Desde que a Schincariol foi comprada pelo grupo japonês, a cervejaria de itu perdeu mercado. agora, um grupo de ex-executivos da Unilever quer mudar isso. A receita: misturar a velha e boa organização europeia com a paciência oriental
Por Carlos Eduardo VALIM
Saem as garotas-propagandas devassas, representadas por
celebridades como Paris Hilton, Alinne Moraes e Sandy, de contrabando.
Entra o septuagenário Erasmo Carlos, uma das maiores estrelas dentre os
roqueiros da Jovem Guarda na década de 1960 e dono de hits como É
Proibido Fumar, que vai completar meio século no próximo ano. A troca
das beldades pelo vovô Tremendão representa bem a mudança de estilo na
terceira maior cervejaria do País, desde que a japonesa Kirin adquiriu a
Schincariol, por R$ 6,2 bilhões, no fim de 2010. Desaparecem a
agilidade, a agressividade e a informalidade de gestão, sobretudo no
relacionamento com o Fisco, que chegava até a colocar a família
Schincariol em problemas com a Justiça.
É uma Brasa, mora!: Erasmo Carlos, veterano da Jovem Guarda, foi recrutado para ajudar
a ampliar as vendas. Mas, pelo jeito, desafinou
Passam a ser um mantra o cuidado, a qualidade de processos, os
extensos estudos de mercado e até certa lentidão da jovem guarda da
empresa, formada pelos controladores japoneses e por um corpo de
executivos vindo de gigantes multinacionais de bens de consumo, em
especial da anglo-holandesa Unilever. “Para nós, há quatro palavrinhas
básicas: metodologia, governança, disciplina e constância”, afirma o CEO
da Brasil Kirin, Gino Di Domenico, filho de italianos nascido no Peru e
que vive desde os anos 1970 no Brasil.
Essa visão ficou clara na estratégia de lançamento dos
refrigerantes com fibras Fibz, no começo de outubro. Trata-se do projeto
mais importante deste ano da Kirin e faz parte do plano de
investimentos da empresa de R$ 1 bilhão até 2014. Mas, apesar de toda a
sua relevância, o Fibz demorou 18 meses para chegar ao mercado. Esse
tempo foi usado em pesquisas de mercado, estudo do consumidor potencial,
escolha das embalagens e na definição do nome do produto. Por tudo
isso, a ambição da Kirin com o Fibz não tem limites. “Queremos
reinventar a categoria de refrigerantes, que combine sabor com saúde”,
diz Maria Inez Murad, vice-presidente de marketing.
Aposta ousada: Di Domenico, da Brasil Kirin, investe em refrigerante
à base de fibras para tentar ganhar mercado no Brasil
Essa postura, é claro, dá mais garantias de que lançamentos como o
Fibz tenham sucesso no mercado. Para quem observa de fora, no entanto, a
empresa parece engessada. Há vários sinais de que isso possa ser
verdade. A Kirin já havia perdido a segunda posição do mercado de
cervejas para o grupo Petrópolis – a diferença é de apenas 0,25 ponto
percentual. Em agosto deste ano, sua marca Nova Schin foi superada pela
Itaipava, a principal bebida da concorrente, segundo dados da empresa de
pesquisas Nielsen. As vendas de cervejas da Kirin caíram 0,7% no
primeiro semestre de 2013, fazendo com que a projeção de faturamento
fosse revisada para R$ 4 bilhões neste ano, o que equivale a R$ 120
milhões a menos do que a meta inicial.
Não é um desempenho a ser comemorado, muito menos para soltar
rojões. Mas, mesmo assim, é menor do que a queda do mercado, que foi de
2% no mesmo período. Estilo japonês Desde que assumiu o comando da
Kirin, Di Domenico, que ocupava a diretoria de operações sob os antigos
controladores, dividiu a estratégia da empresa em três etapas. O
primeiro ano sob a direção da Kirin foi tomado por uma reestruturação e
um avanço na profissionalização que os primos Gilberto e Adriano
Schincariol já vinham buscando. “Colocamos o trem nos trilhos, definimos
prioridades e o que cada um precisa fazer”, afirma Di Domenico.
Uma das missões do executivo foi cortar 25% do portfólio de
produtos e acabar com a visão industrial da companhia, de querer vender
tudo o que a fábrica podia produzir. “Agora viramos o canhão para sermos
uma empresa de bens de consumo, que produz de acordo com a demanda do
consumidor”, diz Di Domenico. Os resultados, segundo a empresa,
superaram o esperado. O faturamento atingiu R$ 3,6 bilhões no ano
passado, R$ 100 milhões acima da meta. O Ebitda de R$ 602 milhões também
superou a previsão. “Mudamos de patamar de geração de lucro”, diz Di
Domenico. Na sequência, a missão foi iniciar um período de inovações, do
qual o Fibz é o principal símbolo.
O conselheiro: Vinicius Prianti, ex-CEO da Unilever e membro do conselho estratégico
da Brasil Kirin, ajuda a definir os planos para o crescimento no Brasil
Agora começa a terceira fase. “É o momento da consolidação”, afirma
Di Domenico. “Para os japoneses significa um plano de cinco anos, não
de seis meses.” Tudo incentivava para que os prazos de decisão se
tornassem mais alongados: da cultura nipônica baseada na paciência à
grande diferença de fuso horário. Mas o estilo da nova gestão não pode
ser creditado apenas aos japoneses. O perfil da direção brasileira
também explica muito da postura atual. O engenheiro mecânico Di
Domenico, que como diretor de operações respondia pelas áreas de
logística e distribuição da Schincariol, foi o preferido dos atuais
controladores para conduzir os negócios.
Com uma larga experiência na área industrial, construída durante 11
anos na Unilever, ele chegou à empresa de bebidas há seis anos e logo
tratou de instituir a metodologia de práticas fabris TPM (sigla para
manutenção produtiva total), criada no Japão. O executivo havia
trabalhado na Unilever com a metodologia que também era adotada pela
Kirin. Como parte dessa missão, Di Domenico implementou o projeto
apelidado de “meia seca”. “Eu disse que queria andar na fábrica sem
precisar molhar a meia ou cortar o pé”, afirma o executivo. “Hoje não
existe companhia de bebida no Brasil com o nosso nível de limpeza.”
Para complementar essas suas habilidades operacionais, ele foi
buscar o auxílio de Vinicius Prianti, um ex-CEO da gigante de bens de
consumo anglo-holandesa, para a definição de estratégias comerciais. O
executivo chegou para fazer parte, junto com Di Domenico, do conselho
estratégico da empresa no Brasil, que também é composto por três
japoneses. Prianti é o único brasileiro a fazer parte de um conselho
consultivo global da Kirin. Segundo um consultor do mercado, seria ele o
homem forte por trás de muitas das principais decisões estratégicas da
Kirin no País.
Desde a sua chegada, o corpo de principais executivos é dominado
por egressos da Unilever. Além de Prianti, Di Domenico e Maria Inez, o
vice-presidente financeiro, Fabio Marchiori, e o de assuntos
corporativos, Juliana Nunes. Eles trazem uma cultura de detalhados
estudos estratégicos e de processos bem definidos.Maratona O novo estilo
da Kirin é pouco comum no setor de bebidas, conhecido por exigir
investimentos intensivos em marketing e vendas e pela agressividade de
seus maiores rivais, a Ambev e a Petrópolis, em cerveja, e a Coca-Cola e
a Pepsico, em refrigerantes.
A Petrópolis, por exemplo, se orgulha desse perfil. “Somos ágeis, e
quando precisamos tomar uma decisão sentamos com o dono, Walter Faria, e
resolvemos na hora”, diz Douglas Costa, diretor de mercado da
Petrópolis. “Vamos para cima dos concorrentes. Se pararmos de investir,
somos atropelados.” Um exemplo disso está no fato de a Petrópolis estar
desembolsando R$ 1,2 bilhão na construção de duas fábricas destinadas a
atacar o mercado nordestino, onde a antiga Schincariol tinha uma
presença importante. A primeira, inaugurada em agosto, fica em
Alagoinhas, na Bahia, de frente para uma linha de produção da Kirin. A
segunda será aberta em Itapissuma, em Pernambuco, onde a Ambev também
inaugurou uma fábrica no ano passado.
A competição entre as cervejarias no mercado do Nordeste não se
restringe apenas à construção de fábricas. A Petrópolis fechou acordos
para dar o nome de Itaipava aos estádios da Copa do Mundo de Recife e
Salvador. Já a Ambev tomou o patrocínio do Carnaval de Salvador, em
2012, depois de ele ter ficado por mais de dez anos com a Schincariol.
Para a Kirin, no melhor estilo japonês, a disputa é de uma maratona, não
de uma prova de 100 metros raso. A empresa começou há dois anos um
plano de chegar a um milhão de pontos de venda no País. No momento,
possui mais de 600 mil e, segundo as contas de Di Domenico, serão
necessários mais três ou quatro anos para atingir a meta. “Estamos
preocupados com o curtíssimo prazo”, diz o executivo. “Mas o foco está
no longo prazo.” Resta aguardar para saber se no futuro os vencedores
serão os ágeis concorrentes ou a conservadora jovem guarda da Brasil
Kirin.
Quebrando o gelo
Além da Kirin, outra grande empresa de bebidas japonesa abriu os
olhos para o mercado brasileiro. A Suntory, fabricante dos mais
populares uísques vindos da Terra do Sol Nascente, anunciou que estuda
operar uma engarrafadora no País. A empresa, que havia deixado de
vender para o mercado brasileiro em 2004, resolveu retornar no ano
passado. Desde dezembro, a trading Tradbras importa e distribui as
bebidas da marca Suntory aqui. As vendas, que podem chegar a US$ 10
milhões em 2015, e a forte comunidade de japoneses radicada em São Paulo
estimulam a estratégia.
Em sua primeira passagem pelo Brasil, a Suntory chegou a ter um
restaurante com o seu nome nos Jardins, bairro nobre de São Paulo.
Globalmente, a empresa fatura US$ 21,8 bilhões, com a venda de
produtos como licores, cervejas, refrigerantes, cosméticos e alimentos.
Mas é por seu uísque que ela é mais conhecida no Ocidente. Em especial
depois de ter um papel de destaque no filme Encontros e Desencontros, de
2004, em que o americano Bill Murray interpreta um ator que protagoniza
um comercial da marca. A Suntory, assim como a Kirin, faz parte do
grupo de quatro grandes empresas de bebidas alcoólicas que dominam o
mercado japonês. Além delas, integram esse clube a Asahi e a Sapporo.
Entre 2009 e 2010, em um movimento pouco comum entre empresas do mercado
japonês, Suntory e Kirin negociaram uma fusão, que acabou não sendo
completada.
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