Ao apostar na valorização de peças-ícones e rejeitar vender suas
roupas pela internet, o CEO da Chanel, Bruno Pavlovsky, mostra que,
para a marca francesa, inovar, muitas vezes, é ir na contramão das
tendências do mercado
Por Bruna BORELLI
Fosse o ano de 1955 e você estivesse com a sua mulher em
Paris, diante da vitrine da loja da Chanel, certamente testemunharia o
encantamento dela com uma pequena bolsa preta confeccionada em matelassê
– aquele couro pespontado em quadrados – com alça em corrente dourada.
Mais de cinco décadas depois, o acessório, batizado de 2.55 (mês e ano
de sua criação) ainda mantém o poder de sedução sobre as mulheres do
mundo todo. E é a mesmíssima bolsa lançada pela lendária Coco Chanel, a
fundadora e alma da grife francesa. É com essa estratégia, de valorizar
suas peças-ícones, como o perfume Chanel nº 5 (leia "A herança" ao final
da reportagem), que a maison tem buscado se diferenciar de suas fortes
concorrentes.
Homenagem: as celebridades Carine Roitfeld (à esquerda), Georgia Jagger e Diane Kruger
posaram para as lentes de Karl Lagerfeld usando o icônico casaco de tweed da grife
Trata-se de uma política seguida à risca pelo CEO da companhia,
Bruno Pavlovsky. Para ele, investir nos clássicos só enaltece a
identidade da marca. “Isso é ser Chanel”, diz ele. Em entrevista
concedida à DINHEIRO em São Paulo, onde esteve para a inauguração da
exposição The little black jacket, aberta ao público na Oca, no Parque
do Ibirapuera, e que vai até o dia 1º de dezembro, Pavlovsky afirma que
esse plano nada mais é do que respeitar o talento da fundadora da grife,
a estilista Gabrielle “Coco” Chanel. Nos anos 1920, a Coco tornou-se
célebre ao criar uma moda confortável e à frente do seu tempo para as
mulheres da época.
Com o passar dos anos, muitas de suas criações foram eternizadas
pelas fãs da maison. Como dizia a própria Coco: “Estilo não sai de
moda”. E a Chanel também. “Ela foi uma mulher tão revolucionária na moda
feminina e tem uma imagem tão ligada à transformação que suas criações
ainda cabem na sociedade contemporânea”, afirma Silvio Passarelli,
diretor do MBA em gestão do luxo da Faculdade Armando Álvares Penteado
(Faap). “Muitos estilistas, depois de dez anos de carreira, já estão
datados. Mas ela continua presente.” No plano de negócios revelado por
Pavlovsky ainda chamam a atenção dois outros pontos.
Marketing: o CEO Bruno Pavlovsky veio ao Brasil para a inauguração da exposição
The little black jacket, com fotos extraídas do livro homônimo
O primeiro diz respeito a rejeitar, por ora, a venda online de
roupas – apenas cosméticos e perfumaria são ofertados pela internet. A
prática é fartamente aplicada pelas concorrentes, mas o CEO acredita que
não funcionaria para a sua maison. Ele diz que adora o mundo digital e
acha que a web é um ótimo espaço para fazer suas consumidoras conhecerem
e acompanharem as ações da grife, mas não pretende entrar nesse mercado
tão cedo. Em outras palavras, o executivo usa a internet sim,
porém, mais para atrair as clientes a irem às lojas físicas. Isso
porque, segundo o executivo, nada substitui a experiência de ir a uma
das butiques e provar as roupas, sentir o tecido e ver o acabamento com
seus próprios olhos.
Embora ignorando, até o momento, essa poderosa plataforma de
negócios, a Chanel se mantém entre as dez marcas mais valiosas do
mercado de luxo global. Segundo o estudo da consultoria Millward Brown, a
grife está em quarto lugar, com US$ 6,6 bilhões de valor de mercado,
num ranking que é liderado pela conterrânea Louis Vuitton, que vale
quatro vezes mais – US$ 25,9 bilhões. No sentido inverso, marcas que
investem pesadamente em e-commerce, como a Burberry, ficaram atrás da
Chanel, na décima posição. “As estratégias de negócios no mercado de
luxo são muito particulares”, diz Passarelli. “O que funciona para a
Louis Vuitton não necessariamente funciona para a Chanel.”
Mundo digital: para se manter atual, a Chanel usa a internet
para atrair consumidores, mas não para comercializar roupas
O KAISER Outra questão relevante é o tratamento
dado ao diretor criativo da marca, o alemão Karl Lagerfeld. No posto há
30 anos, ele tem carta branca para traduzir para a modernidade os ícones
criados pela fundadora. É dado a ele também o crédito pelo crescimento
contínuo da empresa, que fatura cerca de US$ 8,1 bilhões anualmente,
segundo estimativa da Bloomberg. E Pavlovsky não esconde sua gratidão ao
kaiser, como é conhecido o estilista. “A guinada da marca no mercado de
luxo se deve à criatividade do sr. Lagerfeld”, afirma. “Ele é um gênio e
quanto mais conseguirmos manter essa parceria, melhor para nós.”
Um discurso diferente, por exemplo, do adotado por Bernard Arnault,
presidente da holding LVMH, que controla a Dior, entre outras. Em certa
ocasião, o executivo comparou a grife (na época sem diretor criativo) à
Orquestra Filarmônica de Viena, que “de tempos em tempos, pode até
tocar sem maestro de tão boa que é, mas desde que seja por apenas um
período.” Lagerfeld, além de tudo, é uma celebridade do mundo da moda e
arrasta multidões – e câmeras – por onde quer que passe. O que se viu na
terça-feira 29, durante a abertura da exposição na Oca, foi digno de um
astro de Hollywood.
Cercado por seguranças e seu staff, o kaiser provocou uma quase
histeria entre os convidados, que se espremiam para vê-lo passar. A
mostra reúne mais de 100 fotografias do livro The little black jacket,
resultado da parceria entre Lagerfeld e Carine Roitfeld, editora de moda
global da revista Harper’s Bazaar. “É muito importante para a Chanel
estar no Brasil neste momento”, diz o executivo sobre a primeira grande
investida de marketing no País. Sem abrir números, Pavlovsky
adianta que o Brasil é o segundo maior mercado em ritmo de crescimento,
nos últimos cinco anos, perdendo apenas para a China.
A capital paulista, que abriga as três únicas lojas da maison no
Brasil, é a 16a cidade a receber a exposição. Antes dela, Tóquio, Nova
York, Paris, Pequim, Londres, entre outras metrópoles do mundo, já viram
as releituras propostas ao icônico casaco em tweed preto, vestido por
personalidades como a ex-primeira-dama da França Carla Bruni e atrizes,
como Diane Kruger, Keira Knightley e a brasileira Laura Neiva. Tudo
ideia do alemão. “Se Coco Chanel estivesse viva, ela ficaria
impressionada com o trabalho de Karl Lagerfeld”, diz Pavlovsky. Ou com
ciúme, ao ver que seu sucessor, de 80 anos de idade, é quase tão
transgressor quanto ela, quando mocinha.
Herança
Nascida em 1883, Gabrielle “Coco” Chanel transformou a moda
feminina do século 20. Antes das criações da mademoiselle, as mulheres
usavam trajes desconfortáveis, com metros de tecidos e apertadíssimos,
que impediam que se movimentassem com naturalidade. Ao valorizar a
fluidez no figurino, a estilista marcou seu lugar no mundo da moda,
tanto é que suas criações continuam atuais – com a ajuda da releitura de
Karl Lagerfeld, é claro, que está na maison desde 1983.
O perfume Chanel nº 5, por exemplo, foi criado em 1921 a pedido de
Coco, que queria “um perfume de mulher com cheiro de mulher”, e se
mantém com uma das fragrâncias mais vendidas até hoje. O sapato com
biqueira bicolor, conhecida como “cap toe”, foi criado nos anos 1950 e
continua como uma das principais tendências do mundo dos calçados
atualmente. Já o casaco de tweed preto, que todo ano aparece revisitado
pelo Kaiser, foi inspirado no vestuário masculino e é tão contemporâneo
que mereceu um livro de 280 páginas e exposições pelo mundo.