão alugados e já renderam cerca de 4% ao mês aos investidores. Mas a ideia é promover uma reforma e vender unidade por unidade, algo que deverá atingir a cifra dos US$ 22 milhões. 
 
 “O dobro do que pagarão caso façamos a venda”, diz. Morador da cidade desde 1985, quando produzia shows e turnês internacionais para músicos brasileiros consagrados, como Caetano Veloso, Djavan e Nana Caymmi, Lemos identificou três zonas de expansão imobiliária da cidade. A primeira é o entorno do High Line Park, um jardim elevado sobre uma linha férrea de 1,6 km, que foi inaugurado em 2009. “O lugar virou um show­room de arquitetos internacionais famosos, com novos hotéis, restaurantes e terrenos ainda grandes para construir”, diz. 
 
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A vizinhança da Universidade Columbia, entre a 96 e 116 West, também se valorizou, graças ao nível econômico dos universitários. “E eles se mudam rapidamente, o que permite atualizar o aluguel a cada novo contrato”, afirma. Por fim, os apartamentos na região das Torres Gêmeas. A área virou um grande canteiro de obras desde a tragédia do 11 de setembro e viu o valor do metro quadrado despencar. Contudo, 12 anos depois, o local está quase todo recuperado, com novos prédios comerciais, estações de metrô e boulevards. Quando tudo for entregue, o preço dos pequenos apartamentos da região irá às alturas. 
 
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Não só porque ficam em Wall Street e a turma das finanças adora ir a pé ao trabalho com seus copos de café duplos, mas pelo desejo mórbido de se ver de perto o lugar atingido pelos aviões sequestrados pela Al Qaeda. “Para se ter uma ideia, o metro quadrado do Hotel W, que fica em frente, custa hoje US$ 30 mil, o mesmo valor de Park Avenue”, diz Lemos. Se os atentados valorizaram as cercanias do finado World Trade Center, eles criaram também uma certa rejeição a prédios muito altos, embora imensos arranha-céus continuem a ser erguidos, como o ultra high tech 432 Park Avenue, o maior edifício das Américas, com 425 metros de altura, criado pelo arquiteto uruguaio Rafael Viñoly. No entanto, clientes da Corcoran têm pedido cada vez mais por apartamentos abaixo do décimo andar. “Eles ficaram com pavor de andares altos depois daquele ano.”
 
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A febre da Abercrombie


A grife casual americana é um fenômeno. Sem fazer propaganda impressa ou na tevê, tornou-se objeto de desejo de 9 entre 10 adolescentes brasileiros bem-nascidos

Por Márcia Pereira

Numa tarde ensolarada de um domingo de verão, no bairro de classe média alta de Higienópolis, na capital paulista, uma sorveteria recebe uma turma de, pelo menos, 15 adolescentes ruidosos. 

Além da agitação hormonal típica da idade, dos cabelos bem cuidados e dos sorrisos Kolynos, eles apresentam uma outra característica em comum: todos, sem exceção, usam camisetas em que se lê, bem grande no peito, Abercrombie & Fitch (A&F). 
 
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As irmãs Luisa, 17 anos, e Lorena, 15, com suas peças preferidas da marca americana:
"90% das minhas amigas têm uma roupa da Abercrombie. É um lance fashion", diz a mais nova
 
Para quem não está familiarizado, esse é o nome da grife de roupa casual fundada em 1892, em Nova York, como roupa esportiva, e que, há cerca de três anos, virou coqueluche entre os adolescentes endinheirados do Brasil. Em suas araras e prateleiras estão expostos camisetas, camisas, shorts, casacos de moletom e vestidos, entre outros produtos. 
 
“Nosso target é composto de jovens descontraídos, bonitos, de físico atlético e que estejam cursando o colegial ou a faculdade”, diz a porta-voz da empresa, Iska Hain, ela própria uma bela e jovem mulher. 
 
Além da A&F, destinada aos tais universitários, a empresa mantém ainda a linha Hollister Co., para os colegiais, Abercrombie & Fitch Kids, para crianças, e Gilly Hicks, linha mais sexy da empresa. 
 
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Sem medo de ser feliz: consumidores não se amedrontam com o frio do inverno americano e fazem fila
em frente da flagship da grife, na 5a. Avenida, em Nova York. Vale tudo por uma peça com o alce bordado
 
Um portfólio que rendeu, em 2010, US$ 3,47 bilhões e deixou seus executivos um pouco mais aliviados, já que apontou uma recuperação das vendas, que cresceram 18% em relação ao ano anterior. 
 
O perfil tão específico descrito por Iska é escancarado em todo o material promocional da grife, que se limita aos outdoors nas cidades nas quais tem lojas, às sacolas de compras e aos painéis que decoram seus endereços comerciais. 
 
Curiosamente, a Abercrombie & Fitch não faz propaganda em veículos de mídia impressa nem em emissoras de tevê. “Nossa estratégia de marketing é fundamentada no boca a boca que o cliente faz após a experiência de visitar nossas lojas”, diz a porta-voz da A&F. “Nelas, ele vai ver, sentir, ouvir e saborear a energia da marca.”  
 
Apesar de parecer sensitivo demais e comercial de menos, funciona. A música eletrônica alto e bom som e os modelos sarados e sem camisa que atendem as clientes nas lojas atraem as jovens e ajudam a propagar fama da marca. 
 
Que o digam as irmãs Luisa, 17 anos, e Lorena Vasconcelos, 15, estudantes do terceiro e do primeiro colegial, respectivamente, em escolas de classe média alta da cidade de São Paulo. Elas são consumidoras assíduas dos produtos da A&F e da Hollister Co. 
 
“Cerca de 90% das minhas amigas têm alguma peça da marca. É um lance fashion”, diz Lorena, fã das camisetas e casacos de moletom. Ela e a irmã têm em seus closets cerca de 30 peças da grife. 
 
Luisa, que estuda numa escola diferente da de Lorena e onde a maioria dos colegas abomina roupas de grife, diz sofrer uma espécie de “bullying fashion” por conta de sua preferência pela marca. 
 
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"Corpus saradus": Acima, outdoor da grife com garotos belos, sorridentes e malhados, perfil do consumidor da marca.
Ao lado, decoração interna da flagship de NY, com versões de corpos torneados 
 
“Nem sou tão fissurada. Mas as pessoas da escola me olham torto porque eu ‘me rendi ao imperialismo americano, caí no sistema’. Mas não estou nem aí. Quero é me vestir bem.” Mas as meninas passaram por uma  frustração com a A&F.  
 
“Nas lojas que frequentamos, nenhum vendedor sem camisa nos atendeu”, diz Lorena. Iska tem uma explicação para essa, digamos, falta de padrão no atendimento: “Só nas lojas próprias os vendedores atendem sem camisa. Nas franqueadas não.” A porta-voz admite que a grife procura contratar somente modelos para atender os clientes.
 
Assim como as estudantes brasileiras, muitas garotas do Japão, do Canadá e de mais outros três países onde a grife está presente engrossam as filas sob sol, chuva ou neve à frente das lojas. E não são apenas os adolescentes que se encantam com os produtos. 
 
O engenheiro civil Marcelo Wagner, paulistano, 31 anos, sempre que vai aos EUA traz, pelo menos, uma peça da grife na bagagem. Ele teve seu primeiro contato com a marca entre 2005 e 2006. 
 
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“Na época ninguém conhecia a marca aqui. Agora virou moda”, diz Wagner, que usa as camisas para trabalhar e para sair. “Minha peça preferida, uma camisa listrada, foi comprada na minha lua de mel, em dezembro passado.”
 
Os brasileiros que já conhecem a grife, mas não podem ir a todo momento aos EUA abastecer-se com as peças com o alce bordado no peito, o animal-símbolo da grife, não precisam ficar frustrados. 
 
A rede multimarcas Mandi & Co., com 35 lojas espalhadas pelo País — e que vai abrir mais dez este ano —, é licenciada da Abercrombie & Fitch no Brasil. “ Mas o preço é mais alto”, diz Lorena, que já deu uma passada na “filial” brasileira da grife. Ela tem razão. 
 
Nos EUA uma camiseta custa cerca de US$ 20 (R$ 34), enquanto na Mandi não sai por menos de R$ 89. A peça mais cara à venda no Brasil custa R$ 900, uma jaqueta de sarja. Nos EUA, a mais cara é uma jaqueta de couro que vale US$ 600 (R$ 1.007). 
 
Colaborou Suzana Borin

E se o cliente não comprar sua ideia?


Muitas empresas se esmeram para elaborar um produto e só depois refletem sobre como podem vendê-lo. Está na hora de inverter essa lógica

Por Maria Augusta Orofino*

O contexto sociocultural de hoje exige algo primordial de todos os empreendedores: sucesso.     Os tempos mudaram, mas os procedimentos realizados para a apresentação de um novo produto ou serviço, em muitos casos, ainda obedecem aos mesmos princípios do marketing do século passado.      Muitos produtos não se estabelecem  e  fracassam,  mesmo  com  grandes pesquisas de mercado, projetos de design, especificações estruturadas, custos inerentes e campanhas de marketing. Por que isso acontece?

supermercado-foco-350Muitas empresas ainda têm seus departamentos de marketing e desenvolvimento de produto trabalhando de forma isolada, sem dialogar entre si. Nesse contexto, começa a surgir uma nova categoria de empreendimentos. São negócios nos quais se investe tempo em pesquisa, visando a conhecer as potenciais necessidades dos clientes e dos mercados. Eles buscam ouvir o que os futuros consumidores desejam antes de a empresa se comprometer com uma trajetória determinada e com as especificações precisas do produto. Ou seja, o foco é o “Desenvolvimento do Cliente”, a partir das suas dores e reais necessidades.

No modelo tradicional (com foco no “desenvolvimento do produto”), a empresa identifica um potencial mercado e o departamento de pesquisa e desenvolvimento prepara o produto com a equipe técnica – que confere as possibilidades da sua produção. Feito isso, segue para o departamento de custos, que determina o preço final. Só depois dessas etapas, com o produto já elaborado, é que entra em cena o departamento de marketing – que vai procurar uma agência de publicidade para o grande lançamento.

Mas, afinal: onde estão os clientes nesse processo? Desde a primeira etapa, o empreendedor se preocupa em especificar cada aspecto do produto. Contudo, será que é isso que o cliente quer? É disso que ele precisa? Onde ele está? O modelo de desenvolvimento de produto está tão direcionado para a construção e entrega do produto que ignora o processo de descoberta do cliente. Trata-se de um erro fundamental. E fatal.

O foco no desenvolvimento do produto leva as empresas a colocar prioridade na execução em detrimento do aprendizado sobre as necessidades dos clientes. Os executivos que conduzem o processo são contratados para resolver problemas e ampliar faturamento, e não para aprender a partir da experiência do cliente. Partem do princípio de que sua experiência anterior é relevante para o novo empreendimento. Só que essa suposição e essa atitude nem sempre dão certo. Muitas vezes, a necessidade do mercado é bem diferente daquela apresentada pelos clientes já atendidos em ocasiões anteriores.

Os empreendedores poderiam alcançar mais sucesso se, antes de vender um produto, buscassem respostas a algumas perguntas básicas: que problemas nossos produtos podem solucionar? Os clientes consideram esses problemas importantes? O produto tem capacidade de resolvê-los? O modelo de Desenvolvimento de Cliente parte de uma premissa simples, que é descobrir quem são os primeiros clientes da empresa e de que mercado eles fazem parte. Nesse sentido, antes de estruturar uma equipe e um projeto de marketing e vendas, a empresa precisa comprovar que existe o mercado para seu produto e alguém que realmente pagaria pelas soluções que ela pretende desenvolver. São atividades que envolvem teste, aprendizado e descoberta – e que tornam uma empresa única e inovadora.
* Mestre em Gestão do Conhecimento, professora da ESPM-SP e coautora dos livros
Business Model You e Ferramentas Visuais para Estrategistas.

Sabor e paisagem são os deleites do Gastronômade


Evento itinerante de gastronomia aposta em ingredientes brasileiros e menu de chef servido em locações paradisíacas para entreter os comensais

Por Fabiano Mazzei, de Governador Celso Ramos (SC)

Sol ameno das duas da tarde, 24ºC, abreviado pela brisa leve do outono catarinense. A mesa, para 70 comensais, estava posta e lotada: não sobrava uma cadeira sequer. Sobre a toalha de linho branco bordada, o menu previamente determinado pelo chef Luis Salvajoli causava alvoroço. Um banquete seria servido em instantes, onde a pompa que até caberia à cena, cedeu lugar à informalidade dos pés na areia. Era tarde de Gastronômade no premiadíssimo resort Ponta dos Ganchos, em Santa Catarina, e os presentes queriam apenas brindar a dois dos maiores patrimônios brasileiros, a gastronomia e as paisagens dessa terra. Uma tarde de dar água na boca e nos olhos também, de emoção.

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Mesa para 70 pessoas em praia particular
 
O Gastronômade, para quem ainda não conhece, é um evento trazido ao Brasil em 2012 pela empresária paulistana Renata Runge. Inspirada no conceito do evento americano Outstanding in the Field, o encontro propõe reunir na mesma colherada os sabores dos ingredientes e da cozinha do País com ceias armadas ao ar livre ou em locações pitorescas, que remetam à cultura local. “Sempre que me perguntam se terá champagne francês, eu digo que não. O espumante é brasileiríssimo”, explica Runge. “A ideia aqui é mostrar que o Brasil pode, sim, proporcionar uma experiência como esta sem precisar de sotaque estrangeiro.”

Fato, o único sotaque forasteiro ouvido no almoço foi o de um casal de alemães, hóspedes do hotel, que compraram suas cadeiras. O valor médio do convite é de R$ 270, mas, como esta edição estava atrelada ao resort, o pacote de final de semana com o evento incluso girou entre R$ 3 mil e R$ 9 mil. “Graças a parceria com os nossos fornecedores, conseguimos ter um preço bastante acessível”, comentou a organizadora.
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A idealizadora do evento, empresária Renata Runge
 
No menu de quatro pratos, prevaleceu os frutos do mar. No welcome drink de chegada, ostras, anéis de lula e ceviche de robalo com farinha de bottarga – o chamado caviar brasileiro feito com ovas de tainha desidratadas. A entrada foi de tempurá de siri mole Blueshell com vinagrete de manga, seguida de medalha de lagosta. O prato principal honrou a tradição sulista e veio com um macio filé mignon de vitelo de leite deitado em purê de mandioquinha. De sobremesa, chocolates gaúchos da tradicional casa Prawer. E, harmonizando com todos estes sabores, vinhos e espumantes da cave Geisse, também do Rio Grande do Sul, onde o premiado espumante branco Nature 2011 merece menção.
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Ceviche de robalo com farinha de bottarga
 
Com tudo tão brasileiro à mesa, fica difícil não ter aquele sentimento ufanista. Para colaborar, o Ponta dos Ganchos é o que há de mais sofisticado em nossas praias, sob o comando do gerente geral Julio Jost, o que acabou por aguçar ainda mais os cinco sentidos naquelas horas. De fato, o turismo gastronômico de excelência pode ser uma nova e promissora entrada de divisas para o País. Basta seguir os exemplos certos e fazer acontecer.

A temporada do Gastronômade 2013 se encerraria no dia seguinte, em São Paulo. Para o ano que vem, Renata Runge quer ampliar o calendário de 12 para 18 eventos. E está em busca de parceiros privados para uma edição especial do seu almoço (sim, por cerca de R$ 50 mil ele pode ser customizado a uma empresa) no ano da Copa do Mundo no Brasil. Onde seria? Em pleno gramado do estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. E com o atual ‘Pelé’ das caçarolas nacionais, o chef Alex Atala, no comando. Oxalá este sonho da empresária se torne realidade.

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Filé mignon de vitelo de leite sobre purê de mandioquinha
 
 
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Medalhão de lagosta grelhada sobre mini legumes

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As cores e os sabores das frutas tropicais
 
 
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Almoço no Ponta dos Ganchos foi o penúltimo do calendário de 12 eventos
 
 
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Julio Jost (camisa listrada), gerente do Ponta dos Ganchos, o chef Luis Salvajoli (ao centro) com sua equipe e Renata Runge


A jovem guarda da Brasil Kirin


Desde que a Schincariol foi comprada pelo grupo japonês, a cervejaria de itu perdeu mercado. agora, um grupo de ex-executivos da Unilever quer mudar isso. A receita: misturar a velha e boa organização europeia com a paciência oriental

Por Carlos Eduardo VALIM

Saem as garotas-propagandas devassas, representadas por celebridades como Paris Hilton, Alinne Moraes e Sandy, de contrabando. Entra o septuagenário Erasmo Carlos, uma das maiores estrelas dentre os roqueiros da Jovem Guarda na década de 1960 e dono de hits como É Proibido Fumar, que vai completar meio século no próximo ano. A troca das beldades pelo vovô Tremendão representa bem a mudança de estilo na terceira maior cervejaria do País, desde que a japonesa Kirin adquiriu a Schincariol, por R$ 6,2 bilhões, no fim de 2010. Desaparecem a agilidade, a agressividade e a informalidade de gestão, sobretudo no relacionamento com o Fisco, que chegava até a colocar a família Schincariol em problemas com a Justiça. 
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É uma Brasa, mora!: Erasmo Carlos, veterano da Jovem Guarda, foi recrutado para ajudar
a ampliar as vendas. Mas, pelo jeito, desafinou  
 
 
Passam a ser um mantra o cuidado, a qualidade de processos, os extensos estudos de mercado e até certa lentidão da jovem guarda da empresa, formada pelos controladores japoneses e por um corpo de executivos vindo de gigantes multinacionais de bens de consumo, em especial da anglo-holandesa Unilever. “Para nós, há quatro palavrinhas básicas: metodologia, governança, disciplina e constância”, afirma o CEO da Brasil Kirin, Gino Di Domenico, filho de italianos nascido no Peru e que vive desde os anos 1970 no Brasil.
 
Essa visão ficou clara na estratégia de lançamento dos refrigerantes com fibras Fibz, no começo de outubro. Trata-se do projeto mais importante deste ano da Kirin e faz parte do plano de investimentos da empresa de R$ 1 bilhão até 2014. Mas, apesar de toda a sua relevância, o Fibz demorou 18 meses para chegar ao mercado. Esse tempo foi usado em pesquisas de mercado, estudo do consumidor potencial, escolha das embalagens e na definição do nome do produto. Por tudo isso, a ambição da Kirin com o Fibz não tem limites. “Queremos reinventar a categoria de refrigerantes, que combine sabor com saúde”, diz Maria Inez Murad, vice-presidente de marketing.
 
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Aposta ousada: Di Domenico, da Brasil Kirin, investe em refrigerante
à base de fibras para tentar ganhar mercado no Brasil
 
Essa postura, é claro, dá mais garantias de que lançamentos como o Fibz tenham sucesso no mercado. Para quem observa de fora, no entanto, a empresa parece engessada. Há vários sinais de que isso possa ser verdade. A Kirin já havia perdido a segunda posição do mercado de cervejas para o grupo Petrópolis – a diferença é de apenas 0,25 ponto percentual. Em agosto deste ano, sua marca Nova Schin foi superada pela Itaipava, a principal bebida da concorrente, segundo dados da empresa de pesquisas Nielsen. As vendas de cervejas da Kirin caíram 0,7% no primeiro semestre de 2013, fazendo com que a projeção de faturamento fosse revisada para R$ 4 bilhões neste ano, o que equivale a R$ 120 milhões a menos do que a meta inicial. 
 
Não é um desempenho a ser comemorado, muito menos para soltar rojões. Mas, mesmo assim, é menor do que a queda do mercado, que foi de 2% no mesmo período. Estilo japonês Desde que assumiu o comando da Kirin, Di Domenico, que ocupava a diretoria de operações sob os antigos controladores, dividiu a estratégia da empresa em três etapas. O primeiro ano sob a direção da Kirin foi tomado por uma reestruturação e um avanço na profissionalização que os primos Gilberto e Adriano Schincariol já vinham buscando. “Colocamos o trem nos trilhos, definimos prioridades e o que cada um precisa fazer”, afirma Di Domenico.
 
Uma das missões do executivo foi cortar 25% do portfólio de produtos e acabar com a visão industrial da companhia, de querer vender tudo o que a fábrica podia produzir. “Agora viramos o canhão para sermos uma empresa de bens de consumo, que produz de acordo com a demanda do consumidor”, diz Di Domenico. Os resultados, segundo a empresa, superaram o esperado. O faturamento atingiu R$ 3,6 bilhões no ano passado, R$ 100 milhões acima da meta. O Ebitda de R$ 602 milhões também superou a previsão. “Mudamos de patamar de geração de lucro”, diz Di Domenico. Na sequência, a missão foi iniciar um período de inovações, do qual o Fibz é o principal símbolo.
 
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O conselheiro: Vinicius Prianti, ex-CEO da Unilever e membro do conselho estratégico
da Brasil Kirin, ajuda a definir os planos para o crescimento no Brasil
 
Agora começa a terceira fase. “É o momento da consolidação”, afirma Di Domenico. “Para os japoneses significa um plano de cinco anos, não de seis meses.” Tudo incentivava para que os prazos de decisão se tornassem mais alongados: da cultura nipônica baseada na paciência à grande diferença de fuso horário. Mas o estilo da nova gestão não pode ser creditado apenas aos japoneses. O perfil da direção brasileira também explica muito da postura atual. O engenheiro mecânico Di Domenico, que como diretor de operações respondia pelas áreas de logística e distribuição da Schincariol, foi o preferido dos atuais controladores para conduzir os negócios.
 
Com uma larga experiência na área industrial, construída durante 11 anos na Unilever, ele chegou à empresa de bebidas há seis anos e logo tratou de instituir a metodologia de práticas fabris TPM (sigla para manutenção produtiva total), criada no Japão. O executivo havia trabalhado na Unilever com a metodologia que também era adotada pela Kirin. Como parte dessa missão, Di Domenico implementou o projeto apelidado de “meia seca”. “Eu disse que queria andar na fábrica sem precisar molhar a meia ou cortar o pé”, afirma o executivo. “Hoje não existe companhia de be­­bida no Brasil com o nosso nível de limpeza.”
 
Para complementar essas suas habilidades operacionais, ele foi buscar o auxílio de Vinicius Prianti, um ex-CEO da gigante de bens de consumo anglo-holandesa, para a definição de estratégias comerciais. O executivo chegou para fazer parte, junto com Di Domenico, do conselho estratégico da empresa no Brasil, que também é composto por três japoneses. Prianti é o único brasileiro a fazer parte de um conselho consultivo global da Kirin. Segundo um consultor do mercado, seria ele o homem forte por trás de muitas das principais decisões estratégicas da Kirin no País.
 
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Desde a sua chegada, o corpo de principais executivos é dominado por egressos da Unilever. Além de Prianti, Di Domenico e Maria Inez, o vice-presidente financeiro, Fabio Marchiori, e o de assuntos corporativos, Juliana Nunes. Eles trazem uma cultura de detalhados estudos estratégicos e de processos bem definidos.Maratona O novo estilo da Kirin é pouco comum no setor de bebidas, conhecido por exigir investimentos intensivos em marketing e vendas e pela agressividade de seus maiores rivais, a Ambev e a Petrópolis, em cerveja, e a Coca-Cola e a Pepsico, em refrigerantes.
 
A Petrópolis, por exemplo, se orgulha desse perfil. “Somos ágeis, e quando precisamos tomar uma decisão sentamos com o dono, Walter Faria, e resolvemos na hora”, diz Douglas Costa, diretor de mercado da Petrópolis. “Vamos para cima dos concorrentes. Se pararmos de investir, somos atropelados.” Um exemplo disso está no fato de a Petrópolis estar desembolsando R$ 1,2 bilhão na construção de duas fábricas destinadas a atacar o mercado nordestino, onde a antiga Schincariol tinha uma presença importante. A primeira, inaugurada em agosto, fica em Alagoinhas, na Bahia, de frente para uma linha de produção da Kirin. A segunda será aberta em Itapissuma, em Pernambuco, onde a Ambev também inaugurou uma fábrica no ano passado.
 
A competição entre as cervejarias no mercado do Nordeste não se restringe apenas à construção de fábricas. A Petrópolis fechou acordos para dar o nome de Itaipava aos estádios da Copa do Mundo de Recife e Salvador. Já a Ambev tomou o patrocínio do Carnaval de Salvador, em 2012, depois de ele ter ficado por mais de dez anos com a Schincariol. Para a Kirin, no melhor estilo japonês, a disputa é de uma maratona, não de uma prova de 100 metros raso. A empresa começou há dois anos um plano de chegar a um milhão de pontos de venda no País. No momento, possui mais de 600 mil e, segundo as contas de Di Domenico, serão necessários mais três ou quatro anos para atingir a meta. “Estamos preocupados com o curtíssimo prazo”, diz o executivo. “Mas o foco está no longo prazo.” Resta aguardar para saber se no futuro os vencedores serão os ágeis concorrentes ou a conservadora jovem guarda da Brasil Kirin.
 
 
Quebrando o gelo
 
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Além da Kirin, outra grande empresa de bebidas japonesa abriu os olhos para o mercado brasileiro. A Suntory, fabricante dos mais populares uísques vin­­dos da Terra do Sol Nascente, anunciou que estuda operar uma engarrafadora no País. A empresa, que havia deixado de vender para o mercado brasileiro em 2004, resolveu retornar no ano passado. Desde dezembro, a trading Tradbras importa e distribui as bebidas da marca Suntory aqui. As vendas, que podem chegar a US$ 10 milhões em 2015, e a forte comunidade de japoneses radicada em São Paulo estimulam a estratégia.
Em sua primeira passagem pelo Brasil, a Suntory chegou a ter um restaurante com o seu nome nos Jardins, bairro nobre de São Paulo. 
 
Globalmente, a empresa fatura US$ 21,8 bilhões, com a venda de produtos como licores, cervejas, refrigerantes, cosméticos e alimentos. Mas é por seu uísque que ela é mais conhecida no Ocidente. Em especial depois de ter um papel de destaque no filme Encontros e Desencontros, de 2004, em que o americano Bill Murray interpreta um ator que protagoniza um comercial da marca. A Suntory, assim como a Kirin, faz parte do grupo de quatro grandes empresas de bebidas alcoólicas que dominam o mercado japonês. Além delas, integram esse clube a Asahi e a Sapporo. Entre 2009 e 2010, em um movimento pouco comum entre empresas do mercado japonês, Suntory e Kirin negociaram uma fusão, que acabou não sendo completada.
 

O que é bom para a China é bom para o Brasil


À medida que os chineses caminham para ser a maior potência econômica do mundo, o País ganha a oportunidade de prosperar com os investimentos crescentes do gigante asiático

Por Carla JIMENEZ e Hugo CILO

O lançamento do livro “1283”, do rei Pelé, na semana passada, em São Paulo, era destaque no portal Xinhuanet, a agência oficial de notícias da China. O livro, cujo título faz alusão ao número de gols feitos pelo maior craque de todos os tempos, tem despertado a curiosidade dos chineses. E com razão: o assunto futebol parece ter sido reforçado na pauta do noticiário da mídia local depois da ascensão de Xi Jinping à presidência do país asiático. Discreto pela exigência do cargo, Jinping só não esconde sua paixão pelo esporte bretão. Ele não resiste, por exemplo, a “tuitar” comentários sobre jogos importantes nas redes sociais, um comportamento semelhante ao do ex-presidente Lula, torcedor de carteirinha do Corinthians. 
 
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As afinidades de Jinping com o Brasil e os brasileiros, porém, não se restringem ao futebol. A China vem ampliando na última década sua presença no País nos mais diversos setores e, a partir desta semana, deve aumentar suas apostas no leilão do Campo de Libra, na Bacia de Santos, previsto para a segunda-feira 21. Petróleo é assunto de Estado para os chineses, uma vez que o país depende da importação da matéria-prima para atender à gigantesca demanda gerada pela segunda potência econômica do planeta. Com uma produção interna de quatro milhões de barris por dia, o país importa 6,4 milhões de barris diários para movimentar sua economia.
 
 
E a parceria com o Brasil, que produz 2,2 milhões de barris diariamente, é peça-chave nas estratégias chinesas. Com o Campo de Libra, mais 1,4 milhão de barris serão adicionados à produção nacional, um incremento de 65%. Isso explica por que a participação de três estatais chinesas no leilão, a CNOOC International, a Petrochina e a Sinopec, que se associou à espanhola Repsol, foi vista como natural.
 
 Uma boa notícia para o Brasil, que começa a encontrar sua vocação exportadora diante das reservas comprovadas de 12 bilhões de barris do ouro negro com o Campo de Libra e de outras bacias que ainda estão em prospecção. 
 
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CAPITAL + TECNOLOGIA: os chineses têm o dinheiro e o Brasil, a tecnologia de exploração em águas profundas
 
Dessa forma, a relação entre as duas nações se configura num encontro entre a fome e a vontade de comer. Além do petróleo, o Brasil é grande fornecedor de soja, minério e nióbio para o mercado chinês. “O País está muito bem posicionado, num momento em que a China começa a assumir o papel de maior potência econômica do mundo”, diz Clodoaldo Hugueney, diretor do Centro de Investigação Laboratório do Século XXI, da FAAP, em São Paulo, e ex-embaixador do Brasil na China. Hoje a China importa o equivalente a US$ 1 trilhão em produtos e matérias-primas por ano. 
 
Mesmo com um ritmo de crescimento menor do que no passado – a expectativa é que fique na casa dos 7% em 
2013 –, o apetite por importações cresce à medida que a população ganha poder de renda e o governo estimula o consumo. Na outra ponta, os chineses buscam mercados estratégicos, como o Brasil, para dar espaço à internacionalização das suas empresas. Os dados de estoque de investimento estrangeiro direto, registrados pelo Banco Central, ainda colocam os chineses numa posição modesta: US$ 9,3 bilhões em 2011, enquanto os Estados Unidos, por exemplo, acumulavam quase US$ 600 bilhões naquele ano.
 
“Muitas vezes, o capital chinês entra no Brasil em operações trianguladas, oriundo de outros países”, diz Luiz Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais. Seja como for, a ascendência oriental na economia brasileira é inegável. Um levantamento feito por Lima, a partir dos dados da Rede Nacional de Informações sobre Investimentos (Renai), do Ministério do Desenvolvimento, mostra que entre 2004 e o primeiro semestre de 2012 a China anunciou 121 projetos em território brasileiro – de fábricas de celulose a indústria de máquinas, passando pela compra de empresas agrícolas.
 
Juntos, esses anúncios somam mais de US$ 25 bilhões em capital produtivo. Nesses cálculos, não estão incluídos os investimentos em petróleo, mas os chineses já fizeram diversos movimentos importantes no setor. Em 2010 a Sinopec aportou US$ 7,1 bilhões na Repsol do Brasil, garantindo 40% do capital da companhia. Hoje, a Repsol Sinopec extrai petróleo do campo de Sapinhoá, na Bacia de Santos, com reserva estimada em 2,1 bilhões de barris, e no poço Guará-1, em Santos, que pode garantir uma produção de 120 mil barris diários. Em novembro, outro bloco explorado na bacia de Campos dará início a perfurações para encontrar petróleo e gás. O grupo avalia a participação em outros leilões depois de Libra e não descarta aquisições.
 
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Petróleo para eles A presidente da Bomcobrás, Wang Shu Wei (abaixo): joint venture
para construir equipamentos para a cadeia de óleo e gás. A Repsol Sinopec, presidida
por José Maria Moreno (acima), já estuda participar de outros leilões
 
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Também a CNPC, matriz da petroleira Petrochina, já atua no Brasil, associada a outra estatal chinesa, a Bomco, maior fabricante chinesa de máquinas e equipamentos para a cadeia de óleo e gás. Juntamente com a Brasil China Petróleo, importadora criada em 2008, o trio formou uma joint venture, a Bomcobras, que está construindo uma fábrica na cidade de Dias D’Ávila, no Recôncavo Baiano, com um investimento de R$ 150 milhões, que deve ser finalizada em junho de 2014. Inicialmente, sondas, mastros e toda sorte de maquinários serão importados e montados localmente. Mas, em breve, serão fabricados no País, para atender à regra de conteúdo nacional demandado nas licitações.
 
“Quem quer que seja o vencedor do leilão de Libra é nosso potencial cliente”, diz Mateus Men de Sá, gerente de marketing da Bomcobras. A empresa, presidida pela executiva Wang Shu Wei, chinesa residente no Brasil há 25 anos, não descarta montar uma operação financeira no médio prazo, para financiar as vendas para seus clientes. “Sinodependência” A relação mais estreita entre os dois países já levantou críticas apaixonadas contra uma espécie de “sinodependência” brasileira. “É um absurdo Libra ficar com o governo chinês”, vociferou José Serra, o eterno presidenciável do PSDB, na semana passada. “Agora vamos ficar numa situação praticamente de uma quase colônia da China, um neocolonialismo do Brasil em relação à China.” 
 
O ex-embaixador Hugueney tem uma resposta na ponta da língua para esse tipo de crítico. “Isso é um grande besteirol”, diz Hugueney. “Se for assim, o mundo é sinodependente, uma vez que a China não para de crescer e de ganhar importância no comércio exterior de todos os países.” Ele lembra que os Estados Unidos, por exemplo, são o maior exportador de soja para o mercado chinês e o segundo fornecedor de frango. “Somos tão dependentes da China quanto a China é dependente do Brasil.” Para Charles Tang, presidente Câmara de Comércio e Indústria Brasil China, o País é o único entre os emergentes com quem os chineses não têm chances de chegar a conflitos. 
 
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Investimento turbinado: com aval da matriz chinesa, Luis Cury, CEO da Chery Motors no País,
ampliou os recursos para a operação brasileira
 
“O Brasil só terá prosperidade com a China”, diz Tang. Em outras palavras: bem conduzida, a integração de interesses entre os dois países, cujas economias são complementares, vai mostrar que o que é bom para a China também é bom para o Brasil. Ao menos no mundo automobilístico essa profecia já se torna realidade. As montadoras asiáticas estão ampliando seus projetos no País. É o caso da Chery. Antes mesmo de inaugurar a sua linha de produção em Jacareí, no interior paulista, numa fábrica que ficará pronta em abril de 2014, a matriz ampliou de R$ 800 milhões para cerca de R$ 1,2 bilhão os recursos destinados à operação brasileira.
 
A unidade terá capacidade para montar 100 mil carros por ano, inicialmente, e poderá chegar a 150 mil. “A ordem da matriz é conquistar 3% do mercado brasileiro nos próximos cinco anos”, afirma Luis Cury, CEO da companhia no Brasil. “Na China, é consenso que o Brasil é uma fronteira que precisa ser desbravada.” Assim como a Chery, a JAC Motors ampliou de R$ 600 milhões, há dois anos, para R$ 900 milhões, em 2012, e R$ 1 bilhão, neste ano, seus investimentos no País. Sob o comando de Sérgio Habib, a marca está construindo uma fábrica em Camaçari, na Bahia, onde montará também um modelo de caminhão de pequeno porte para uso urbano, chamado de T140. “O otimismo da empresa tem crescido à medida que o setor mostra resistência às oscilações da economia”, afirmou Habib.
 
As montadoras não são as únicas que refletem o apetite chinês pelo mercado brasileiro. A gigante de equipamentos de telecomunicação Huawei, após assumir a liderança no mercado brasileiro em infraestrutura de telefonia celular, no ano passado, à frente da sueca Ericsson, decidiu trazer da China duas novas operações: uma fábrica de aparelhos como modens e smartphones, em Jundiaí (SP), e o departamento de serviços de rede para empresas. Em cinco anos, os investimentos devem superar R$ 700 milhões. “Estamos presentes em praticamente todo o mercado de telefonia”, diz o diretor de operações da empresa, Vinicius Dalben. No setor financeiro, os bancos ICBC e Bank of China também fincaram a bandeira vermelha por aqui (leia infográfico).
 
Se no mundo da tecnologia os chineses são gigantes em franco crescimento, no campo das commodities eles querem ser imbatíveis. Embora a China já seja o maior comprador da soja e do minério de ferro produzidos no País, há um visível empenho para que se torne também protagonista em produção, especialmente no agronegócio. Na semana passada, a Chongqing Grain Group, responsável por um investimento de R$ 600 milhões na Bahia, com a construção de uma esmagadora de grãos no município de Barreiras, anunciou que dobrará os recursos neste ano, para quase R$ 1,2 bilhão. O presidente do Grupo, Yinfeng Wang, afirma que os chineses nunca tiveram tanta pressa para se instalar no País. 
 
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“Essa onda de investimentos representa um novo marco nas relações do Brasil com a China no segmento do agronegócio e abre grandes oportunidades em áreas, como a de fertilizantes”, afirmou Wang. O que já é bom poderia ser ainda melhor. A ofensiva chinesa no agronegócio enfrenta resistência nas alas mais protecionistas no governo, principalmente quando há tentativa de adquirir terras. Em 2011, a Advocacia Geral da União (AGU) endossou um parecer que restringe os investimentos estrangeiros em compra de grandes propriedades brasileiras, sob o argumento de proteção da segurança nacional.
 
Naquele ano, a decisão paralisou R$ 4 bilhões em recursos chineses que estavam sendo utilizados para a compra de áreas rurais, movimento que tem ocorrido em países africanos. “Os chineses só não investem mais na agricultura porque o Brasil não deixa”, diz José Vicente Ferraz, presidente da consultoria Informa Economics FNP. Enquanto o polêmico nó dos investimentos estrangeiros em aquisição de fazendas não é desatado, os chineses estão avançando da porteira para fora, na aquisição de indústrias e na participação de projetos de infraestrutura.
 
Um levantamento do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) revela que cerca de R$ 7 bilhões serão injetados em setores estratégicos nos próximos dois anos. “O governo brasileiro está estimulando os investimentos em portos, aeroportos, ferrovias e energia”, afirma André Soares, coordenador de pesquisa da CEBC. O setor energético é, de fato, o baú do tesouro. Um relatório da Agência Internacional de Energia divulgado em setembro mostrou que o País recebeu US$ 18,2 bilhões em investimentos chineses entre 2005 e 2012 nessa área. Os recursos no setor devem dobrar até 2020, o que inclui aportes em projetos de petróleo. 
 
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O engenheiro Segen Estefen, professor titular de estruturas oceânicas da Coppe, instituto ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro, lembra que, além do Campo de Libra, disputado nesta semana, há expectativas que outras reservas similares, em águas profundas, sejam encontradas na costa entre o Espírito Santo e Santa Catarina. E o Brasil tem a tecnologia necessária para prospectar esse tesouro. “Só não temos o capital que uma empreitada dessas exige, mas os chineses têm”, diz Estefen. Trata-se, portanto, de um casamento promissor, cuja lua de mel pode começar agora.
 
“Mudança na China abre oportunidades para manufaturados brasileiros”
 
Nascido na Espanha, filho de pai americano e mãe francesa, o professor de Finanças Internacionais da Universi­dade de Pequim Michael Pettis é um especialista em economia chinesa. Na semana passada, Pettis conversou com a DINHEIRO durante um evento organizado pela Acrefi, a entidade das financeiras e bancos, em São Paulo.
 
 
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Como o sr. vê o interesse chinês no pré-sal?
O governo chinês está pressionando suas petroleiras a atuarem com mais vigor no Exterior. Se eu fosse um dos interessados no pré-sal brasileiro, estaria muito preocupado com essa concorrência. 
 
Para o Brasil, é uma boa notícia?
Sem dúvida. Há muitos benefícios para o Brasil no interesse chinês em investir no País. O governo da China percebeu que para ser mais competitivo é importante que suas empresas sejam capazes de se espalhar pelo mundo afora. Foi assim com as companhias americanas, na década de 1920, com as árabes, em 1970, e com as japonesas, nos anos 1980. 
 
Como sr. avalia a mudança na economia chinesa, com menos investimentos e mais consumo?
Embora inevitável, esse reequilíbrio não será simples. É um processo difícil, que envolve decisões políticas com custos econômicos. Ao trocar investimento em infraestrutura por mais consumo, o patamar de crescimento do PIB chinês cairá dos atuais 7% para algo entre 3% e 4% nos próximos anos. 
 
Haverá impacto nos preços das commodities?
Sem dúvida. A China representa 60% do consumo global de minério de ferro. Isso é desproporcional. Acredito que em cinco anos esse consumo será muito menor, derrubando os preços em até 50%. Esse processo de ajuste está apenas no começo.
 
Nesse cenário, o Brasil terá problemas em sua balança comercial... 
É muito importante que o Brasil se livre da dependência de commodities para crescer de forma sustentável. Sei que isso é difícil de ser feito num cenário de preços ainda altos. Por outro lado, o rebalanceamento chinês trará oportunidades para as manufaturas brasileiras e mexicanas.
 
Como isso vai acontecer?
A China só era competitiva com câmbio desvalorizado, juro baixo e salários reduzidos. Mas, agora, essas três variáveis estão se invertendo e suas exportações de manufaturados vão cair nos próximos cinco anos. Vejo aí uma janela de oportunidades para as indústrias brasileiras e mexicanas.