À frente da fábrica que a maior fabricante de caminhões da
China ergue no sul, o ex-ministro do governo de FHC se diz otimista com a
economia brasileira a partir de 2017
Por Eugênio Esber
Mendonção, como é conhecido o economista e engenheiro Luiz Carlos Mendonça de Barros, não costuma desviar de polêmicas. E elas foram muitas, especialmente nos anos 90, quando integrou a cúpula do governo de Fernando Henrique Cardoso e se colocou sob a artilharia pesada do PT durante o processo de privatização das telecomunicações. A repercussão do chamado “escândalo do grampo do BNDES”, banco que ele presidiu entre 1995 e 1998, o derrubou do posto de ministro das Comunicações em novembro de 1998, pondo fim a uma gestão que durou apenas sete meses – o suficiente para sacramentar a privatização do sistema Telebrás. Em 2009, quando o processo judicial chegou ao fim, absolvendo-o de todas as acusações de improbidade no caso dos leilões das teles, Mendonça já estava em outra. A cabeça estava do outro lado do mundo, literalmente. Executivos da chinesa Foton Aumark, maior fabricante de caminhões do mundo, andavam à procura de Mendonça para que os ajudasse a entrar no Brasil.
A ligação dos chineses com Mendonça, hoje sócio e presidente da Foton no Brasil, vem de seu período no comando do BNDES, no primeiro mandato de FHC. A China havia decidido erguer a maior hidrelétrica do mundo, a Usina de Três Gargantas, e veio buscar financiamento e tecnologia na terra de Itaipu. Mendonça abriu as portas do BNDES, e foi pessoalmente à inauguração da Usina. “A Três Gargantas tem oito turbinas construídas no Brasil, financiadas pelo BNDES e foi ali que eu tive o começo da minha relação com a China”, disse a AMANHÃ. “Por isso é que, depois, quando a Foton olhou para o Brasil, eles vieram com o meu nome para começar a conversar. Eles têm um respeito muito grande por quem ocupou um cargo público. Principalmente ministro”.
Mendonça, que tem uma trajetória ligada ao mercado financeiro, estabeleceu negociações com quatro Estados para a instalação da fábrica de caminhões da Foton. São Paulo e Espírito Santo foram descartados. O Rio de Janeiro estava levando a melhor sobre o Rio Grande do Sul por razões logísticas, mas um problema ambiental na área escolhida deu chance ao governo gaúcho – que venceu a parada ao concordar em entrar de sócio do empreendimento com um aporte de R$ 40 milhões. Mendonça, que ganhou dinheiro com o mercado financeiro e de capitais, também participa do capital da Foton.
Aos 72 anos, Mendonça se notabiliza por publicar artigos e realizar palestras em que se mostra otimista com os rumos do Brasil, na contramão do discurso dos próceres, antigos e atuais, do PSDB. “Não sou filiado ao PSDB”, esclarece. “Sou próximo. Trabalhei muito com o Fernando Henrique. Trabalhei na primeira eleição dele ao Senado, em 77. Mas nunca tive uma vida partidária”, ressalva. AMANHÃ o convida a analisar os dois principais líderes do Brasil. Algum dia eles se aproximarão, de algum modo? “Não”, interrompe Mendonção. “São dois grandes partidos antagônicos e em uma democracia é muito importante que um contraponha o outro, mas de forma civilizada, como é hoje. O Fernando Henrique e o Lula sabem que o sucesso do Brasil de hoje foi a combinação dos dois. Nada do que tem hoje existiria se houvesse um só”, completa.
Veja a seguir o que tem hoje no Brasil pelas lentes de Luiz Carlos Mendonça de Barros.
Quando a economia brasileira voltará a crescer?
Isso ainda é uma coisa difícil de prever. O que eu acho importante é que, claramente, a presidente Dilma mudou o software econômico do governo neste segundo mandato. Esta mudança é extremamente relevante porque a partir dela é que podemos fazer projeções. A Dilma no primeiro mandato inovou em relação ao presidente Lula, no sentido de que ela trouxe para o governo um pensamento tradicional do PT na economia – e em outros setores também, mas aqui estamos falando de economia.
Qual a diferença básica que Dilma estabeleceu em relação ao período Lula?
No seu primeiro mandato Dilma seguiu um pensamento econômico muito claro que o PT defende desde sua fundação. É o pensamento dominante na escola em que ela estudou, a Unicamp. Alguns dos elementos importantes do PT também estudaram lá, como o {Luiz Gonzaga) Belluzzo, o Luciano Coutinho, que presidiu o BNDES, e o {Aloizio) Mercadante, hoje o segundo homem mais importante do governo, e que por muito tempo deu aula na Unicamp. O {Guido} Mantega, embora não pertencesse à Unicamp, fez toda a carreira dele na FGV de São Paulo, que segue a mesma escola. O Lula, por uma certa razão, manteve, em seus oito anos de mandato, basicamente o software econômico do Fernando Henrique. A Dilma, não. Ela inovou, trocou todo mundo e seguiu à risca nos primeiros quatro anos o que esta escola tradicional do PT pensa sobre economia e sobre a melhor forma de administrar a política econômica no Brasil.
E como o senhor avalia o experimento de Dilma?
O resultado foi muito ruim. Mas agora temos um fato econômico importante, e que mostra que no segundo mandato ela claramente rompeu com esta escola econômica. Apesar de o Mercadante continuar no governo, ela trouxe para o Ministério da Fazenda, que é o centro de poder na gestão da economia brasileira, o {Joaquim} Levy, que é formado na escola de Chicago. E Chicago é a antítese da Unicamp. Estas duas escolas brigam aqui no Brasil há muito tempo...
Qual o divisor de águas entre estas duas escolas?
A escola Unicamp representa aqui no Brasil uma das vertentes do pensamento keynesianista, que segue em duas direções. Quando Keynes morreu, nos anos 40, deixou pouca coisa escrita e definida, mas deixou muitas ideias. Uma vertente keynesiana atua na Inglaterra, em Cambridge. E outra nos Estados Unidos, em várias universidades. Cada uma destas escolas pegou o que existia de pensamento keynesianista e tocou para a frente. E se separaram radicalmente ao longo do tempo. Tanto que o pessoal da Unicamp chama a americana de keynesianismo bastardo. Só por isso já fica claro o grau de divergência. Esta escola que a Unicamp acabou representando é socialista, levou o pensamento de Keynes a uma intervenção sistemática do governo na economia. É muito voltada para a intervenção microeconômica, para o estímulo a setores industriais.
E o ramo norte-americano do Keynesianismo?
A escola americana acabou desenvolvendo o pensamento mais neoclássico, onde a intervenção do governo na economia é feita no nível macro e não no micro. Esta é a grande divergência. Embora defendendo a presença do Estado, esta vertente americana acha que a função do governo é trabalhar na parte fiscal, na parte monetária, na parte regulatória. E, então, temos a terceira corrente, que hoje é representada pela PUC do Rio, que é a chamada escola monetarista, do Milton Friedman, que diz o seguinte: o governo não tem que se meter na economia, que é uma questão meramente privada. O governo tem que cuidar de outras coisas. Na economia, apenas manter a parte fiscal e a parte monetária corretamente, e não exercer nenhuma interferência microeconômica, em benefício de setores.
Mendonção, como é conhecido o economista e engenheiro Luiz Carlos Mendonça de Barros, não costuma desviar de polêmicas. E elas foram muitas, especialmente nos anos 90, quando integrou a cúpula do governo de Fernando Henrique Cardoso e se colocou sob a artilharia pesada do PT durante o processo de privatização das telecomunicações. A repercussão do chamado “escândalo do grampo do BNDES”, banco que ele presidiu entre 1995 e 1998, o derrubou do posto de ministro das Comunicações em novembro de 1998, pondo fim a uma gestão que durou apenas sete meses – o suficiente para sacramentar a privatização do sistema Telebrás. Em 2009, quando o processo judicial chegou ao fim, absolvendo-o de todas as acusações de improbidade no caso dos leilões das teles, Mendonça já estava em outra. A cabeça estava do outro lado do mundo, literalmente. Executivos da chinesa Foton Aumark, maior fabricante de caminhões do mundo, andavam à procura de Mendonça para que os ajudasse a entrar no Brasil.
A ligação dos chineses com Mendonça, hoje sócio e presidente da Foton no Brasil, vem de seu período no comando do BNDES, no primeiro mandato de FHC. A China havia decidido erguer a maior hidrelétrica do mundo, a Usina de Três Gargantas, e veio buscar financiamento e tecnologia na terra de Itaipu. Mendonça abriu as portas do BNDES, e foi pessoalmente à inauguração da Usina. “A Três Gargantas tem oito turbinas construídas no Brasil, financiadas pelo BNDES e foi ali que eu tive o começo da minha relação com a China”, disse a AMANHÃ. “Por isso é que, depois, quando a Foton olhou para o Brasil, eles vieram com o meu nome para começar a conversar. Eles têm um respeito muito grande por quem ocupou um cargo público. Principalmente ministro”.
Mendonça, que tem uma trajetória ligada ao mercado financeiro, estabeleceu negociações com quatro Estados para a instalação da fábrica de caminhões da Foton. São Paulo e Espírito Santo foram descartados. O Rio de Janeiro estava levando a melhor sobre o Rio Grande do Sul por razões logísticas, mas um problema ambiental na área escolhida deu chance ao governo gaúcho – que venceu a parada ao concordar em entrar de sócio do empreendimento com um aporte de R$ 40 milhões. Mendonça, que ganhou dinheiro com o mercado financeiro e de capitais, também participa do capital da Foton.
Aos 72 anos, Mendonça se notabiliza por publicar artigos e realizar palestras em que se mostra otimista com os rumos do Brasil, na contramão do discurso dos próceres, antigos e atuais, do PSDB. “Não sou filiado ao PSDB”, esclarece. “Sou próximo. Trabalhei muito com o Fernando Henrique. Trabalhei na primeira eleição dele ao Senado, em 77. Mas nunca tive uma vida partidária”, ressalva. AMANHÃ o convida a analisar os dois principais líderes do Brasil. Algum dia eles se aproximarão, de algum modo? “Não”, interrompe Mendonção. “São dois grandes partidos antagônicos e em uma democracia é muito importante que um contraponha o outro, mas de forma civilizada, como é hoje. O Fernando Henrique e o Lula sabem que o sucesso do Brasil de hoje foi a combinação dos dois. Nada do que tem hoje existiria se houvesse um só”, completa.
Veja a seguir o que tem hoje no Brasil pelas lentes de Luiz Carlos Mendonça de Barros.
Quando a economia brasileira voltará a crescer?
Isso ainda é uma coisa difícil de prever. O que eu acho importante é que, claramente, a presidente Dilma mudou o software econômico do governo neste segundo mandato. Esta mudança é extremamente relevante porque a partir dela é que podemos fazer projeções. A Dilma no primeiro mandato inovou em relação ao presidente Lula, no sentido de que ela trouxe para o governo um pensamento tradicional do PT na economia – e em outros setores também, mas aqui estamos falando de economia.
Qual a diferença básica que Dilma estabeleceu em relação ao período Lula?
No seu primeiro mandato Dilma seguiu um pensamento econômico muito claro que o PT defende desde sua fundação. É o pensamento dominante na escola em que ela estudou, a Unicamp. Alguns dos elementos importantes do PT também estudaram lá, como o {Luiz Gonzaga) Belluzzo, o Luciano Coutinho, que presidiu o BNDES, e o {Aloizio) Mercadante, hoje o segundo homem mais importante do governo, e que por muito tempo deu aula na Unicamp. O {Guido} Mantega, embora não pertencesse à Unicamp, fez toda a carreira dele na FGV de São Paulo, que segue a mesma escola. O Lula, por uma certa razão, manteve, em seus oito anos de mandato, basicamente o software econômico do Fernando Henrique. A Dilma, não. Ela inovou, trocou todo mundo e seguiu à risca nos primeiros quatro anos o que esta escola tradicional do PT pensa sobre economia e sobre a melhor forma de administrar a política econômica no Brasil.
E como o senhor avalia o experimento de Dilma?
O resultado foi muito ruim. Mas agora temos um fato econômico importante, e que mostra que no segundo mandato ela claramente rompeu com esta escola econômica. Apesar de o Mercadante continuar no governo, ela trouxe para o Ministério da Fazenda, que é o centro de poder na gestão da economia brasileira, o {Joaquim} Levy, que é formado na escola de Chicago. E Chicago é a antítese da Unicamp. Estas duas escolas brigam aqui no Brasil há muito tempo...
Qual o divisor de águas entre estas duas escolas?
A escola Unicamp representa aqui no Brasil uma das vertentes do pensamento keynesianista, que segue em duas direções. Quando Keynes morreu, nos anos 40, deixou pouca coisa escrita e definida, mas deixou muitas ideias. Uma vertente keynesiana atua na Inglaterra, em Cambridge. E outra nos Estados Unidos, em várias universidades. Cada uma destas escolas pegou o que existia de pensamento keynesianista e tocou para a frente. E se separaram radicalmente ao longo do tempo. Tanto que o pessoal da Unicamp chama a americana de keynesianismo bastardo. Só por isso já fica claro o grau de divergência. Esta escola que a Unicamp acabou representando é socialista, levou o pensamento de Keynes a uma intervenção sistemática do governo na economia. É muito voltada para a intervenção microeconômica, para o estímulo a setores industriais.
E o ramo norte-americano do Keynesianismo?
A escola americana acabou desenvolvendo o pensamento mais neoclássico, onde a intervenção do governo na economia é feita no nível macro e não no micro. Esta é a grande divergência. Embora defendendo a presença do Estado, esta vertente americana acha que a função do governo é trabalhar na parte fiscal, na parte monetária, na parte regulatória. E, então, temos a terceira corrente, que hoje é representada pela PUC do Rio, que é a chamada escola monetarista, do Milton Friedman, que diz o seguinte: o governo não tem que se meter na economia, que é uma questão meramente privada. O governo tem que cuidar de outras coisas. Na economia, apenas manter a parte fiscal e a parte monetária corretamente, e não exercer nenhuma interferência microeconômica, em benefício de setores.
Dilma seguiu à risca o programa do PT. E o resultado foi muito ruim. Ela certamente tomou um susto na eleição”
Zero de política industrial, portanto.
A política industrial é um um divisor de águas. E até mesmo no âmbito do Keynesianismo, porque os ingleses acham que dar estímulos a certos setores não é pecado mortal de um governo – ao contrário, é uma obrigação do governo, que seria o principal elemento da economia. E o Keynesianismo americano acha que o governo é um ator secundário na economia, e que só deve aparecer quando há distorções a corrigir, desequilíbrios.
O senhor já esteve no front deste debate muitas vezes, não?
No governo do Fernando Henrique havia um conflito parecido entre os tais monetaristas e os desenvolvimentistas. Eu era do grupo chamado desenvolvimentista, que segue um pouco o keynesianismo americano – no sentido de acreditar que o governo tem que intervir em determinadas circunstâncias, mas sempre de uma forma acessória. Porque o grande responsável pelo desenvolvimento econômico é o setor privado. Ao governo cabe o papel de dar ao setor privado condições de levar adiante essa missão. Só que em algum momento, o setor privado começa a fazer um monte de besteira e aí o governo tem que interferir. Foi o que aconteceu nos EUA agora, nesta crise de 2008. Lembra que o governo americano comprou ações da Chrysler e da GE? Então, a Dilma em um primeiro momento de quatro anos, como é uma pessoa disciplinada, seguiu à risca tudo o que esse pessoal mandava ela fazer. Tudo foi feito, e o resultado foi muito ruim: o crescimento desapareceu, a inflação está aí de volta, desequilíbrios fiscais, desequilíbrios externos... Ela certamente tomou um susto na eleição. A coisa ficou muito próxima de uma derrota.
O senhor conhece a presidente?
Eu não a conheço pessoalmente. Mas certamente quem chega a esta função a que ela chegou – e depois de quatro anos de mandato – é alguém que tem uma visão das coisas. Ela falou o seguinte: eu tenho mais quatro anos para fazer a minha história e a politica econômica dos primeiros quatro anos quase me custaram demais. O Lula já fez a sua experiência nos oito anos dele...por que que eu não posso fazer? E achou uma pessoa que, vamos dizer assim, está surpreendendo mesmo desenvolvimentistas como eu .... Porque ele veio do núcleo duro do monetarismo. Ele é um Malanzinho – ou um Malanzão... Só que ele, como é uma pessoa que viveu, tem uma história, quando vemos o discurso de posse dele, vemos que ele esta claramente fazendo uma adaptação. Ele não é o monetarista histórico que ele sempre foi, mas está fazendo uma adaptação meio desenvolvimentista na história.
Já é efeito de um jogo de cintura que ele adquiriu para conviver com uma presidente com o perfil de Dilma, não?
Lógico. Ele é funcionário da presidente. E, portanto, no fundo, ele tem que fazer o que ela quer que ele faça. Só que ela aceitou trilhar um caminho diferente, mas com seu limite. Ele não vai fazer uma revolução liberal no governo e na economia. Por exemplo, uma das questões centrais do discurso dele é o reconhecimento de que ao longo dos oito anos do governo Lula, e um pouco do de Dilma, se criou uma classe média nova no Brasil e isso ele fez questão de citar. O PSDB tem uma dificuldade imensa de aceitar, por um problema psicológico, sei lá, de não poder reconhecer no governo do Lula nada do que foi feito. No governo Lula, e isso é claro hoje, há uma mudança extraordinária que é o tamanho da classe média brasileira. A classe média brasileira no final do governo do Fernando Henrique era um terço da sociedade e hoje é 70%.
Este fenômeno não aconteceu em outras nações emergentes, e mesmo na América Latina, na década passada?
Não, nada. Na América Latina foi só o Brasil. E no âmbito global foram somente dois países que representaram isso: Brasil e China. Aí vem o PSDB e diz “Ah, mas foi causa da commodities...” Mas do ponto de vista político e social não interessa isso. O sujeito que vivia na informalidade e hoje é uma classe média com carteira assinada está pouco se “lixando” se foi problema da China ou do real. Ele associa de uma maneira muito clara essa melhoria de vida dele ao governo do Lula. Só que ao governo do Lula com uma política econômica desenvolvimentista, não com uma política do PT. A Dilma que resolveu voltar às origens, deu-se mal e está fazendo agora uma volta ao ensinamento do período do Lula.
Ironicamente, Dilma, que não é egressa no PT na origem, foi mais petista na política econômica que Lula.
Porque ela é uma mulher inteligente. Não é possível que uma pessoa com uma carreira como a dela seja ignorante. Ela pode ter problema de personalidade, mas é uma pessoa que consegue ler as coisas. Ela leu. Eu mesmo escrevi várias colunas e na última delas eu dizia: presidente, não trilhe o caminho anterior, volte para o caminho do Lula. E foi o que ela fez. Tanto que há na imprensa hoje certa perplexidade com o movimento dela. Mas ela fez. Achou uma pessoa que me parece totalmente adequada para este papel, porque, mesmo tendo a origem e um pensamento mais ortodoxo, está conseguindo fazer uma adaptação. Mudou tudo. Tanto é verdade que está trocando na presidência do BNDES o sr. Luciano Coutinho, que é um dos melhores economistas da Unicamp – e que era um dos executores dessa política de intervenção na economia. Ele vai embora. Para quem mantém os olhos abertos para os sinais que a política manda, é claro que essa é a coisa mais importante desta mudança. Na minha visão, este é o começo da solução dos problemas da economia brasileira. Para recolocar a economia em crescimento necessariamente teria que fazer esta mudança, e ela fez.
É o suficiente para retomar o crescimento?
Eu consigo ver a economia voltando a crescer em 2017, 2018. Em 2015, a economia não vai crescer porque vão estar sendo feitas uma série de mudanças, de ajustes. 2016 já deve trazer uma melhora na economia. Mas o crescimento do emprego, por exemplo, não vai acontecer em 2016, pelo contrário. 2015 e 2016 serão dois anos em que o emprego vai crescer muito pouco. Mas o volume de pessoas empregadas e tendo renda vai estar preservado. Quem vai sofrer mais é o pessoal de alguns segmentos, como a indústria automobilística que está tendo que adequar o número de funcionários a uma demanda mais fraca, mas ainda assim somos o quarto ou o quinto maior mercado do mundo. Mas com este movimento ela pode ter criado dois anos com alguma amolação, mas lançará a semente... E é o que interessa, do ponto de vista eleitoral, na história dela. A Dilma vai ser avaliada por 2017 e 2018 e não por 2015. Eu acredito que ela fez o movimento correto, eu acredito que vamos passar um dois anos aí andando de lado, mas...
Qual é o tamanho do solavanco que o país vai enfrentar em 2015?
Não vai ser muito grande. Alguns setores vão sofrer. Que setores são esses? Aqueles em que a demanda cresceu demais e agora vai ter alguma acomodação. Por exemplo, o automóvel. O Brasil vendia 100 mil carros por mês em 2005. Em 2012, 2013, chegou a vender 330 mil. Multiplicou por mais do que três. Agora vai cair um pouquinho, 10 ou 15%. Mas quando se olhar este período, o desempenho ainda é extraordinário.
A política industrial é um um divisor de águas. E até mesmo no âmbito do Keynesianismo, porque os ingleses acham que dar estímulos a certos setores não é pecado mortal de um governo – ao contrário, é uma obrigação do governo, que seria o principal elemento da economia. E o Keynesianismo americano acha que o governo é um ator secundário na economia, e que só deve aparecer quando há distorções a corrigir, desequilíbrios.
O senhor já esteve no front deste debate muitas vezes, não?
No governo do Fernando Henrique havia um conflito parecido entre os tais monetaristas e os desenvolvimentistas. Eu era do grupo chamado desenvolvimentista, que segue um pouco o keynesianismo americano – no sentido de acreditar que o governo tem que intervir em determinadas circunstâncias, mas sempre de uma forma acessória. Porque o grande responsável pelo desenvolvimento econômico é o setor privado. Ao governo cabe o papel de dar ao setor privado condições de levar adiante essa missão. Só que em algum momento, o setor privado começa a fazer um monte de besteira e aí o governo tem que interferir. Foi o que aconteceu nos EUA agora, nesta crise de 2008. Lembra que o governo americano comprou ações da Chrysler e da GE? Então, a Dilma em um primeiro momento de quatro anos, como é uma pessoa disciplinada, seguiu à risca tudo o que esse pessoal mandava ela fazer. Tudo foi feito, e o resultado foi muito ruim: o crescimento desapareceu, a inflação está aí de volta, desequilíbrios fiscais, desequilíbrios externos... Ela certamente tomou um susto na eleição. A coisa ficou muito próxima de uma derrota.
O senhor conhece a presidente?
Eu não a conheço pessoalmente. Mas certamente quem chega a esta função a que ela chegou – e depois de quatro anos de mandato – é alguém que tem uma visão das coisas. Ela falou o seguinte: eu tenho mais quatro anos para fazer a minha história e a politica econômica dos primeiros quatro anos quase me custaram demais. O Lula já fez a sua experiência nos oito anos dele...por que que eu não posso fazer? E achou uma pessoa que, vamos dizer assim, está surpreendendo mesmo desenvolvimentistas como eu .... Porque ele veio do núcleo duro do monetarismo. Ele é um Malanzinho – ou um Malanzão... Só que ele, como é uma pessoa que viveu, tem uma história, quando vemos o discurso de posse dele, vemos que ele esta claramente fazendo uma adaptação. Ele não é o monetarista histórico que ele sempre foi, mas está fazendo uma adaptação meio desenvolvimentista na história.
Já é efeito de um jogo de cintura que ele adquiriu para conviver com uma presidente com o perfil de Dilma, não?
Lógico. Ele é funcionário da presidente. E, portanto, no fundo, ele tem que fazer o que ela quer que ele faça. Só que ela aceitou trilhar um caminho diferente, mas com seu limite. Ele não vai fazer uma revolução liberal no governo e na economia. Por exemplo, uma das questões centrais do discurso dele é o reconhecimento de que ao longo dos oito anos do governo Lula, e um pouco do de Dilma, se criou uma classe média nova no Brasil e isso ele fez questão de citar. O PSDB tem uma dificuldade imensa de aceitar, por um problema psicológico, sei lá, de não poder reconhecer no governo do Lula nada do que foi feito. No governo Lula, e isso é claro hoje, há uma mudança extraordinária que é o tamanho da classe média brasileira. A classe média brasileira no final do governo do Fernando Henrique era um terço da sociedade e hoje é 70%.
Este fenômeno não aconteceu em outras nações emergentes, e mesmo na América Latina, na década passada?
Não, nada. Na América Latina foi só o Brasil. E no âmbito global foram somente dois países que representaram isso: Brasil e China. Aí vem o PSDB e diz “Ah, mas foi causa da commodities...” Mas do ponto de vista político e social não interessa isso. O sujeito que vivia na informalidade e hoje é uma classe média com carteira assinada está pouco se “lixando” se foi problema da China ou do real. Ele associa de uma maneira muito clara essa melhoria de vida dele ao governo do Lula. Só que ao governo do Lula com uma política econômica desenvolvimentista, não com uma política do PT. A Dilma que resolveu voltar às origens, deu-se mal e está fazendo agora uma volta ao ensinamento do período do Lula.
Ironicamente, Dilma, que não é egressa no PT na origem, foi mais petista na política econômica que Lula.
Porque ela é uma mulher inteligente. Não é possível que uma pessoa com uma carreira como a dela seja ignorante. Ela pode ter problema de personalidade, mas é uma pessoa que consegue ler as coisas. Ela leu. Eu mesmo escrevi várias colunas e na última delas eu dizia: presidente, não trilhe o caminho anterior, volte para o caminho do Lula. E foi o que ela fez. Tanto que há na imprensa hoje certa perplexidade com o movimento dela. Mas ela fez. Achou uma pessoa que me parece totalmente adequada para este papel, porque, mesmo tendo a origem e um pensamento mais ortodoxo, está conseguindo fazer uma adaptação. Mudou tudo. Tanto é verdade que está trocando na presidência do BNDES o sr. Luciano Coutinho, que é um dos melhores economistas da Unicamp – e que era um dos executores dessa política de intervenção na economia. Ele vai embora. Para quem mantém os olhos abertos para os sinais que a política manda, é claro que essa é a coisa mais importante desta mudança. Na minha visão, este é o começo da solução dos problemas da economia brasileira. Para recolocar a economia em crescimento necessariamente teria que fazer esta mudança, e ela fez.
É o suficiente para retomar o crescimento?
Eu consigo ver a economia voltando a crescer em 2017, 2018. Em 2015, a economia não vai crescer porque vão estar sendo feitas uma série de mudanças, de ajustes. 2016 já deve trazer uma melhora na economia. Mas o crescimento do emprego, por exemplo, não vai acontecer em 2016, pelo contrário. 2015 e 2016 serão dois anos em que o emprego vai crescer muito pouco. Mas o volume de pessoas empregadas e tendo renda vai estar preservado. Quem vai sofrer mais é o pessoal de alguns segmentos, como a indústria automobilística que está tendo que adequar o número de funcionários a uma demanda mais fraca, mas ainda assim somos o quarto ou o quinto maior mercado do mundo. Mas com este movimento ela pode ter criado dois anos com alguma amolação, mas lançará a semente... E é o que interessa, do ponto de vista eleitoral, na história dela. A Dilma vai ser avaliada por 2017 e 2018 e não por 2015. Eu acredito que ela fez o movimento correto, eu acredito que vamos passar um dois anos aí andando de lado, mas...
Qual é o tamanho do solavanco que o país vai enfrentar em 2015?
Não vai ser muito grande. Alguns setores vão sofrer. Que setores são esses? Aqueles em que a demanda cresceu demais e agora vai ter alguma acomodação. Por exemplo, o automóvel. O Brasil vendia 100 mil carros por mês em 2005. Em 2012, 2013, chegou a vender 330 mil. Multiplicou por mais do que três. Agora vai cair um pouquinho, 10 ou 15%. Mas quando se olhar este período, o desempenho ainda é extraordinário.
A China mudou. Tem lá hoje 700 milhões de chineses de classe média. Crescem menos. Mas são a maior economia do mundo”
Qual vai ser o drive de crescimento da economia brasileira?
Recentemente nós tivemos a alavanca do crescimento chinês e que agora
perde vigor, e tivemos o estímulo do consumo interno, que agora também
esbarra em uma certa exaustão...
Mas se mantém. Vou dar um dado para você. O Serasa divulgou o resultado do comércio do Brasil em 2014 e a manchete do jornal foi o seguinte: Crescimento do comércio em 2014 foi o mais baixo dos últimos 11 anos. Quando se lê uma manchete desta, se imagina “poxa, deve ter sido um desastre...” Mas não: cresceu 3,7% no ano passado em relação a 2013. O que é um crescimento extraordinário. A massa de salários, que é o volume total de salários formais pagos no Brasil cresceu 3%. Ou seja, ninguém perdeu renda, ninguém perdeu emprego. Por isso que estou dizendo: era o momento correto para fazer isso, dar essa freada de arrumação porque o nível de bem-estar está alto e, assim, permitir que nos dois últimos anos do governo possamos realmente voltar a crescer. Eu estou confiante.
E sobre o comportamento menos acelerado da China, que ganhou muita relevância para a economia mundial. Como é que você este processo?
Vejo muito bem. Faz 30 anos que a China mudou do socialismo troglodita do Mao para um socialismo meio temperado com mercado, e ela cresceu extraordinariamente. Só que nestes 30 anos ela já mudou a forma de crescer por três vezes. Porque a sociedade vai mudando. Tem lá hoje 700 milhões de chineses de classe média. A venda de automóveis na China foi de 27 milhões de veículos. Os Estados Unidos venderam 17 milhões. E a Europa 10 milhões... E eles, os chineses, estão fazendo agora uma terceira mudança que é sair da dependência do investimento do governo e das exportações baratas para o consumo interno. E é evidente que o tamanho da economia chinesa cresceu muito. Uma coisa é você crescer 17%, 12%, quando a economia é pequenininha. Agora eles são a maior economia do mundo. Não dá mais para crescer daquele jeito... Eles vão reduzir este crescimento para uns 6% ou 5% do PIB. Mas 5% do PIB de hoje é dez vezes mais que aquele crescimento de 17% de muito tempo atrás...
Não se trata de discutir, então, se o jumbo chinês vai aterrissar de modo suave ou não?
Não. O que há é uma mudança na forma de crescimento da China. E que acaba afetando um pouco o Brasil porque sai um pouco do crescimento de commodities – a gente exporta minério de ferro, basicamente – para um outro tipo de produto. Mas o Brasil está exportando carne, café. É uma mudança de matriz, e neste processo tem quem ganha e tem quem perde. Mas a economia chinesa continua sendo hoje o maior crescimento de PIB do mundo em dólar e vai continuar sendo por muito tempo ainda. Mudou a forma de a China crescer e o Brasil também... Agora, a China, para nós, é... a imagem que eu sempre uso é a de um foguete que vai lançar um satélite. Este foguete tem pelo menos três estágios. O primeiro estágio é um motor superpotente. Por quê? Porque tem que vencer a gravidade. Depois que o foguete venceu a gravidade os outros segmentos são motores muito mais rápidos porque você já venceu a gravidade. O Brasil venceu a gravidade desta falta de uma classe média grande. Porque o crescimento chinês levou neste primeiro estágio, que nós tivemos, a classe média de um terço para 70%. A partir de agora eu não preciso da força chinesa para crescer. É é preciso usar outros tipos de motores, que é o que o governo vai tentar fazer agora.
Quando o Brasil ocupará um espaço minimamente relevante no comércio internacional?
Acho difícil porque o Brasil é um país de consumo. Dois terços do PIB brasileiro é consumo das famílias. Normalmente, a indústria brasileira não vai ser uma indústria exportadora. Por causa do tamanho do mercado interno, por causa do consumo. É como nos Estados Unidos. Eles têm déficit comercial todo ano. Porque há um apetite de consumo tão grande que eles precisam comprar do mundo todo. Há exceções, claro. A Embraer é um caso atípico. Ou o ramo de alimentos. Porque produzimos alimento em volume muito maior do que consumimos, e de modo eficiente.
Mas se mantém. Vou dar um dado para você. O Serasa divulgou o resultado do comércio do Brasil em 2014 e a manchete do jornal foi o seguinte: Crescimento do comércio em 2014 foi o mais baixo dos últimos 11 anos. Quando se lê uma manchete desta, se imagina “poxa, deve ter sido um desastre...” Mas não: cresceu 3,7% no ano passado em relação a 2013. O que é um crescimento extraordinário. A massa de salários, que é o volume total de salários formais pagos no Brasil cresceu 3%. Ou seja, ninguém perdeu renda, ninguém perdeu emprego. Por isso que estou dizendo: era o momento correto para fazer isso, dar essa freada de arrumação porque o nível de bem-estar está alto e, assim, permitir que nos dois últimos anos do governo possamos realmente voltar a crescer. Eu estou confiante.
E sobre o comportamento menos acelerado da China, que ganhou muita relevância para a economia mundial. Como é que você este processo?
Vejo muito bem. Faz 30 anos que a China mudou do socialismo troglodita do Mao para um socialismo meio temperado com mercado, e ela cresceu extraordinariamente. Só que nestes 30 anos ela já mudou a forma de crescer por três vezes. Porque a sociedade vai mudando. Tem lá hoje 700 milhões de chineses de classe média. A venda de automóveis na China foi de 27 milhões de veículos. Os Estados Unidos venderam 17 milhões. E a Europa 10 milhões... E eles, os chineses, estão fazendo agora uma terceira mudança que é sair da dependência do investimento do governo e das exportações baratas para o consumo interno. E é evidente que o tamanho da economia chinesa cresceu muito. Uma coisa é você crescer 17%, 12%, quando a economia é pequenininha. Agora eles são a maior economia do mundo. Não dá mais para crescer daquele jeito... Eles vão reduzir este crescimento para uns 6% ou 5% do PIB. Mas 5% do PIB de hoje é dez vezes mais que aquele crescimento de 17% de muito tempo atrás...
Não se trata de discutir, então, se o jumbo chinês vai aterrissar de modo suave ou não?
Não. O que há é uma mudança na forma de crescimento da China. E que acaba afetando um pouco o Brasil porque sai um pouco do crescimento de commodities – a gente exporta minério de ferro, basicamente – para um outro tipo de produto. Mas o Brasil está exportando carne, café. É uma mudança de matriz, e neste processo tem quem ganha e tem quem perde. Mas a economia chinesa continua sendo hoje o maior crescimento de PIB do mundo em dólar e vai continuar sendo por muito tempo ainda. Mudou a forma de a China crescer e o Brasil também... Agora, a China, para nós, é... a imagem que eu sempre uso é a de um foguete que vai lançar um satélite. Este foguete tem pelo menos três estágios. O primeiro estágio é um motor superpotente. Por quê? Porque tem que vencer a gravidade. Depois que o foguete venceu a gravidade os outros segmentos são motores muito mais rápidos porque você já venceu a gravidade. O Brasil venceu a gravidade desta falta de uma classe média grande. Porque o crescimento chinês levou neste primeiro estágio, que nós tivemos, a classe média de um terço para 70%. A partir de agora eu não preciso da força chinesa para crescer. É é preciso usar outros tipos de motores, que é o que o governo vai tentar fazer agora.
Quando o Brasil ocupará um espaço minimamente relevante no comércio internacional?
Acho difícil porque o Brasil é um país de consumo. Dois terços do PIB brasileiro é consumo das famílias. Normalmente, a indústria brasileira não vai ser uma indústria exportadora. Por causa do tamanho do mercado interno, por causa do consumo. É como nos Estados Unidos. Eles têm déficit comercial todo ano. Porque há um apetite de consumo tão grande que eles precisam comprar do mundo todo. Há exceções, claro. A Embraer é um caso atípico. Ou o ramo de alimentos. Porque produzimos alimento em volume muito maior do que consumimos, e de modo eficiente.
A Foton, hoje, é simplesmente um sinal do que vai acontecer a partir de 2017: uma migração muito grande de empresas chinesas para cá”
O senhor preside a Foton, montadora chinesa de caminhões que
está se instalando no sul do Brasil. Como você vê a disposição dos
chineses de entrar no país? Há setores que temem uma invasão chinesa, e
até se atribui a este receio a lei de terras, que limita a propriedade
estrangeira de áreas no Brasil.
A China, como eu te falei, é um país em transformação muito radical. De um país agrário para um país industrial. E eu sinto isso de uma forma bem particular por causa desta associação com a Foton. Se há alguém no Brasil que consegue entender um pouco do que vai acontecer com o investimento chinês somos nós, aqui, porque estamos trabalhando com a maior empresa de caminhões de lá. E o que estamos vendo, no caso da Foton, é uma visão estratégica de entrar no mercado brasileiro. Já estamos começando a operar aqui e a construir a fábrica. Mas a decisão deles é vir aqui e ser um dos cinco, talvez quatro, grandes produtores, de caminhões aqui no Brasil. E por quê? Por uma questão estratégica. Eles querem se transformar em uma potência mundial e eles sabem que, para isso, as empresas chinesas tem que ir para o mundo. Agora, o caso Foton é ainda muito particular, mas {a chegada dos chineses} já está acontecendo. Recentemente o segundo maior banco chinês comprou um banco brasileiro o Bicbanco. Eu conversei com os chineses e eles têm, lá, uns 30 clientes grandes na China que estão em processo de criar investimentos aqui no Brasil, e é por isso que o banco chinês está vindo para cá – para servir como alavanca para estes clientes.
Por que o senhor diz que a Foton é um caso particular?
A Foton, hoje, é simplesmente um sinal do que eu acho que vai acontecer a partir de 2017, 2018: uma migração muito grande de empresas chinesas para batalhar pelo mercado aqui no Brasil. Entre outras razões, porque a qualidade dos produtos industriais da China ainda é muito inferior em relação aos da Europa e dos EUA. E no caso específico de caminhões, o que eles perceberam é quem para evoluir tecnologicamente e entrar na Europa e nos EUA, o Brasil é um bom ponto de entrada. Porque é um mercado que exige muita qualidade do produto. O caminhão brasileiro é um dos melhores do mundo em termos de qualidade. Então, ao vir para cá eles começam a aprender a trabalhar com esse nível de qualidade. Este é o objetivo deles com a fábrica da Foton perto de Porto Alegre.
O Brasil será uma plataforma de exportação para a Foton?
Não tanto de exportação, mas é de aprendizado, de como é que se constrói um caminhão de qualidade. Se você olhar o caminhão chinês que nós vamos produzir em Porto Alegre e compará-lo com o chinês, ele é muito melhor. Isso é dito pelos próprios engenheiros da China. Então, um dos objetivos deles é se transformar em uma líder mundial. Se eles querem isso tem que produzir no Brasil, porque a Volvo, Volkswagen, a Mercedes, todas estão aqui. E, em segundo lugar, eles perceberam que para treinar a engenharia deles na construção de produtos de qualidade, a melhor coisa que eles tem que fazer é aprender aqui no Brasil. O nosso caminhão de 10 toneladas que vai ser produzido aqui, acabou de ganhar um prêmio de qualidade no Brasil. Ganhou da Vokswagen, da Mercedes. Por quê? Por que na China o consumidor não tem vez nenhuma. O cara comprou o caminhão e dane-se. E aqui no Brasil o consumidor é um chato de galocha. Ele exige atenção, exige qualidade.
As missões que levam industriais brasileiros à China funcionam para abrir frentes de negócios.
Esse processo é bom. Mas... ainda está cedo. Por que é que a Foton do Brasil conseguiu nestes quatro anos este sucesso que a gente está tendo? Uma das razões é que, desde que eu estava no governo, eu acompanhei muito o desenvolvimento chinês, li muito. Então eu aprendi, comecei a entender o chinês que é um sujeito muito nacionalista, muito fechado. E fizemos uma coisa que hoje é fundamental. Nós conseguimos um chinês, que é sócio nosso, que mora na China. Então, ele consegue traduzir daqui para lá e de lá para cá uma linguagem cultural complexa. Essa vai ser a grande dificuldade que este pessoal daqui vai começar a entender. Só que tem uma outra geração de chineses que hoje deve ter uns 40 anos, que já é uma geração diferente, que fala inglês muito bem. Mas este pessoal não chegou ainda no nível de mando das empresas. Embora esteja a caminho.
Qual é o ruído mais frequente na tentativa de aproximação de um brasileiro e um chinês para fazer negócios?
O primeiro aspecto a considerar é que você precisa ter uma contrapartida, na China, de uma empresa que esteja neste processo de internacionalização. Porque há empresas chinesas que não estão neste caminho. São empresas que só olham para o mercado chinês. Aí é difícil, porque elas simplesmente olham para o Brasil como um mercado para vender. Mas tem varias indústrias na China que estão interessadas em se internacionalizar, como o banco chinês que mencionei antes, como uma empresas de guindastes que se instalou em Minas... O potencial de desenvolvimento de negócios é grande. Tanto que nós temos um terreno muito grande que já está sendo cogitado por outras empresas para fazer um parque chinês em Guaíba, na Grande Porto Alegre.
O industrial brasileiro deve olhar o chinês como um competidor a ser combatido ou como um sócio, já que em muitos casos não tem como vencê-lo?
Como um parceiro. Veja o caso da Maxxion, por exemplo, que nunca vendeu seus produtos para a Foton China está começando a discutir a possibilidade de exportar para lá. E a relação conosco é parceria, não é nem sociedade. Eles têm interesse. E em alguns segmentos nós somos absurdamente competitivos com eles. Agora, dá um grande trabalho – porque lidar com chinês, principalmente com os mais velhos, não é fácil. Afinal, quantas décadas eles viveram absolutamente fechados e olhando o ocidental como um inimigo. Só que isso está mudando, e então você vai ter que... Olha, não adianta, o industrial brasileiro vai ter que sair daquela moleza de um mercado relativamente grande e protegido, para passar para um mercado maior, mas com mais competição. Quem não olhar o mundo desta forma nova, e a China é o grande elemento do mundo do futuro, vai ficar de fora. Tudo que é novidade, tudo que é fronteira, dá trabalho...
A China, como eu te falei, é um país em transformação muito radical. De um país agrário para um país industrial. E eu sinto isso de uma forma bem particular por causa desta associação com a Foton. Se há alguém no Brasil que consegue entender um pouco do que vai acontecer com o investimento chinês somos nós, aqui, porque estamos trabalhando com a maior empresa de caminhões de lá. E o que estamos vendo, no caso da Foton, é uma visão estratégica de entrar no mercado brasileiro. Já estamos começando a operar aqui e a construir a fábrica. Mas a decisão deles é vir aqui e ser um dos cinco, talvez quatro, grandes produtores, de caminhões aqui no Brasil. E por quê? Por uma questão estratégica. Eles querem se transformar em uma potência mundial e eles sabem que, para isso, as empresas chinesas tem que ir para o mundo. Agora, o caso Foton é ainda muito particular, mas {a chegada dos chineses} já está acontecendo. Recentemente o segundo maior banco chinês comprou um banco brasileiro o Bicbanco. Eu conversei com os chineses e eles têm, lá, uns 30 clientes grandes na China que estão em processo de criar investimentos aqui no Brasil, e é por isso que o banco chinês está vindo para cá – para servir como alavanca para estes clientes.
Por que o senhor diz que a Foton é um caso particular?
A Foton, hoje, é simplesmente um sinal do que eu acho que vai acontecer a partir de 2017, 2018: uma migração muito grande de empresas chinesas para batalhar pelo mercado aqui no Brasil. Entre outras razões, porque a qualidade dos produtos industriais da China ainda é muito inferior em relação aos da Europa e dos EUA. E no caso específico de caminhões, o que eles perceberam é quem para evoluir tecnologicamente e entrar na Europa e nos EUA, o Brasil é um bom ponto de entrada. Porque é um mercado que exige muita qualidade do produto. O caminhão brasileiro é um dos melhores do mundo em termos de qualidade. Então, ao vir para cá eles começam a aprender a trabalhar com esse nível de qualidade. Este é o objetivo deles com a fábrica da Foton perto de Porto Alegre.
O Brasil será uma plataforma de exportação para a Foton?
Não tanto de exportação, mas é de aprendizado, de como é que se constrói um caminhão de qualidade. Se você olhar o caminhão chinês que nós vamos produzir em Porto Alegre e compará-lo com o chinês, ele é muito melhor. Isso é dito pelos próprios engenheiros da China. Então, um dos objetivos deles é se transformar em uma líder mundial. Se eles querem isso tem que produzir no Brasil, porque a Volvo, Volkswagen, a Mercedes, todas estão aqui. E, em segundo lugar, eles perceberam que para treinar a engenharia deles na construção de produtos de qualidade, a melhor coisa que eles tem que fazer é aprender aqui no Brasil. O nosso caminhão de 10 toneladas que vai ser produzido aqui, acabou de ganhar um prêmio de qualidade no Brasil. Ganhou da Vokswagen, da Mercedes. Por quê? Por que na China o consumidor não tem vez nenhuma. O cara comprou o caminhão e dane-se. E aqui no Brasil o consumidor é um chato de galocha. Ele exige atenção, exige qualidade.
As missões que levam industriais brasileiros à China funcionam para abrir frentes de negócios.
Esse processo é bom. Mas... ainda está cedo. Por que é que a Foton do Brasil conseguiu nestes quatro anos este sucesso que a gente está tendo? Uma das razões é que, desde que eu estava no governo, eu acompanhei muito o desenvolvimento chinês, li muito. Então eu aprendi, comecei a entender o chinês que é um sujeito muito nacionalista, muito fechado. E fizemos uma coisa que hoje é fundamental. Nós conseguimos um chinês, que é sócio nosso, que mora na China. Então, ele consegue traduzir daqui para lá e de lá para cá uma linguagem cultural complexa. Essa vai ser a grande dificuldade que este pessoal daqui vai começar a entender. Só que tem uma outra geração de chineses que hoje deve ter uns 40 anos, que já é uma geração diferente, que fala inglês muito bem. Mas este pessoal não chegou ainda no nível de mando das empresas. Embora esteja a caminho.
Qual é o ruído mais frequente na tentativa de aproximação de um brasileiro e um chinês para fazer negócios?
O primeiro aspecto a considerar é que você precisa ter uma contrapartida, na China, de uma empresa que esteja neste processo de internacionalização. Porque há empresas chinesas que não estão neste caminho. São empresas que só olham para o mercado chinês. Aí é difícil, porque elas simplesmente olham para o Brasil como um mercado para vender. Mas tem varias indústrias na China que estão interessadas em se internacionalizar, como o banco chinês que mencionei antes, como uma empresas de guindastes que se instalou em Minas... O potencial de desenvolvimento de negócios é grande. Tanto que nós temos um terreno muito grande que já está sendo cogitado por outras empresas para fazer um parque chinês em Guaíba, na Grande Porto Alegre.
O industrial brasileiro deve olhar o chinês como um competidor a ser combatido ou como um sócio, já que em muitos casos não tem como vencê-lo?
Como um parceiro. Veja o caso da Maxxion, por exemplo, que nunca vendeu seus produtos para a Foton China está começando a discutir a possibilidade de exportar para lá. E a relação conosco é parceria, não é nem sociedade. Eles têm interesse. E em alguns segmentos nós somos absurdamente competitivos com eles. Agora, dá um grande trabalho – porque lidar com chinês, principalmente com os mais velhos, não é fácil. Afinal, quantas décadas eles viveram absolutamente fechados e olhando o ocidental como um inimigo. Só que isso está mudando, e então você vai ter que... Olha, não adianta, o industrial brasileiro vai ter que sair daquela moleza de um mercado relativamente grande e protegido, para passar para um mercado maior, mas com mais competição. Quem não olhar o mundo desta forma nova, e a China é o grande elemento do mundo do futuro, vai ficar de fora. Tudo que é novidade, tudo que é fronteira, dá trabalho...