À medida que os chineses caminham para ser a maior potência econômica do mundo, o País ganha a oportunidade de prosperar com os investimentos crescentes do gigante asiático
Por Carla JIMENEZ e Hugo CILO
O lançamento do livro “1283”, do rei Pelé, na semana passada,
em São Paulo, era destaque no portal Xinhuanet, a agência oficial de
notícias da China. O livro, cujo título faz alusão ao número de gols
feitos pelo maior craque de todos os tempos, tem despertado a
curiosidade dos chineses. E com razão: o assunto futebol parece ter sido
reforçado na pauta do noticiário da mídia local depois da ascensão de
Xi Jinping à presidência do país asiático. Discreto pela exigência do
cargo, Jinping só não esconde sua paixão pelo esporte bretão. Ele não
resiste, por exemplo, a “tuitar” comentários sobre jogos importantes nas
redes sociais, um comportamento semelhante ao do ex-presidente Lula,
torcedor de carteirinha do Corinthians.
As afinidades de Jinping com o Brasil e os brasileiros, porém, não
se restringem ao futebol. A China vem ampliando na última década sua
presença no País nos mais diversos setores e, a partir desta semana,
deve aumentar suas apostas no leilão do Campo de Libra, na Bacia de
Santos, previsto para a segunda-feira 21. Petróleo é assunto de Estado
para os chineses, uma vez que o país depende da importação da
matéria-prima para atender à gigantesca demanda gerada pela segunda
potência econômica do planeta. Com uma produção interna de quatro
milhões de barris por dia, o país importa 6,4 milhões de barris diários
para movimentar sua economia.
E a parceria com o Brasil, que produz 2,2 milhões de barris
diariamente, é peça-chave nas estratégias chinesas. Com o Campo de
Libra, mais 1,4 milhão de barris serão adicionados à produção nacional,
um incremento de 65%. Isso explica por que a participação de três
estatais chinesas no leilão, a CNOOC International, a Petrochina e a
Sinopec, que se associou à espanhola Repsol, foi vista como natural.
Uma boa notícia para o Brasil, que começa a encontrar sua vocação
exportadora diante das reservas comprovadas de 12 bilhões de barris do
ouro negro com o Campo de Libra e de outras bacias que ainda estão em
prospecção.
CAPITAL + TECNOLOGIA: os chineses têm o dinheiro e o Brasil, a tecnologia de exploração em águas profundas
Dessa forma, a relação entre as duas nações se configura num
encontro entre a fome e a vontade de comer. Além do petróleo, o Brasil é
grande fornecedor de soja, minério e nióbio para o mercado chinês. “O
País está muito bem posicionado, num momento em que a China começa a
assumir o papel de maior potência econômica do mundo”, diz Clodoaldo
Hugueney, diretor do Centro de Investigação Laboratório do Século XXI,
da FAAP, em São Paulo, e ex-embaixador do Brasil na China. Hoje a China
importa o equivalente a US$ 1 trilhão em produtos e matérias-primas por
ano.
Mesmo com um ritmo de crescimento menor do que no passado – a expectativa é que fique na casa dos 7% em
2013 –, o apetite por importações cresce à medida que a população
ganha poder de renda e o governo estimula o consumo. Na outra ponta, os
chineses buscam mercados estratégicos, como o Brasil, para dar espaço à
internacionalização das suas empresas. Os dados de estoque de
investimento estrangeiro direto, registrados pelo Banco Central, ainda
colocam os chineses numa posição modesta: US$ 9,3 bilhões em 2011,
enquanto os Estados Unidos, por exemplo, acumulavam quase US$ 600
bilhões naquele ano.
“Muitas vezes, o capital chinês entra no Brasil em operações
trianguladas, oriundo de outros países”, diz Luiz Afonso Lima,
presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas
Transnacionais. Seja como for, a ascendência oriental na economia
brasileira é inegável. Um levantamento feito por Lima, a partir dos
dados da Rede Nacional de Informações sobre Investimentos (Renai), do
Ministério do Desenvolvimento, mostra que entre 2004 e o primeiro
semestre de 2012 a China anunciou 121 projetos em território brasileiro –
de fábricas de celulose a indústria de máquinas, passando pela compra
de empresas agrícolas.
Juntos, esses anúncios somam mais de US$ 25 bilhões em capital
produtivo. Nesses cálculos, não estão incluídos os investimentos em
petróleo, mas os chineses já fizeram diversos movimentos importantes no
setor. Em 2010 a Sinopec aportou US$ 7,1 bilhões na Repsol do Brasil,
garantindo 40% do capital da companhia. Hoje, a Repsol Sinopec extrai
petróleo do campo de Sapinhoá, na Bacia de Santos, com reserva estimada
em 2,1 bilhões de barris, e no poço Guará-1, em Santos, que pode
garantir uma produção de 120 mil barris diários. Em novembro, outro
bloco explorado na bacia de Campos dará início a perfurações para
encontrar petróleo e gás. O grupo avalia a participação em outros
leilões depois de Libra e não descarta aquisições.
Petróleo para eles A presidente da Bomcobrás, Wang Shu Wei (abaixo): joint venture
para construir equipamentos para a cadeia de óleo e gás. A Repsol Sinopec, presidida
por José Maria Moreno (acima), já estuda participar de outros leilões
Também a CNPC, matriz da petroleira Petrochina, já atua no Brasil,
associada a outra estatal chinesa, a Bomco, maior fabricante chinesa de
máquinas e equipamentos para a cadeia de óleo e gás. Juntamente com a
Brasil China Petróleo, importadora criada em 2008, o trio formou uma
joint venture, a Bomcobras, que está construindo uma fábrica na cidade
de Dias D’Ávila, no Recôncavo Baiano, com um investimento de R$ 150
milhões, que deve ser finalizada em junho de 2014. Inicialmente, sondas,
mastros e toda sorte de maquinários serão importados e montados
localmente. Mas, em breve, serão fabricados no País, para atender à
regra de conteúdo nacional demandado nas licitações.
“Quem quer que seja o vencedor do leilão de Libra é nosso potencial
cliente”, diz Mateus Men de Sá, gerente de marketing da Bomcobras. A
empresa, presidida pela executiva Wang Shu Wei, chinesa residente no
Brasil há 25 anos, não descarta montar uma operação financeira no médio
prazo, para financiar as vendas para seus clientes. “Sinodependência” A
relação mais estreita entre os dois países já levantou críticas
apaixonadas contra uma espécie de “sinodependência” brasileira. “É um
absurdo Libra ficar com o governo chinês”, vociferou José Serra, o
eterno presidenciável do PSDB, na semana passada. “Agora vamos ficar
numa situação praticamente de uma quase colônia da China, um
neocolonialismo do Brasil em relação à China.”
O ex-embaixador Hugueney tem uma resposta na ponta da língua para
esse tipo de crítico. “Isso é um grande besteirol”, diz Hugueney. “Se
for assim, o mundo é sinodependente, uma vez que a China não para de
crescer e de ganhar importância no comércio exterior de todos os
países.” Ele lembra que os Estados Unidos, por exemplo, são o maior
exportador de soja para o mercado chinês e o segundo fornecedor de
frango. “Somos tão dependentes da China quanto a China é dependente do
Brasil.” Para Charles Tang, presidente Câmara de Comércio e Indústria
Brasil China, o País é o único entre os emergentes com quem os chineses
não têm chances de chegar a conflitos.
Investimento turbinado: com aval da matriz chinesa, Luis Cury, CEO da Chery Motors no País,
ampliou os recursos para a operação brasileira
“O Brasil só terá prosperidade com a China”, diz Tang. Em outras
palavras: bem conduzida, a integração de interesses entre os dois
países, cujas economias são complementares, vai mostrar que o que é bom
para a China também é bom para o Brasil. Ao menos no mundo
automobilístico essa profecia já se torna realidade. As montadoras
asiáticas estão ampliando seus projetos no País. É o caso da Chery.
Antes mesmo de inaugurar a sua linha de produção em Jacareí, no interior
paulista, numa fábrica que ficará pronta em abril de 2014, a matriz
ampliou de R$ 800 milhões para cerca de R$ 1,2 bilhão os recursos
destinados à operação brasileira.
A unidade terá capacidade para montar 100 mil carros por ano,
inicialmente, e poderá chegar a 150 mil. “A ordem da matriz é conquistar
3% do mercado brasileiro nos próximos cinco anos”, afirma Luis Cury,
CEO da companhia no Brasil. “Na China, é consenso que o Brasil é uma
fronteira que precisa ser desbravada.” Assim como a Chery, a JAC Motors
ampliou de R$ 600 milhões, há dois anos, para R$ 900 milhões, em 2012, e
R$ 1 bilhão, neste ano, seus investimentos no País. Sob o comando de
Sérgio Habib, a marca está construindo uma fábrica em Camaçari, na
Bahia, onde montará também um modelo de caminhão de pequeno porte para
uso urbano, chamado de T140. “O otimismo da empresa tem crescido à
medida que o setor mostra resistência às oscilações da economia”,
afirmou Habib.
As montadoras não são as únicas que refletem o apetite chinês pelo
mercado brasileiro. A gigante de equipamentos de telecomunicação Huawei,
após assumir a liderança no mercado brasileiro em infraestrutura de
telefonia celular, no ano passado, à frente da sueca Ericsson, decidiu
trazer da China duas novas operações: uma fábrica de aparelhos como
modens e smartphones, em Jundiaí (SP), e o departamento de serviços de
rede para empresas. Em cinco anos, os investimentos devem superar R$ 700
milhões. “Estamos presentes em praticamente todo o mercado de
telefonia”, diz o diretor de operações da empresa, Vinicius Dalben. No
setor financeiro, os bancos ICBC e Bank of China também fincaram a
bandeira vermelha por aqui (leia infográfico).
Se no mundo da tecnologia os chineses são gigantes em franco
crescimento, no campo das commodities eles querem ser imbatíveis. Embora
a China já seja o maior comprador da soja e do minério de ferro
produzidos no País, há um visível empenho para que se torne também
protagonista em produção, especialmente no agronegócio. Na semana
passada, a Chongqing Grain Group, responsável por um investimento de R$
600 milhões na Bahia, com a construção de uma esmagadora de grãos no
município de Barreiras, anunciou que dobrará os recursos neste ano, para
quase R$ 1,2 bilhão. O presidente do Grupo, Yinfeng Wang, afirma que os
chineses nunca tiveram tanta pressa para se instalar no País.
“Essa onda de investimentos representa um novo marco nas relações
do Brasil com a China no segmento do agronegócio e abre grandes
oportunidades em áreas, como a de fertilizantes”, afirmou Wang. O que já
é bom poderia ser ainda melhor. A ofensiva chinesa no agronegócio
enfrenta resistência nas alas mais protecionistas no governo,
principalmente quando há tentativa de adquirir terras. Em 2011, a
Advocacia Geral da União (AGU) endossou um parecer que restringe os
investimentos estrangeiros em compra de grandes propriedades
brasileiras, sob o argumento de proteção da segurança nacional.
Naquele ano, a decisão paralisou R$ 4 bilhões em recursos chineses
que estavam sendo utilizados para a compra de áreas rurais, movimento
que tem ocorrido em países africanos. “Os chineses só não investem mais
na agricultura porque o Brasil não deixa”, diz José Vicente Ferraz,
presidente da consultoria Informa Economics FNP. Enquanto o polêmico nó
dos investimentos estrangeiros em aquisição de fazendas não é desatado,
os chineses estão avançando da porteira para fora, na aquisição de
indústrias e na participação de projetos de infraestrutura.
Um levantamento do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) revela
que cerca de R$ 7 bilhões serão injetados em setores estratégicos nos
próximos dois anos. “O governo brasileiro está estimulando os
investimentos em portos, aeroportos, ferrovias e energia”, afirma André
Soares, coordenador de pesquisa da CEBC. O setor energético é, de fato, o
baú do tesouro. Um relatório da Agência Internacional de Energia
divulgado em setembro mostrou que o País recebeu US$ 18,2 bilhões em
investimentos chineses entre 2005 e 2012 nessa área. Os recursos no
setor devem dobrar até 2020, o que inclui aportes em projetos de
petróleo.
O engenheiro Segen Estefen, professor titular de estruturas
oceânicas da Coppe, instituto ligado à Universidade Federal do Rio de
Janeiro, lembra que, além do Campo de Libra, disputado nesta semana, há
expectativas que outras reservas similares, em águas profundas, sejam
encontradas na costa entre o Espírito Santo e Santa Catarina. E o Brasil
tem a tecnologia necessária para prospectar esse tesouro. “Só não temos
o capital que uma empreitada dessas exige, mas os chineses têm”, diz
Estefen. Trata-se, portanto, de um casamento promissor, cuja lua de mel
pode começar agora.
“Mudança na China abre oportunidades para manufaturados brasileiros”
Nascido na Espanha, filho de pai americano e mãe francesa, o
professor de Finanças Internacionais da Universidade de Pequim Michael
Pettis é um especialista em economia chinesa. Na semana passada, Pettis
conversou com a DINHEIRO durante um evento organizado pela Acrefi, a
entidade das financeiras e bancos, em São Paulo.
Como o sr. vê o interesse chinês no pré-sal?
O governo chinês está pressionando suas petroleiras a atuarem com
mais vigor no Exterior. Se eu fosse um dos interessados no pré-sal
brasileiro, estaria muito preocupado com essa concorrência.
Para o Brasil, é uma boa notícia?
Sem dúvida. Há muitos benefícios para o Brasil no interesse chinês
em investir no País. O governo da China percebeu que para ser mais
competitivo é importante que suas empresas sejam capazes de se espalhar
pelo mundo afora. Foi assim com as companhias americanas, na década de
1920, com as árabes, em 1970, e com as japonesas, nos anos 1980.
Como sr. avalia a mudança na economia chinesa, com menos investimentos e mais consumo?
Embora inevitável, esse reequilíbrio não será simples. É um
processo difícil, que envolve decisões políticas com custos econômicos.
Ao trocar investimento em infraestrutura por mais consumo, o patamar de
crescimento do PIB chinês cairá dos atuais 7% para algo entre 3% e 4%
nos próximos anos.
Haverá impacto nos preços das commodities?
Sem dúvida. A China representa 60% do consumo global de minério de
ferro. Isso é desproporcional. Acredito que em cinco anos esse consumo
será muito menor, derrubando os preços em até 50%. Esse processo de
ajuste está apenas no começo.
Nesse cenário, o Brasil terá problemas em sua balança comercial...
É muito importante que o Brasil se livre da dependência de
commodities para crescer de forma sustentável. Sei que isso é difícil de
ser feito num cenário de preços ainda altos. Por outro lado, o
rebalanceamento chinês trará oportunidades para as manufaturas
brasileiras e mexicanas.
Como isso vai acontecer?
A China só era competitiva com câmbio desvalorizado, juro baixo e
salários reduzidos. Mas, agora, essas três variáveis estão se invertendo
e suas exportações de manufaturados vão cair nos próximos cinco anos.
Vejo aí uma janela de oportunidades para as indústrias brasileiras e
mexicanas.
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