Estrangeiros
elegem, pela primeira vez, seus representantes na Prefeitura de São
Paulo. Mas a mobilização deve continuar para garantir o direito de voto
dos imigrantes nas esferas municipal, estadual e federal e remediar à
discriminação.
O Paço das Artes, em São Paulo, foi palco de um evento histórico
neste domingo (30/04). Pela primeira vez no Brasil, imigrantes puderam
tomar parte em uma votação, elegendo representantes para as Cadeiras
Especiais nos Conselhos Participativos Municipais de 19 das 32
Subprefeituras da capital. Os números oficiais sobre a presença dos
imigrantes e os candidatos eleitos devem sair ainda nesta semana.
O apelo pela participação na votação foi feito por diversas entidades
e migrantes (candidatos ou não) nas últimas semanas. O tempo para
organização do pleito e mobilização de candidatos e eleitores foi bem
curto – foram menos de três meses entre o edital do processo no Diário
Oficial e a votação propriamente dita.
Mas a presença expressiva dos
imigrantes no local de votação foi uma mostra de que as comunidades
atenderam ao chamado. Em diversos momentos do dia foi possível ver filas
de pessoas de diferentes nacionalidades se formando para escolher quem
seria o representante dos imigrantes nas subprefeituras que terão a
cadeira especial.
“Na luta pelo direito ao voto do migrante no campo nacional, há
sempre uma dúvida se o migrante tem interesse em participar das decisões
da cidade onde estão morando. Acho que aqui hoje ficou muito claro que
de fato os imigrantes estão interessados e querem participar do processo
de construção da cidade e do país”, analisa Paulo Illes, coordenador de
políticas para imigrantes da Prefeitura.
A correção de uma injustiça histórica
A votação é consequência do decreto municipal que possibilita que
imigrantes residentes na capital paulista possam integrar os Conselhos
Participativos Municipais das subprefeituras.
Assim, os representantes estrangeiros podem votar e ser votados para
cadeiras de conselheiros extraordinários das administrações regionais em
que mais de 0,5% da população tenha outra nacionalidade. Vinte das 32
regiões administrativas da cidade devem eleger representantes.
A medida dribla as exigência do Tribunal Regional Eleitoral de que
todos os participantes do pleito estivessem inscritos como eleitores.
Como o Brasil é o único país da América do Sul que não dá direitos
políticos aos imigrantes, eles não podem ser inscritos em zonas e ter
título de eleitor, o que impedia que os cerca de 400 mil estrangeiros
residentes na capital cumprissem a regra.
O processo eleitoral que escolherá os imigrantes foi realizado pela
secretaria Municipal de Relações Governamentais. Vinte e dois
conselheiros devem ser eleitos. As regiões com população entre 0,5% e 1%
de estrangeiros poderão eleger um representante; as que tiverem mais do
que isso, dois. Segundo o secretário municipal de Direitos Humanos,
Rogério Sottili, apenas a Subprefeitura da Sé se enquadra nisso e deve
eleger um par de conselheiros extraordinários.
A participação no Conselho era uma reivindicação dos imigrantes da
cidade, que lutam por políticas públicas específicas e conquista de
direitos políticos, dois dos principais temas que estão sendo discutidos
na 1ª Conferência Municipal de Migrantes, que ocorre neste fim de
semana, onde foi divulgado em primeira mão que o decreto havia sido
assinado pelo prefeito no final da tarde de ontem.
Cada conselho participativo terá entre 19 e 53 pessoas, incluindo os
representantes dos imigrantes. Todos os conselheiros terão mandatos de
dois anos, não serão remunerados e terão a prerrogativa de fiscalizar a
execução orçamentária e o cumprimento das metas para cada subprefeitura.
Desde o início de sua gestão, Haddad tem demonstrado interesse pela
questão, ao criar uma coordenadoria específica para o assunto e incluir,
em seu plano de metas, a elaboração de uma política municipal para
imigrantes. Além disso, São Paulo deve engrossar uma campanha de
mudanças na lei eleitoral para que os estrangeiros residentes no país
possam participar de eleições.
Um grande avanço
Para os estrangeiros, a medida representa um grande avanço. “É só o
primeiro passo para que o imigrante deixe de ser invisível”, acredita.
Sejam como potenciais representantes ou apenas votantes, os
imigrantes presentes na eleição de ontem (30/04) celebraram a
possibilidade de participar mais da cidade na qual vivem. “Essa eleição
representa uma grande oportunidade para os migrantes de entrar e
participar da vida pública da cidade, e isso é muito importante para
nós, migrantes”, explica o italiano Leonardo Zocca, morador e candidato
pela região da Casa Verde”.
“Os imigrantes são importantes para a construção da cidade, do Estado
e do país, e precisamos trazê-los para colaborar”, diz o ex-deputado
William Woo (PV-SP), também presente na eleição, lembrando a formação
pluricultural do Brasil e de São Paulo.
A característica plural de São Paulo foi lembrada ainda por Cheung Ka
Wai, de origem chinesa e um dos candidatos da região Sé. “É uma ótima
oportunidade para os estrangeiros participarem mais, exercerem a
cidadania e mostrarem a sua força. São Paulo é uma cidade com uma
pluralidade que precisa ser representada”.
O boliviano William Flores Flores, morador do bairro da Penha, ficou
sabendo da eleição por meio da internet, de rádios comunitárias e outras
mobilizações feitas na região. “Para nós imigrantes é bom ter um
representante em nosso bairro, Todo estrangeiro necessita de um
representante e por isso estou aqui para dar meu voto”, diz.
Camila Baraldi, coordenadora-adjunta de políticas para imigrantes da
Prefeitura, também dá peso especial à mobilização feita pelos imigrantes
sobre o pleito. “É interessante perceber a organização das comunidades,
a valorização dessa participação. Esse exercício é muito importante
para que essa participação seja plena – econômica, social, cultural e
também política”.
A mobilização continua
A eleição marcou ainda mais uma etapa de mobilização da campanha Aqui
Vivo, Aqui Voto, que promoveu um ato ao final da votação para
reivindicar o direito a voto para os imigrantes no Brasil. Na tenda
armada próxima ao Paço das Artes, era possível tanto obter material de
apoio e divulgação sobre os imigrantes na capital e seus direitos, bem
como deixar sua assinatura em apoio à questão do voto para o imigrante.
Vários dos estrangeiros presentes destacaram o avanço representado
pela eleição de hoje, mas deixam claro que esperam por mais no futuro.
“A eleição é um paliativo ao que pedimos tempos atrás e sempre.
Gostaria que os estrangeiros no Brasil, cumprindo certos requisitos,
tenham direito a voto. Estamos apoiando, mas temos de entender que este é
apenas um primeiro passo”, diz o chileno Rúben Pezo Padilla, que vive
há 38 anos na capital paulista.
A também chilena Bernardita Quesada, moradora do Ipiranga e há quase
quatro décadas no Brasil, valoriza a eleição e lembra o direito a voto
que os imigrantes têm no país natal – o Brasil é o único país da América
do Sul que não reconhece aos imigrantes o direito ao voto. “Estou aqui
há 40 anos e ainda não voto, enquanto no Chile com 5 anos de residência
definitiva os imigrantes já podem votar. O Brasil se globaliza no mundo,
mas precisa globalizar também a questão política”.
Nascido em Guiné-Bissau e morador da Vila Prudente, Orlando Gomes tem
esperança que a votação de hoje seja o começo de um cenário mais
positivo para os imigrantes. “Acredito que essa eleição é um primeiro
passo. Tenho fé que essas eleições são um passo de desenvolvimento para
nós”, afirma.
Para a empresária Fanny Chu, de Taiwan, deveriam haver mais vagas
para imigrantes disponíveis nos Conselhos. ”Cada colônia deveria ter seu
representante. Duas vagas é muito pouco”, opina, referindo-se à região
Sé – que teve o maior número de candidatos deferidos (11) e única na
qual foi possível abrir mais de uma vaga em disputa.
Illes, no entanto, acredita que a forte adesão ao pleito especial
deste domingo vai fortalecer as reivindicações pelo voto imigrante. “A
comunidade migrante compareceu com entusiasmo, em diversas
nacionalidades. E isso deve potencializar nossa luta pelo direito ao
voto no campo nacional”.
PEC 347
Já está em trâmite, no Congresso Nacional, a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 347, de autoria do deputado Carlos Zarattini
(PT-SP), que prevê a possibilidade de imigrantes votarem e serem votados
no Brasil.
A proposta segue o exemplo de outros países da América do Sul que
reconhecem o direito de imigrantes votarem e serem votados. A condição
do projeto do deputado Carlos Zarattini, autor da Proposta de Emenda
Constitucional, é que as pessoas comprovem residir no país há pelo menos
4 anos.
O objetivo da PEC é alterar a redação do § 2º do art. 14 da
Constituição Federal, para conceder o direito de voto para imigrantes
residentes no Brasil há mais de 4 anos e que estejam com sua situação
migratória regular. O que significa que os imigrantes que preenchem os
requisitos preestabelecidos possam votar e de serem votado em todas as
esferas, seja federal, estadual ou municipal.
“Esta PEC é muito importante e Alampyme defende pois existem milhares
de Microempresas de Migrantes que colaboram para a riqueza do Brasil,
pagam impostos e não podem votar”, concorda o presidente Sergio Miletto.
“Defender esta PEC é defender a cidadania”, explica.
O deputado Zaratini alerta que “não podemos continuar a dar um
tratamento desigual e discriminatório aos estrangeiros residentes em
nosso País, particularmente no que diz respeito ao direito de voto.
Os imigrantes que vem com seu trabalho participando da construção de
nosso País devem ter esse direito que pretendemos estabelecer por meio
da PEC, desde que residam há mais de quatro anos no Brasil e estejam
legalmente regularizados.
A Nação brasileira é produto de milhões de imigrantes de todo mundo,
que aqui aportaram. Entre eles vieram para o Brasil chilenos,
argentinos, uruguaios, etc. que escolheram nosso País para residir em
definitivo. São pessoas que, depois de um tempo, conseguem se
estabelecer conforme as regras da legislação vigente, mas que não têm o
direito ao sufrágio.”
Países como Argentina, Bolívia, Paraguai, Chile e Uruguai já permitem
o exercício do voto aos estrangeiros desde que sejam residentes no País
entre cinco e quinze anos. Participar das eleições, segundo Zaratini, é
um clamor de milhares de imigrantes que o levaram a apresentar a PEC.
Ele ressalta que em seu Estado essa reivindicação é sintetizada de forma
muito clara: “Aqui vivo, aqui voto”.
(Agências)