sábado, 19 de outubro de 2013

A jovem guarda da Brasil Kirin


Desde que a Schincariol foi comprada pelo grupo japonês, a cervejaria de itu perdeu mercado. agora, um grupo de ex-executivos da Unilever quer mudar isso. A receita: misturar a velha e boa organização europeia com a paciência oriental

Por Carlos Eduardo VALIM

Saem as garotas-propagandas devassas, representadas por celebridades como Paris Hilton, Alinne Moraes e Sandy, de contrabando. Entra o septuagenário Erasmo Carlos, uma das maiores estrelas dentre os roqueiros da Jovem Guarda na década de 1960 e dono de hits como É Proibido Fumar, que vai completar meio século no próximo ano. A troca das beldades pelo vovô Tremendão representa bem a mudança de estilo na terceira maior cervejaria do País, desde que a japonesa Kirin adquiriu a Schincariol, por R$ 6,2 bilhões, no fim de 2010. Desaparecem a agilidade, a agressividade e a informalidade de gestão, sobretudo no relacionamento com o Fisco, que chegava até a colocar a família Schincariol em problemas com a Justiça. 
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É uma Brasa, mora!: Erasmo Carlos, veterano da Jovem Guarda, foi recrutado para ajudar
a ampliar as vendas. Mas, pelo jeito, desafinou  
 
 
Passam a ser um mantra o cuidado, a qualidade de processos, os extensos estudos de mercado e até certa lentidão da jovem guarda da empresa, formada pelos controladores japoneses e por um corpo de executivos vindo de gigantes multinacionais de bens de consumo, em especial da anglo-holandesa Unilever. “Para nós, há quatro palavrinhas básicas: metodologia, governança, disciplina e constância”, afirma o CEO da Brasil Kirin, Gino Di Domenico, filho de italianos nascido no Peru e que vive desde os anos 1970 no Brasil.
 
Essa visão ficou clara na estratégia de lançamento dos refrigerantes com fibras Fibz, no começo de outubro. Trata-se do projeto mais importante deste ano da Kirin e faz parte do plano de investimentos da empresa de R$ 1 bilhão até 2014. Mas, apesar de toda a sua relevância, o Fibz demorou 18 meses para chegar ao mercado. Esse tempo foi usado em pesquisas de mercado, estudo do consumidor potencial, escolha das embalagens e na definição do nome do produto. Por tudo isso, a ambição da Kirin com o Fibz não tem limites. “Queremos reinventar a categoria de refrigerantes, que combine sabor com saúde”, diz Maria Inez Murad, vice-presidente de marketing.
 
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Aposta ousada: Di Domenico, da Brasil Kirin, investe em refrigerante
à base de fibras para tentar ganhar mercado no Brasil
 
Essa postura, é claro, dá mais garantias de que lançamentos como o Fibz tenham sucesso no mercado. Para quem observa de fora, no entanto, a empresa parece engessada. Há vários sinais de que isso possa ser verdade. A Kirin já havia perdido a segunda posição do mercado de cervejas para o grupo Petrópolis – a diferença é de apenas 0,25 ponto percentual. Em agosto deste ano, sua marca Nova Schin foi superada pela Itaipava, a principal bebida da concorrente, segundo dados da empresa de pesquisas Nielsen. As vendas de cervejas da Kirin caíram 0,7% no primeiro semestre de 2013, fazendo com que a projeção de faturamento fosse revisada para R$ 4 bilhões neste ano, o que equivale a R$ 120 milhões a menos do que a meta inicial. 
 
Não é um desempenho a ser comemorado, muito menos para soltar rojões. Mas, mesmo assim, é menor do que a queda do mercado, que foi de 2% no mesmo período. Estilo japonês Desde que assumiu o comando da Kirin, Di Domenico, que ocupava a diretoria de operações sob os antigos controladores, dividiu a estratégia da empresa em três etapas. O primeiro ano sob a direção da Kirin foi tomado por uma reestruturação e um avanço na profissionalização que os primos Gilberto e Adriano Schincariol já vinham buscando. “Colocamos o trem nos trilhos, definimos prioridades e o que cada um precisa fazer”, afirma Di Domenico.
 
Uma das missões do executivo foi cortar 25% do portfólio de produtos e acabar com a visão industrial da companhia, de querer vender tudo o que a fábrica podia produzir. “Agora viramos o canhão para sermos uma empresa de bens de consumo, que produz de acordo com a demanda do consumidor”, diz Di Domenico. Os resultados, segundo a empresa, superaram o esperado. O faturamento atingiu R$ 3,6 bilhões no ano passado, R$ 100 milhões acima da meta. O Ebitda de R$ 602 milhões também superou a previsão. “Mudamos de patamar de geração de lucro”, diz Di Domenico. Na sequência, a missão foi iniciar um período de inovações, do qual o Fibz é o principal símbolo.
 
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O conselheiro: Vinicius Prianti, ex-CEO da Unilever e membro do conselho estratégico
da Brasil Kirin, ajuda a definir os planos para o crescimento no Brasil
 
Agora começa a terceira fase. “É o momento da consolidação”, afirma Di Domenico. “Para os japoneses significa um plano de cinco anos, não de seis meses.” Tudo incentivava para que os prazos de decisão se tornassem mais alongados: da cultura nipônica baseada na paciência à grande diferença de fuso horário. Mas o estilo da nova gestão não pode ser creditado apenas aos japoneses. O perfil da direção brasileira também explica muito da postura atual. O engenheiro mecânico Di Domenico, que como diretor de operações respondia pelas áreas de logística e distribuição da Schincariol, foi o preferido dos atuais controladores para conduzir os negócios.
 
Com uma larga experiência na área industrial, construída durante 11 anos na Unilever, ele chegou à empresa de bebidas há seis anos e logo tratou de instituir a metodologia de práticas fabris TPM (sigla para manutenção produtiva total), criada no Japão. O executivo havia trabalhado na Unilever com a metodologia que também era adotada pela Kirin. Como parte dessa missão, Di Domenico implementou o projeto apelidado de “meia seca”. “Eu disse que queria andar na fábrica sem precisar molhar a meia ou cortar o pé”, afirma o executivo. “Hoje não existe companhia de be­­bida no Brasil com o nosso nível de limpeza.”
 
Para complementar essas suas habilidades operacionais, ele foi buscar o auxílio de Vinicius Prianti, um ex-CEO da gigante de bens de consumo anglo-holandesa, para a definição de estratégias comerciais. O executivo chegou para fazer parte, junto com Di Domenico, do conselho estratégico da empresa no Brasil, que também é composto por três japoneses. Prianti é o único brasileiro a fazer parte de um conselho consultivo global da Kirin. Segundo um consultor do mercado, seria ele o homem forte por trás de muitas das principais decisões estratégicas da Kirin no País.
 
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Desde a sua chegada, o corpo de principais executivos é dominado por egressos da Unilever. Além de Prianti, Di Domenico e Maria Inez, o vice-presidente financeiro, Fabio Marchiori, e o de assuntos corporativos, Juliana Nunes. Eles trazem uma cultura de detalhados estudos estratégicos e de processos bem definidos.Maratona O novo estilo da Kirin é pouco comum no setor de bebidas, conhecido por exigir investimentos intensivos em marketing e vendas e pela agressividade de seus maiores rivais, a Ambev e a Petrópolis, em cerveja, e a Coca-Cola e a Pepsico, em refrigerantes.
 
A Petrópolis, por exemplo, se orgulha desse perfil. “Somos ágeis, e quando precisamos tomar uma decisão sentamos com o dono, Walter Faria, e resolvemos na hora”, diz Douglas Costa, diretor de mercado da Petrópolis. “Vamos para cima dos concorrentes. Se pararmos de investir, somos atropelados.” Um exemplo disso está no fato de a Petrópolis estar desembolsando R$ 1,2 bilhão na construção de duas fábricas destinadas a atacar o mercado nordestino, onde a antiga Schincariol tinha uma presença importante. A primeira, inaugurada em agosto, fica em Alagoinhas, na Bahia, de frente para uma linha de produção da Kirin. A segunda será aberta em Itapissuma, em Pernambuco, onde a Ambev também inaugurou uma fábrica no ano passado.
 
A competição entre as cervejarias no mercado do Nordeste não se restringe apenas à construção de fábricas. A Petrópolis fechou acordos para dar o nome de Itaipava aos estádios da Copa do Mundo de Recife e Salvador. Já a Ambev tomou o patrocínio do Carnaval de Salvador, em 2012, depois de ele ter ficado por mais de dez anos com a Schincariol. Para a Kirin, no melhor estilo japonês, a disputa é de uma maratona, não de uma prova de 100 metros raso. A empresa começou há dois anos um plano de chegar a um milhão de pontos de venda no País. No momento, possui mais de 600 mil e, segundo as contas de Di Domenico, serão necessários mais três ou quatro anos para atingir a meta. “Estamos preocupados com o curtíssimo prazo”, diz o executivo. “Mas o foco está no longo prazo.” Resta aguardar para saber se no futuro os vencedores serão os ágeis concorrentes ou a conservadora jovem guarda da Brasil Kirin.
 
 
Quebrando o gelo
 
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Além da Kirin, outra grande empresa de bebidas japonesa abriu os olhos para o mercado brasileiro. A Suntory, fabricante dos mais populares uísques vin­­dos da Terra do Sol Nascente, anunciou que estuda operar uma engarrafadora no País. A empresa, que havia deixado de vender para o mercado brasileiro em 2004, resolveu retornar no ano passado. Desde dezembro, a trading Tradbras importa e distribui as bebidas da marca Suntory aqui. As vendas, que podem chegar a US$ 10 milhões em 2015, e a forte comunidade de japoneses radicada em São Paulo estimulam a estratégia.
Em sua primeira passagem pelo Brasil, a Suntory chegou a ter um restaurante com o seu nome nos Jardins, bairro nobre de São Paulo. 
 
Globalmente, a empresa fatura US$ 21,8 bilhões, com a venda de produtos como licores, cervejas, refrigerantes, cosméticos e alimentos. Mas é por seu uísque que ela é mais conhecida no Ocidente. Em especial depois de ter um papel de destaque no filme Encontros e Desencontros, de 2004, em que o americano Bill Murray interpreta um ator que protagoniza um comercial da marca. A Suntory, assim como a Kirin, faz parte do grupo de quatro grandes empresas de bebidas alcoólicas que dominam o mercado japonês. Além delas, integram esse clube a Asahi e a Sapporo. Entre 2009 e 2010, em um movimento pouco comum entre empresas do mercado japonês, Suntory e Kirin negociaram uma fusão, que acabou não sendo completada.
 

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