José Augusto Miranda, do HSBC: "Os EUA são bem rigorosos com a documentação exigida [para abertura de conta]"
No primeiro dia após o resultado das eleições, quando abriu seu
computador pela manhã, Octavio Cardoso, vice-presidente da consultoria
Westchester Financial Group, encontrou 80 e-mails de brasileiros em vez
dos dois ou três costumeiros. De Boca Raton, na Flórida, Cardoso
respondeu à pergunta que donos de grandes patrimônios faziam à empresa,
especializada no planejamento sucessório e tributário internacional:
como mandar recursos para fora do país. No mesmo dia, outra consultoria
tributária, a Drummond, recebia em seus escritórios em Nova York, Miami,
Boston e São Paulo 30 e-mails e ligações com o mesmo tema, bem acima
dos cinco ou seis que costuma receber diariamente.
A busca por informações de como aplicar recursos fora cresceu nos
últimos meses, desde o começo da campanha eleitoral, em quatro gestores
de fortunas, três escritórios de direito e duas consultorias
especializadas no mercado internacional ouvidas pelo Valor.
"Na semana do primeiro turno, viajei ao Rio Grande do Sul só para
conversar com uma família que queria saber sobre mandar dinheiro para
fora", diz um gestor de patrimônio que preferiu não ser identificado.
Os fundos que investem recursos no exterior, produtos que se
multiplicaram no Brasil de um ano para cá, nem sempre são suficientes
para atender à demanda desse cliente, dizem os gestores de fortunas.
Isso porque essas pessoas têm buscado garantir que parte de seu
portfólio não tenha qualquer vínculo com o Brasil. O temor de mudanças
repentinas de regras para investimento, da imposição de limites para
converter moeda e da tributação de grandes fortunas estão entre os
argumentos desses donos de patrimônios ávidos por informações sobre
remessa de recursos.
Apesar de os prestadores de serviços apontarem o anseio por
informação, não há dados disponíveis para avaliar o real fluxo de
recursos para fora do país. As informações mais recentes de
investimentos brasileiros em carteira no exterior são de 2013, quando
somavam US$ 25,44 bilhões, superiores aos US$ 22,12 bilhões de 2012. A
quantidade de declarantes, que já tinha subido 22% entre 2011 e 2012,
avançou 16% em 2013, para 30.573, sendo 27.014 pessoas físicas.
Os investimentos no exterior via fundos, segundo levantamento mais
recente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e
de Capitais (Anbima), referentes a 24 de outubro, alcançavam R$ 59,76
bilhões, uma fatia equivalente a apenas 2,23% do total da indústria de
fundos.
Algumas famílias têm remetido uma parcela relevante do dinheiro para
fora, segundo Samir Choaib, sócio do Choaib, Paiva e Justo Advogados.
"Temos casos de clientes que mandaram algo como 80% da liquidez, com
medo de uma medida arbitrária. Muitos estão com metade do dinheiro
fora", diz o advogado, considerando que manter uma fatia de 20% a 30% do
patrimônio no exterior costumava ser um comportamento mais comum entre
donos de grandes patrimônios.
Choaib não vê motivo para tal comportamento. "Esse receio que muita
gente tem, de medidas mais arbitrárias, acho difícil acontecer, não tem
ambiente jurídico para isso", diz. "Não tem base legal para qualquer
tipo de medida do tipo bloqueio e confisco. Ainda que algo passasse,
cairia no judiciário", completa.
Há muitas formas legais hoje de se ter uma parcela dos recursos fora
do país. O caminho mais simples é abrir uma conta em um banco fora. Em
geral os bancos e gestores de fortunas oferecem o serviço a clientes de
alto patrimônio. Para bolsos menos fartos, é mais difícil. Questionados
pela reportagem, Bradesco, Itaú e Santander informaram que não têm o
serviço para clientes do varejo alta renda, ou seja, das bandeiras
Prime, Uniclass, Personnalité, Van Gogh e Select.
O HSBC abre conta para clientes brasileiros nos EUA, na Europa ou na
Ásia, desde que ele queira remeter valores superiores a US$ 100 mil. É
preciso ser correntista do banco no Brasil. O próprio gerente faz a
ponte com a instituição fora e o cliente interage com uma área
internacional que busca entender suas necessidades, apresentar as
alternativas de investimento e tratar das questões burocráticas.
"Os Estados Unidos são hoje bem rigorosos com a documentação exigida,
que é bem grande", diz José Augusto Miranda, chefe de gestão de
patrimônio do HSBC, área responsável pelo segmento Premier. Em geral,
segundo ele, a conta é aberta em até 30 dias.
O Citi Brasil informou, em nota, que não abre conta de clientes em
outros países. "O que fazemos é, quando procurados pelo cliente local
que tem uma necessidade específica, referenciá-lo para a filial
internacional, que conduz todo o processo de análise e abertura de
contas lá fora, seguindo os procedimentos normais do país em questão",
afirmou.
Ainda que nem sempre seja possível abrir conta no exterior por meio
do próprio banco no Brasil, qualquer pessoa pode fazer isso indo
diretamente à instituição financeira no exterior, diz Monique Haddad
Azevedo, sócia do Velloza & Girotto Advogados Associados.
Ainda há, entretanto, uma aura negativa em relação a investimentos
fora. "Os clientes nos perguntam se há alguma ilegalidade em ter conta
no exterior. Não tem", afirma Monique. "A ilegalidade está na medida em
que ele não declarar a propriedade e os rendimentos advindos dela",
completa, lembrando que a legislação define que, não importa onde a
renda for ganha, ela deve ser tributada no Brasil.
Além da declaração anual do imposto de renda, quem tem ativos
superiores a US$ 100 mil fora - o que inclui participação em empresas,
títulos de renda fixa, ações e imóveis - é obrigado a preencher
anualmente a declaração de capitais brasileiros no exterior do Banco
Central.