quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O arsenal da inovação



Como a AEL Sistemas desbancou a Whirlpool e se tornou a empresa mais criativa do sul do país

Por Andreas Müller


1-desiree_ferreiraÉ quase meio-dia quando o alarme de incêndio começa a soar no interior dos prédios da AEL Sistemas, em Porto Alegre. Felizmente, não há qualquer sinal de fogo na casa – trata-se apenas de um exercício de treinamento. De qualquer forma, o ritual é seguido à risca: um a um, os funcionários do prédio largam seus afazeres e se encaminham para as rotas preestabelecidas de saída. Fora do prédio, são levados a uma área segura sob as orientações dos brigadistas de incêndio. Tudo sem sobressaltos e na mais perfeita normalidade, a não ser por um detalhe curioso: dos cerca de 300 funcionários em fuga, mais de metade veste impecáveis jalecos brancos.
Nem todos são doutores, mestres ou laboratoristas. Mas todos eles têm em comum o fato de lidarem com um negócio de alta intensidade tecnológica e importância estratégica para o país. Fundada em 1983, a AEL é uma das poucas empresas brasileiras que atuam no mercado de sistemas eletrônicos militares e espaciais. De suas linhas de desenvolvimento e produção saem equipamentos e softwares que ajudam a controlar aeronaves, drones, navios e até tanques de guerra. São soluções como displays de combate, radares, computadores de bordo, simuladores de guerra e sistemas optrônicos e eletro-ópticos, usados em redes de vigilância e monitoramento de fronteiras. Com um detalhe: cada produto é resultado de um projeto de longa maturação, que envolve a construção de tecnologias e soluções verdadeiramente únicas. “Para nós, não existe mercado de varejo”, resume Sérgio Horta, presidente da AEL. “O que fazemos aqui são inovações customizadas, que se aplicam a demandas muito específicas de cada cliente.”

Trata-se de um trabalho de alta complexidade, que exige conhecimento especializado, habilidade técnica e destreza manual – além de uma equipe com qualificação rara. Em uma conta rápida, Horta estima que 40% dos funcionários da AEL são engenheiros, 30% são técnicos e o restante atua nas áreas de administração e apoio. Os de jaleco, acrescenta ele, são aqueles que literalmente põem a mão na montagem de cada sistema, em áreas que envolvem desde o manuseio de placas de microeletrônica até a operação de simuladores de guerra e salas limpas. Juntos, eles formam uma verdadeira usina de inovações, com produtos que equipam alguns dos mais avançados veículos e equipamentos das forças armadas dentro e fora do Brasil.

O Super Tucano A-29, por exemplo, usado na supervisão das fronteiras e da Amazônia, conta com sistemas e serviços de manutenção da AEL. O caça F-5M da Força Aérea Brasileira (FAB) carrega um painel de acionamento de aviônicos, um display multifuncional, um computador de missão e um gravador de vídeo, entre outros equipamentos desenvolvidos pela empresa. Para treinar os pilotos do tanque Guarani, o exército brasileiro está em busca de fornecedores para um novo tipo de simulador – e, se vencer o pleito, a companhia já tem toda tecnologia necessária para desenvolvê-lo em sua sede, em um terreno contíguo ao do Aeroporto Salgado Filho, na zona norte de Porto Alegre. Isso sem contar o novo cargueiro KC-390, que traz diferentes equipamentos de navegação e processamento de dados desenhados pela AEL – entre eles, um computador de missão com alta capacidade de processamento, além de instrumentos que ampliam a chamada “consciência situacional” do piloto.

E não só isso. Quem bate à porta do prédio de engenharia da AEL – onde atua a maior parte da equipe dos jalecos – se depara com um ambiente propício à criatividade. Em uma das salas, é possível ver esboços feitos à mão de aviões e radares em quadros colocados na parede. Na entrada, há a réplica de uma bomba de gravidade, conhecida no setor de defesa como “bomba burra”. Tradicionalmente, a precisão desse tipo de artilharia era baixíssima: cabia ao piloto, enclausurado na cabine da aeronave, escolher o momento certo para soltar a carga, na esperança de que ela caísse o mais próximo possível do alvo. A AEL, porém, fabrica um acessório com pequenas asas direcionais e um computador de bordo que pode ser acoplado à bomba e corrigir sua trajetória até o destino. A solução aumenta consideravelmente a precisão do tiro – a um custo que, segundo Horta, representa apenas uma fração do que seria necessário no desenvolvimento de um míssil. “Basicamente, estamos transformando uma bomba burra em uma bomba inteligente”, resume. Muitos desses projetos ficam à vista de qualquer pessoa que ande pelo interior do departamento de engenharia da AEL. Mesmo assim, a reportagem de AMANHÃ foi impedida de fotografá-los devido aos contratos de confidencialidade mantidos entre a empresa e seus clientes.

Resultados na mira

O vice-presidente de operações da AEL, Vitor Neves, faz questão de ressaltar que nada está ali por acaso. “Não somos um instituto de desenvolvimento e nem um centro de pesquisas. Somos uma empresa e estamos buscando oportunidades para gerar resultados”, ressalta ele. Neves é o mais antigo funcionário da casa. Começou em 1976, como estagiário de engenharia da Aeromot, a precursora da AEL. De lá para cá, viu a companhia se transformar radicalmente. Em 1983, lembra ele, o quadro de funcionários tinha apenas 15 pessoas. Hoje, são cerca de 300 – 20 vezes mais. Com o tempo, o negócio foi ganhando corpo e conquistando projetos promissores, como o fornecimento de sistemas para o Tucano T-27 e para o caça ítalo-brasileiro AM-X. Até que, em 2001, depois de um período de baixo crescimento, a AEL teve parte do capital adquirido pelo grupo israelense Elbit.

A operação abriu espaço para a empresa se consolidar em um patamar mais elevado de competitividade. Isso ficou claro a partir de 2007, quando a AEL enviou um grupo de engenheiros a Israel com o objetivo de participar da elaboração de um projeto na matriz da Elbit. Com 12 profissionais, a equipe passou cerca de dois anos na cidade de Haifa, onde fica o centro de engenharia do grupo israelense, acompanhando de perto o que havia de mais moderno em tecnologias de defesa militar. “Paralelamente, a nossa equipe de marketing foi buscando novas oportunidades aqui no Brasil. E a primeira oportunidade apareceu quando a FAB decidiu modernizar uma de suas aeronaves, o Bandeirante. Aí chamamos os nossos engenheiros de volta”, recorda Neves. No retorno a Porto Alegre, eles formaram uma equipe maior e mais qualificada para dar conta das demandas do governo brasileiro. “Foi uma forma de aprender fazendo”, conta o vice-presidente.

Uma nova oportunidade surgiu em 2011, quando a Embraer decidiu ampliar suas atividades na área de defesa e segurança – e se aliou à AEL para acelerar o plano. Nascia, ali, a Harpia Sistemas, a primeira empresa brasileira focada no desenvolvimento de aeronaves pilotadas remotamente (ARPs), popularmente conhecidas como drones. Na constituição do negócio, 25% do capital da AEL foi parar nas mãos da Embraer e os 75% restantes ficaram em poder da Elbit. Segundo Sérgio Horta, essa composição foi fundamental para ampliar a envergadura dos negócios. “Hoje, nós exportamos muita coisa através das aeronaves que a Embraer comercializa lá fora”, ressalta ele. A Elbit exerce papel semelhante. Os israelenses têm o hábito de promover uma concorrência interna para decidir qual de suas subsidiárias no mundo terá a primazia de desenvolver determinados projetos internacionais. Em duas ocasiões, a AEL foi a vencedora dessa disputa. “E isso acaba se transformando em exportação também”, destaca Vitor Neves.

Os resultados vêm a reboque. Em média, o faturamento da AEL tem crescido cerca de 20% ao ano – para 2014, a meta é fechar em aproximadamente US$ 100 milhões. Para completar, a companhia se consagrou, neste ano, como a mais inovadora do sul do país, segundo o ranking Campeãs de Inovação, elaborado por AMANHÃ e Edusys com o aval técnico da Fundação Dom Cabral. Não deixa de ser uma conquista surpreendente. Até 2013, a AEL sequer aparecia no levantamento. Neste ano, estreou logo na primeira posição, quebrando uma hegemonia de três anos da toda-poderosa Whirlpool, dona das marcas Cônsul e Brastemp. “Dois atributos chancelam as iniciativas da AEL. O primeiro deles é o tratamento e a orientação dados à inovação. O segundo é o conjunto de resultados que ela obtém a partir desse esforço”, analisa Mauro Anderlini, sócio-diretor da Edusys.

desiree_ferreiraRadar de negócios
 
Na maioria das empresas, o departamento de marketing entra em cena somente no final dos processos de inovação, quando o produto já está pronto para ser testado e lançado no mercado. Na AEL, é exatamente o contrário: o desenvolvimento de novos produtos, serviços e tecnologias começa justamente pela equipe de marketing, que emprega cerca de 15 profissionais em Porto Alegre. Em um mercado fechado, repleto de restrições e extremamente técnico como o de segurança e defesa militar, seu papel é atuar como um radar de oportunidades. Ou seja: firmar relacionamentos duradouros, entender as necessidades dos clientes e identificar onde há espaço para o desenvolvimento de novas soluções. “A inovação na AEL nasce com o marketing, que tem a função de verificar essas necessidades do mercado e trazê-las para dentro da empresa”, resume Vitor Neves.
As oportunidades identificadas pelo marketing são compartilhadas com toda a empresa. A partir daí, cada departamento tem liberdade para propor caminhos na busca de uma solução. “A ideia pode vir da área de tecnologia, de produção ou de engenharia. Uma vez que a alta administração aprova o projeto, o desenvolvimento é feito lá”, detalha Neves. A elaboração da ideia respeita uma sequência predefinida de etapas. Primeiro, faz-se o projeto e as respectivas especificações. Depois, é construído um “modelo de engenharia”, uma espécie de pré-protótipo que permite à AEL testar as funcionalidades da ideia. “Normalmente, é uma coisa muito feia, cheia de fios soltos sobre a mesa”, conta Neves. A etapa seguinte é a do “modelo de qualificação”, quando o produto adquire contornos quase definitivos e é submetido a inúmeros testes de qualidade. O formato final do produto é conhecido como “modelo de voo”. “Esse, sim, é o que vai ser efetivamente colocado para voar”, completa Sérgio Horta.

Como uma metralhadora

 
Para garantir que tudo funcione perfeitamente, a AEL opera avançados sistemas de testes e simulações. Um dos destaques é a sala de simulações ambientais, com câmaras que submetem os produtos a situações críticas de operação. Uma delas faz a temperatura oscilar de -40 para +80 graus Celsius em poucos segundos. Outra vem equipada com um shaker, que reproduz as trepidações de uma metralhadora em ação. “Nossos produtos precisam ser muito bem feitos. Se há algum problema, é essencial que ele seja detectado aqui, e não na aeronave. Estamos falando de sistemas de defesa, e não produtos de prateleira”, ressalta Horta. O cerco contra as falhas se torna ainda mais evidente na divisão de sistemas para o setor espacial, que envolve o desenvolvimento de micro e nanossatélites. “Depois que lança para o espaço, acabou. Aí você não tem mais margem para reparo ou manutenção. Os equipamentos têm de funcionar bem por décadas sem que ninguém toque neles”, diz o presidente da AEL Um dos possíveis frutos desse trabalho é o projeto do primeiro microssatélite com tecnologia 100% brasileira, o MMM-1 (leia mais no Box "Fora de órbita").

Por trás das inovações há uma necessidade vital para a AEL: alcançar a autossustentação em um país que ainda carece de tradição no desenvolvimento de tecnologias, especialmente nas áreas de defesa e segurança. Nos Estados Unidos, as empresas que atuam no setor têm o governo como um cliente cativo – e generoso. Só em 2013, os gastos militares norte-americanos chegaram a US$ 682 bilhões, cerca de 20 vezes o orçamento do Brasil, que foi de US$ 33,1 bilhões, segundo um levantamento do Stockholm International Peace Research Institute. Como não há tantos recursos aqui, o próprio governo brasileiro incentiva as companhias do setor a ser duais. “Ou seja: que tenham capacidade de atender às necessidades das Forças Armadas e que, ao mesmo tempo, desenvolvam negócios complementares para crescer e sobreviver por conta própria”, explica Horta. No caso da AEL, a “dualidade” já está plenamente atendida. Cada vez mais, a empresa desenvolve soluções para as áreas de segurança pública, como câmeras de vigilância com longa distância. O próximo passo é expandir as exportações, um desafio que, de certa forma, implica vender mais também no Brasil. “No mercado de defesa, se você não consegue vender um produto no seu próprio país, fica muito difícil exportá-lo”, descreve Sérgio Horta.

Resta saber como a AEL deverá se sair nas próximas edições do especial Campeãs de Inovação. Mauro Anderlini, da Edusys, ressalta que a empresa tem qualidades únicas. “O desenvolvimento de inovação sob demanda é uma das competências mais sofisticadas das companhias voltadas para inovação”, explica ele. Ao mesmo tempo, porém, organizações como Braskem, Grendene e a própria Whirlpool vêm aprimorando seus métodos de governança. Afinal, elas também têm armas poderosas para se sobressair no ranking das mais inovadoras do sul do Brasil.

Fora de órbita
Um impasse político pode atrasar o sonho do polo espacial gaúcho, liderado pela AEL

Em abril de 2013, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, firmou um protocolo de intenções com a AEL Sistemas para a concretização de um projeto ambicioso: o primeiro Polo Espacial Gaúcho – um consórcio entre empresas, universidades e órgãos de fomento (no caso, a Finep) para inserir o Brasil na área de tecnologias aeroespaciais. Pelo protocolo, a AEL seria a empresa-âncora do polo e buscaria sinergias com os demais participantes para desenvolver equipamentos orbitais, veículos aéreos não tripulados e outros aparelhos de pilotagem remota. Um dos frutos dessa parceria seria o Microssatélite Militar Multimissão (MMM1), cujo lançamento estava previsto para 2015. Do tamanho de uma caixa de sapatos e pesando menos de dez quilos, o equipamento poderia representar um salto tecnológico para a economia gaúcha. “O potencial do segmento é enorme. Os Estados Unidos estão utilizando cada vez mais microssatélites para observação e controle. Embora ainda não seja um polo tecnológico como São Paulo, o Rio Grande do Sul tem na sua mão de obra qualificada uma grande vantagem”, exaltava Vitor Neves, vice-presidente de operações da AEL, em uma reportagem publicada por AMANHÃ no final de 2013.

Os movimentos mais recentes, porém, revelam que o Polo Espacial Gaúcho vai demorar para se tornar realidade. No início de dezembro, o governador Tarso Genro publicou uma carta afirmando que os recursos liberados pela Finep eram insuficientes para a materialização do projeto. E que, nesse cenário, o protocolo de intenções firmado com a AEL havia ficado “sem objeto”. Na prática, foi um cancelamento do acordo, em um ato reforçado por um detalhe diplomático: a carta era diretamente endereçada à Federação Palestina do Rio Grande do Sul – que vinha criticando o governo gaúcho por estabelecer uma parceria desse tipo com a subsidiária de um grupo israelense.

Na AEL, a expectativa é de que o projeto ainda seja retomado mais cedo ou mais tarde. Se for concretizado, o Polo Espacial poderá dar origem a pelo menos mais dois modelos de microssatélites, um deles com sistemas de propulsão para controle orbital. Além das quatro maiores universidades do Estado, o projeto deverá abranger empresas como Digicon, TSM e GetNet.


O que faz a AEL
Conheça alguns dos projetos que ajudam a entender a alma do negócio da empresa mais inovadora do sul do país

EGI - Atualmente, a AEL trabalha em um sistema de navegação inercial. A tecnologia é estratégica para o país, na medida em que permite às Forças Armadas guiar veículos e aeronaves sem depender de um único sistema de geolocalização – como o GPS, de propriedade dos Estados Unidos. O segredo está na combinação de diferentes tipos de geolocalização.

Programa OBC - Depois de dois anos de trabalho, a AEL entregou ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) o primeiro computador brasileiro de bordo capaz de controlar o posicionamento de satélites de baixa órbita. O OBC, como é conhecido, será interligado a equipamentos como GPS, sensor de estrelas, rodas de reação, giroscópios e magnetômetros.

Vigilância de fronteiras - A AEL é responsável por fornecer os equipamentos eletro-óticos que o Exército Brasileiro deverá usar no Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron). Lançada em novembro, no Mato Grosso, a iniciativa vai monitorar toda a fronteira oeste do Brasil. Algo semelhante deverá ocorrer com o SisGAAZ, que monitora a “Amazônia Azul”.

Displays para navegação - Uma das vocações da AEL é a concepção de displays que facilitam a operação de aeronaves e outros veículos. Em Porto Alegre, a empresa vem testando um modelo conhecido como WAD, em formato widescreen. O display aceita comandos com toque na tela e ainda mescla as informações de navegação, sobrepondo-as umas às outras – o que dá mais agilidade ao piloto.

“Acessórios” - Imagine um capacete inteligente munido de visores que dão ao piloto a oportunidade de enxergar tudo que acontece do lado de fora da aeronave, em tempo real. Agora adicione a isso um sistema de leitura ocular que permite mirar no alvo apenas com o ato de olhar. Eis aí uma pequena amostra das soluções que a AEL vem testando em seus simuladores.

Optrônicos - São sistemas eletro-óticos utilizados em atividades de vigilância. Um exemplo são as supercâmeras Atena, utilizadas em helicópteros, planadores e em outras plataformas aéreas, marítimas ou terrestres. Superpotentes e com imagens em altíssima resolução, permitem a observação detalhada de alvos a quilômetros de distância.

“O que se rouba, aqui se lava” (HSBC)

Publicado por Luiz Flávio Gomes


 
47
Bilhões e bilhões de dólares circularam (é possível que ainda circulem, porque é infinita a desfaçatez, a temeridade e o desvanecimento do sistema financeiro mundial) em contas secretas do HSBC (106 mil clientes em 203 países), particularmente em uma das suas agências na Suíça. Se os correntistas desonestos (sonegadores, evasores, corruptores, corruptos etc.) fossem tratados pelas autoridades fiscais como os trombadinhas o são pelos policiais, certamente todos estariam destruídos. Um funcionário do banco (Falciani) destapou a monstruosidade da SwissLeaks, revelando os nomes dos clientes (que estariam agora prestando contas aos fiscos dos seus respectivos países; Espanha já recuperou 260 milhões de euros). Um Consórcio de Jornalistas (ICIJ) está divulgando o escândalo no mundo todo. O HSBC é acusado de ter ajudado 8,7 mil clientes brasileiros a depositar cerca de U$ 7 bilhões em seu banco na Suíça, sem que a origem do dinheiro fosse declarada (ver Jamil Chade, Estadão). Parte do dinheiro lavado é fruto da corrupção na Petrobras, como é o caso da conta do ex-diretor da empresa petrolífera, Pedro Barusco.

“O que se rouba, aqui se lava” (HSBC, Citibank, Bank of America, UBS…)

Dentre tantos outros, eis alguns dos clientes do HSBC, listados no SwissLeaks: Selim Alguadis (empresário turco), Timchenko (bilionário associado a Vladimir Putin), Rachid Mohamed Rachid (ex-ministro de Comércio do Egito), Frantz Merceron (responsável por conduzir dinheiro do ex-presidente do Haiti Jean Claude “Baby Doc” Duvlaier, acusado de roubar US$ 900 milhões antes de fugir de seu país), Aziza Kulsum (apontado pela ONU como financiador da guerra civil no Burundi, na década de 90), Fana Hlongwane (político e empresário da África do Sul), o rei de Marrocos, Mohammed VI, o rei da Jordânia, Abdullah II, o designer de moda Valentino, a modelo Elle McPherson, o ator Christian Slater, o banqueiro Edouard Stern, o motociclista Valentino Rossi, Alejandro Andrade, ex-segurança do falecido presidente venezuelano Hugo Chávez e depois alto funcionário de seu governo, o também falecido banqueiro espanhol Emilio Botín (Santander), jogadores de futebol como o uruguaio Diego Forlán, Álvaro Noboa (que foi candidato à presidência do Equador), Fernando Alonso (piloto), Schumacher (piloto), John Maldovich (ator americano), Gad Elmaleh (humorista francês), Jacques Dessange (empresário francês de salões de beleza), Rami Majluf (primo do presidente sírio), Edmond Safra (banqueiro brasileiro), David Bowie, Tina Turner, Sanjay Sethi, condenado em 2013 por despistar autoridades do fisco dos EUA, Marat Safin etc.

Na França, o gerente do HSBC Nessim el-Maleh permitiu o depósito na conta de clientes respeitáveis de dinheiro vindo em sacos plásticos, obtidos com a venda de maconha nos subúrbios de Paris. Uma conta na Suíça foi usada para reembolsar traficantes de drogas. Na Bélgica, o juiz, que indiciou em novembro o HSBC Private por fraude fiscal e lavagem de dinheiro, disse que chegou o momento de o banco “colaborar”, e que estuda “emitir ordens de captura internacional” contra seus dirigentes. Nos EUA o HSBC foi condenado por lavar dinheiro do narcotráfico mexicano.

Também os “petroleiros” mantiveram contas na filial suíça do banco britânico HSBC, nos anos de 2006 e/ou 2007 (ver Fernando Rodrigues, Folha). A lista que segue movimentou US$ 110,5 milhões: ( veja aqui )

Outros brasileiros fizeram circular na citada agência mais de US$ 7 bilhões (nos anos de 2006/2007) em 5.549 contas secretas do HSBC (private bank). Seus nomes? Por ora, guardados a sete chaves. Dizem que o fisco está atrás dos larápios. A checagem dos mais de 5 mil nomes ainda não terminou. Considerando toda a América Latina, os depósitos passam de US$ 31 bilhões. Alguns delatores do caso da Petrobrás indicaram que abriram 19 contas em nove bancos suíços para receber a propina. O escândalo HSBC nada mais revela que o crime organizado mundial formado por grandes lideranças dos mundos empresarial, político e financeiro (a troyka maligna da era da globalização).


Leia o artigo completo com mais informações aqui: http://institutoavantebrasil.com.br/o-que-se-rouba-aqui-se-lava-hsbc/
Professor
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674 [agenda de palestras e entrevistas] ]

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

É muito cedo para tirar Brasil do Bric, diz criador da sigla


Elmond Jiyane/AFP
Ministros das Finanças que participam do encontro do BRIC posam para uma foto oficial
Ministros das Finanças que participam do encontro do BRIC posam para uma foto oficial: “três anos realmente não servem de base para uma conclusão como essa”, disse Jim
 
Tariq Panja, da Bloomberg

Rio de Janeiro - O Brasil ainda merece um lugar no grupo de economias emergentes Bric mesmo após vários anos de crescimento lento, segundo Jim O’Neill, o ex-economista-chefe do Goldman Sachs Group Inc. que cunhou a sigla.

“Três anos, que é o período que o Brasil tem decepcionado, realmente não servem de base para uma conclusão como essa”, disse, quando perguntaram a ele se estava na hora de tirar o Brasil do grupo composto também pela Rússia, Índia e China.

“É claro que, se continuarem no mesmo caminho, não há garantia de que o Brasil e a Rússia continuarão sendo considerados Bric” até o fim da década, disse ele.

A presidente Dilma Rousseff promete aumentar a confiança do investidor reduzindo o déficit e freando a inflação, que está acima da meta, com a aplicação de limites aos gastos e incrementos às taxas de juros. 

Os analistas consultados pelo Banco Central projetaram que as medidas provocarão uma desaceleração do crescimento em 2015 pelo segundo ano consecutivo, mas estimaram que a economia começará a se recuperar em 2016.

A expansão do Brasil em 2016 ainda ficaria atrás da observada na Índia e na China, cujas economias crescerão mais de 6 por cento cada, segundo a estimativa média dos analistas consultados pela Bloomberg.

O produto interno bruto da Rússia se expandirá menos de 1 por cento no ano que vem, após encolher em 2015, segundo a pesquisa.

Países como o Brasil estão sofrendo com a queda nos preços das commodities, que tem revelado “maus hábitos comportamentais”, como a interferência estatal na economia e a reduzida independência do Banco Central, que no governo Dilma é chefiado por Alexandre Tombini, disse O’Neill, colunista da Bloomberg View e ex-presidente do conselho da Goldman Sachs Asset Management International.


‘O problema’


“Eu dou aulas a alguns dos estrategistas brasileiros, como meu colega Tombini, do Banco Central, e eu digo a eles, vocês são mais chineses do que os chineses”, disse O’Neill, por telefone.

“Os chineses não querem mais ser chineses, e vocês acreditam que o Estado deve ser usado para tudo. E esse é o problema”.

A assessoria de imprensa presidencial não respondeu a um e-mail enviado após o horário comercial em busca de comentário sobre o papel do Estado na economia e a autonomia do BC.

Os estrategistas do Brasil precisam criar um fundo soberano de riqueza para acumular reservas quando os preços de commodities como o minério de ferro e a soja estiverem altos, disse O’Neill. 

Eles também deveriam impulsionar a produtividade nos demais setores além das commodities, talvez recorrendo ao fundo soberano para investir em inovação, disse ele.

O’Neill disse que há muito tempo existe um ceticismo em relação à economia do Brasil, acrescentando que durante uma viagem ao país, em 2003, as pessoas o acusaram de colocar o Brasil ao lado da Rússia, Índia e China simplesmente para que a sigla soasse bem.

“Esta é, em parte, a razão pela qual foi tão fácil todos se apaixonarem pelo país quando viram que o Brasil estava tendo todo aquele crescimento”, disse ele. “É por isso também que foi tão fácil desapontar as pessoas” com a desaceleração da economia brasileira, disse ele.

PT teria recebido até US$ 200 mi em propina da Petrobras



Sérgio Moraes/Reuters
Funcionário em uma plataforma da Petrobras
 
 
 
São Paulo - Entre 2003 e 2013, o Partido dos Trabalhadores (PT) teria recebido entre US$ 150 milhões e US$ 200 milhões em pagamentos de propina de contratos da Petrobras, segundo os jornais Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo.

A estimativa foi feita por Paulo Barusco, ex-gerente de engenharia da estatal, em depoimento à Polícia Federal prestado em acordo de delação premiada. O depoimento aconteceu no último dia 20 de novembro, mas só veio à tona nesta quinta-feira.

Segundo Barusco, João Vaccari Neto,  tesoureiro do partido, teria participado no recebimento do suborno. Ele foi detido para depoimento na Polícia Federal nesta quinta-feira na nona fase da Operação Lava Jato. 

Os pagamentos de propina teriam sido feitos em cerca de 90 contratos de grandes obras da estatal vinculados às diretorias de Abastecimento, Gás e Energia e Exploração e Produção, além da Diretoria de Serviços. Entre as obras listadas por Barusco estão a Refinaria Abreu e Lima e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro.

Segundo Barusco, em todas as diretorias, o percentual de propina cobrado por contrato variava de 1% a 2%. 

Na diretoria de Abastecimento, por exemplo, o percentual de propina cobrado por contrato era, geralmente,de 2% - "sendo que 1% era gerenciado por Paulo Roberto Costa, o qual promovia a destinação, e os outros 1% eram divididos entre o Partido dos Trabalhadores, na proporção de 0,5% representada por João Vaccari, e a "Casa", na proporção de 0,5% representada por Renato Duque, o declarante [Barusco] e uma terceira pessoa", segundo texto do termo de delação divulgado pelo site do jornal Estado de S. Paulo

Barusco afirmou que só do estaleiro Kepell Fels, Vaccari Neto teria recebido 4,25 milhões de dólares. 

Até a publicação desta reportagem, o Partido dos Trabalhadores ainda não havia se pronunciado sobre o assunto.

Plenário mantém validade de MP que regula capitalização de juros e libera 13 mil processos sobre o tema

Supremo Tribunal Federal
Publicado por Supremo Tribunal Federal 
 
7

Por sete votos a um, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deu provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 592377 em que o Banco Fiat S/A questionava decisao do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) que declarou inconstitucional dispositivo de uma medida provisória editada em 2000, que permitiu a capitalização mensal de juros no sistema financeiro. Em razão da repercussão geral reconhecida neste processo, a decisão desta tarde tem impacto em 13.584 processos que estavam sobrestados (com tramitação suspensa) em todo o País e que agora serão solucionados.

No julgamento de hoje não se discutiu o mérito da questão, ou seja, a possibilidade de haver capitalização de juros (incidência de juros sobre juros) nas operações inferiores a um ano, mas sim se os requisitos de relevância e urgência, necessários a edição das MPs, estavam presentes no momento da edição do ato normativo. A questão da capitalização mensal de juros é objeto de outro processo em tramitação no STF, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2316, que está pendente de conclusão.

Relator do RE, o ministro Marco Aurélio foi o único a votar pela negativa de provimento. Para ele, não é possível que um instrumento precário e efêmero como a medida provisória, editado para viger por período limitado, continue surtindo eternamente efeitos no cenário normativo sem a suspensão pelo Supremo. No caso da MP 1.963-17/2000, reeditada 36 vezes até a Medida Provisória 2.170-36/2001, durante 15 anos. “Não imagino medida provisória a vigorar por prazo indeterminado”, afirmou.

Segundo a votar, o ministro Teori Zavascki abriu a divergência e foi acompanhado pelos demais ministros. Zavascki ponderou que, embora o Poder Judiciário possa aferir a presença dos requisitos que autorizam a edição de uma medida provisória, para declarar a inconstitucionalidade de uma MP em razão da ausência de tais requisitos, é preciso uma demonstração cabal nesse sentido, o que é muito difícil obter depois de tantos anos.

“É difícil declarar que não havia relevância na matéria, em se tratando de regular operações do sistema financeiro. No que se refere à urgência, também vejo dificuldade de agora, já passados 15 anos, nos transportarmos para o passado - numa época em que a situação econômica e o sistema financeiro eram completamente diferentes -, e afirmarmos, hoje, que a medida provisória deve ser considerada nula porque faltou urgência naquela oportunidade”, ressaltou o autor da divergência.

O ministro Teori também lembrou os efeitos que uma eventual declaração de inconstitucionalidade desta MP poderia causar em milhares de operações financeiras. Ele afirmou que a jurisprudência do STF considera que não há inconstitucionalidade nas disposições normativas que estabelecem critérios de remuneração no sistema financeiro diversos dos previstos na Lei da Usura, chegando a editar súmula a esse respeito (Súmula 596).

Além disso, segundo ressaltou o ministro Teori Zavascki, a Emenda Constitucional 32 – que alterou o artigo 62 da Constituição Federal – dispôs que as medidas provisórias editadas em data anterior à sua publicação (11 de setembro de 2001) continuam em vigor até que medida provisória posterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional. Acompanharam a divergência aberta pelo ministro Teori Zavascki os ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski (presidente).
VP/FB


Processos relacionados
RE 592377


Supremo Tribunal Federal
Supremo Tribunal Federal (STF) é a mais alta instância do Poder Judiciário do Brasil e acumula competências típicas de Suprema Corte (tribunal de última instância) e Tribunal Constitucional (que julga questões de constitucionalidade independentemente de litígios concretos). Sua função institucional ...

Seis erros que empreendedores devem evitar ao abrir uma empresa


O pessimismo já vem sendo motivo de desaceleração na abertura de novos negócios. Por isso, qualquer falha pode ser fatal

Por Infomoney


24-metacerta-erros-fluxo-de-caixaO ano de 2015 não é visto pelos economistas como uma dos mais positivos e não são apenas as grandes empresas que sofrerão o impactos. Por essa razão, os pequenos e médios empreendedores também precisam ficar atentos. Segundo o Índice de Confiança do Empresário de Pequenos e Médios Negócios no Brasil (IC-PMN), divulgado pelo Insper em parceria com o Santander, a confiança do pequeno e médio empresário para o primeiro trimestre deste ano atingiu 58,9 pontos – queda de 7,2% em relação ao trimestre anterior.

Além disso, o pessimismo já vem sendo motivo de desaceleração na abertura de novos negócios. O número de novas empresas caiu 9,2% em novembro em relação a outubro, de acordo com o último dado revelado pela Serasa Experian. A entidade lista fatores, como incertezas com relação à política econômica do governo e o quadro de estagnação da economia, que foram considerados negativos para os empreendedores durante o último mês de novembro. Por isso, antes de abrir uma empresa neste ano, a diretora de marketing e cofundadora da plataforma Nibo, Sabrina Gallier, lembra que é preciso estar atento para evitar alguns erros que podem por fim ao negócio. Eis, abaixo, a relação das principais falhas.

1 - Escolher mal os sócios
É extremamente saudável ter conhecimentos diferentes e áreas de atuação complementares. Estar perto de uma pessoa que discorda ou que tem outras experiências e vivências é fundamental para a troca de ideias e geração de soluções. O importante é estar alinhado estrategicamente, compartilhar das mesmas visões, mas trazer outro ponto de vista para a discussão tendo em vista o planejamento estratégico da empresa.

2 - Ter uma equipe inadequada
Contratar é muito difícil, mas demitir também. No entanto, insistir quando a contratação não dá certo é ainda muito pior. Uma ideia não vale nada sem as pessoas adequadas para executá-la. “Sem dúvida é um clichê, mas pense que até contratando uma pessoa de sucesso, se colocada em um projeto errado, não irá deslanchar”, alerta Sabrina. Tem de ter um encaixe em três pontos: no perfil da empresa, na vaga e no projeto adequado.

3 - Ter um foco indefinido e amplo demais
Não se pode abraçar o mundo por causa da ansiedade pelo sucesso. A curto prazo é muito tentador, é claro. Mas quem tudo faz, nada faz direito. Do ponto de vista de mercado, os clientes tendem a ficar confusos e pode abrir uma brecha para que concorrentes se especializem e sejam o melhor em um nicho.

4 - Focar demais em apresentações comerciais
Qualquer empresa pode melhorar uma apresentação comercial em um dia, mas nada consegue barrar um produto funcional. Deixe o Power Point um pouco de lado e comece a demonstrar mais o produto atual. Ajuste o discurso para o que a empresa possui e pode oferecer de verdade.

5 - Evitar conflitos a todo custo
Não faça amizade, faça negócios. Acredite em números, projeções e resultados. Seja brutalmente honesto quando necessário e aja de forma correta com todos. Nada pior do que tentar camuflar alguma situação por medo de conflito.

6 - Investir demais em desenvolvimento precoce
Imagine desenvolver um produto durante um ano e descobrir, no final, que ele não é bom o suficiente. Tente desenvolver apenas o essencial, uma versão simples e teste com vários públicos. Observe, volte para ajustar e teste novamente.

Mendonça, da Foton: “O industrial vai ter que sair da moleza”



À frente da fábrica que a maior fabricante de caminhões da China ergue no sul, o ex-ministro do governo de FHC se diz otimista com a economia brasileira a partir de 2017

Por Eugênio Esber


1-mendoncaMendonção, como é conhecido o economista e engenheiro Luiz Carlos Mendonça de Barros, não costuma desviar de polêmicas. E elas foram muitas, especialmente nos anos 90, quando integrou a cúpula do governo de Fernando Henrique Cardoso e se colocou sob a artilharia pesada do PT durante o processo de privatização das telecomunicações. A repercussão do chamado “escândalo do grampo do BNDES”, banco que ele presidiu entre 1995 e 1998, o derrubou do posto de ministro das Comunicações em novembro de 1998, pondo fim a uma gestão que durou apenas sete meses – o suficiente para sacramentar a privatização do sistema Telebrás. Em 2009, quando o processo judicial chegou ao fim, absolvendo-o de todas as acusações de improbidade no caso dos leilões das teles, Mendonça já estava em outra. A cabeça estava do outro lado do mundo, literalmente. Executivos da chinesa Foton Aumark, maior fabricante de caminhões do mundo, andavam à procura de Mendonça para que os ajudasse a entrar no Brasil.

A ligação dos chineses com Mendonça, hoje sócio e presidente da Foton no Brasil, vem de seu período no comando do BNDES, no primeiro mandato de FHC. A China havia decidido erguer a maior hidrelétrica do mundo, a Usina de Três Gargantas, e veio buscar financiamento e tecnologia na terra de Itaipu. Mendonça abriu as portas do BNDES, e foi pessoalmente à inauguração da Usina. “A Três Gargantas tem oito turbinas construídas no Brasil, financiadas pelo BNDES e foi ali que eu tive o começo da minha relação com a China”, disse a AMANHÃ. “Por isso é que, depois, quando a Foton olhou para o Brasil, eles vieram com o meu nome para começar a conversar. Eles têm um respeito muito grande por quem ocupou um cargo público. Principalmente ministro”.

Mendonça, que tem uma trajetória ligada ao mercado financeiro, estabeleceu negociações com quatro Estados para a instalação da fábrica de caminhões da Foton. São Paulo e Espírito Santo foram descartados. O Rio de Janeiro estava levando a melhor sobre o Rio Grande do Sul por razões logísticas, mas um problema ambiental na área escolhida deu chance ao governo gaúcho – que venceu a parada ao concordar em entrar de sócio do empreendimento com um aporte de R$ 40 milhões. Mendonça, que ganhou dinheiro com o mercado financeiro e de capitais, também participa do capital da Foton.

Aos 72 anos, Mendonça se notabiliza por publicar artigos e realizar palestras em que se mostra otimista com os rumos do Brasil, na contramão do discurso dos próceres, antigos e atuais, do PSDB. “Não sou filiado ao PSDB”, esclarece. “Sou próximo. Trabalhei muito com o Fernando Henrique. Trabalhei na primeira eleição dele ao Senado, em 77. Mas nunca tive uma vida partidária”, ressalva. AMANHÃ o convida a analisar os dois principais líderes do Brasil. Algum dia eles se aproximarão, de algum modo? “Não”, interrompe Mendonção. “São dois grandes partidos antagônicos e em uma democracia é muito importante que um contraponha o outro, mas de forma civilizada, como é hoje. O Fernando Henrique e o Lula sabem que o sucesso do Brasil de hoje foi a combinação dos dois. Nada do que tem hoje existiria se houvesse um só”, completa.

Veja a seguir o que tem hoje no Brasil pelas lentes de Luiz Carlos Mendonça de Barros.

Quando a economia brasileira voltará a crescer?
Isso ainda é uma coisa difícil de prever. O que eu acho importante é que, claramente, a presidente Dilma mudou o software econômico do governo neste segundo mandato. Esta mudança é extremamente relevante porque a partir dela é que podemos fazer projeções. A Dilma no primeiro mandato inovou em relação ao presidente Lula, no sentido de que ela trouxe para o governo um pensamento tradicional do PT na economia – e em outros setores também, mas aqui estamos falando de economia.

Qual a diferença básica que Dilma estabeleceu em relação ao período Lula?
No seu primeiro mandato Dilma seguiu um pensamento econômico muito claro que o PT defende desde sua fundação. É o pensamento dominante na escola em que ela estudou, a Unicamp. Alguns dos elementos importantes do PT também estudaram lá, como o {Luiz Gonzaga) Belluzzo, o Luciano Coutinho, que presidiu o BNDES, e o {Aloizio) Mercadante, hoje o segundo homem mais importante do governo, e que por muito tempo deu aula na Unicamp. O {Guido} Mantega, embora não pertencesse à Unicamp, fez toda a carreira dele na FGV de São Paulo, que segue a mesma escola. O Lula, por uma certa razão, manteve, em seus oito anos de mandato, basicamente o software econômico do Fernando Henrique. A Dilma, não. Ela inovou, trocou todo mundo e seguiu à risca nos primeiros quatro anos o que esta escola tradicional do PT pensa sobre economia e sobre a melhor forma de administrar a política econômica no Brasil.

E como o senhor avalia o experimento de Dilma?
O resultado foi muito ruim. Mas agora temos um fato econômico importante, e que mostra que no segundo mandato ela claramente rompeu com esta escola econômica. Apesar de o Mercadante continuar no governo, ela trouxe para o Ministério da Fazenda, que é o centro de poder na gestão da economia brasileira, o {Joaquim} Levy, que é formado na escola de Chicago. E Chicago é a antítese da Unicamp. Estas duas escolas brigam aqui no Brasil há muito tempo...

Qual o divisor de águas entre estas duas escolas?
A escola Unicamp representa aqui no Brasil uma das vertentes do pensamento keynesianista, que segue em duas direções. Quando Keynes morreu, nos anos 40, deixou pouca coisa escrita e definida, mas deixou muitas ideias. Uma vertente keynesiana atua na Inglaterra, em Cambridge. E outra nos Estados Unidos, em várias universidades. Cada uma destas escolas pegou o que existia de pensamento keynesianista e tocou para a frente. E se separaram radicalmente ao longo do tempo. Tanto que o pessoal da Unicamp chama a americana de keynesianismo bastardo. Só por isso já fica claro o grau de divergência. Esta escola que a Unicamp acabou representando é socialista, levou o pensamento de Keynes a uma intervenção sistemática do governo na economia. É muito voltada para a intervenção microeconômica, para o estímulo a setores industriais.

E o ramo norte-americano do Keynesianismo?
A escola americana acabou desenvolvendo o pensamento mais neoclássico, onde a intervenção do governo na economia é feita no nível macro e não no micro. Esta é a grande divergência. Embora defendendo a presença do Estado, esta vertente americana acha que a função do governo é trabalhar na parte fiscal, na parte monetária, na parte regulatória. E, então, temos a terceira corrente, que hoje é representada pela PUC do Rio, que é a chamada escola monetarista, do Milton Friedman, que diz o seguinte: o governo não tem que se meter na economia, que é uma questão meramente privada. O governo tem que cuidar de outras coisas. Na economia, apenas manter a parte fiscal e a parte monetária corretamente, e não exercer nenhuma interferência microeconômica, em benefício de setores.
Dilma seguiu à risca o programa do PT. E o resultado foi muito ruim. Ela certamente tomou um susto na eleição”
Zero de política industrial, portanto.
A política industrial é um um divisor de águas. E até mesmo no âmbito do Keynesianismo, porque os ingleses acham que dar estímulos a certos setores não é pecado mortal de um governo – ao contrário, é uma obrigação do governo, que seria o principal elemento da economia. E o Keynesianismo americano acha que o governo é um ator secundário na economia, e que só deve aparecer quando há distorções a corrigir, desequilíbrios.

O senhor já esteve no front deste debate muitas vezes, não?
No governo do Fernando Henrique havia um conflito parecido entre os tais monetaristas e os desenvolvimentistas. Eu era do grupo chamado desenvolvimentista, que segue um pouco o keynesianismo americano – no sentido de acreditar que o governo tem que intervir em determinadas circunstâncias, mas sempre de uma forma acessória. Porque o grande responsável pelo desenvolvimento econômico é o setor privado. Ao governo cabe o papel de dar ao setor privado condições de levar adiante essa missão. Só que em algum momento, o setor privado começa a fazer um monte de besteira e aí o governo tem que interferir. Foi o que aconteceu nos EUA agora, nesta crise de 2008. Lembra que o governo americano comprou ações da Chrysler e da GE? Então, a Dilma em um primeiro momento de quatro anos, como é uma pessoa disciplinada, seguiu à risca tudo o que esse pessoal mandava ela fazer. Tudo foi feito, e o resultado foi muito ruim: o crescimento desapareceu, a inflação está aí de volta, desequilíbrios fiscais, desequilíbrios externos... Ela certamente tomou um susto na eleição. A coisa ficou muito próxima de uma derrota.

O senhor conhece a presidente?
Eu não a conheço pessoalmente. Mas certamente quem chega a esta função a que ela chegou – e depois de quatro anos de mandato – é alguém que tem uma visão das coisas. Ela falou o seguinte: eu tenho mais quatro anos para fazer a minha história e a politica econômica dos primeiros quatro anos quase me custaram demais. O Lula já fez a sua experiência nos oito anos dele...por que que eu não posso fazer? E achou uma pessoa que, vamos dizer assim, está surpreendendo mesmo desenvolvimentistas como eu .... Porque ele veio do núcleo duro do monetarismo. Ele é um Malanzinho – ou um Malanzão... Só que ele, como é uma pessoa que viveu, tem uma história, quando vemos o discurso de posse dele, vemos que ele esta claramente fazendo uma adaptação. Ele não é o monetarista histórico que ele sempre foi, mas está fazendo uma adaptação meio desenvolvimentista na história.

Já é efeito de um jogo de cintura que ele adquiriu para conviver com uma presidente com o perfil de Dilma, não?
Lógico. Ele é funcionário da presidente. E, portanto, no fundo, ele tem que fazer o que ela quer que ele faça. Só que ela aceitou trilhar um caminho diferente, mas com seu limite. Ele não vai fazer uma revolução liberal no governo e na economia. Por exemplo, uma das questões centrais do discurso dele é o reconhecimento de que ao longo dos oito anos do governo Lula, e um pouco do de Dilma, se criou uma classe média nova no Brasil e isso ele fez questão de citar. O PSDB tem uma dificuldade imensa de aceitar, por um problema psicológico, sei lá, de não poder reconhecer no governo do Lula nada do que foi feito. No governo Lula, e isso é claro hoje, há uma mudança extraordinária que é o tamanho da classe média brasileira. A classe média brasileira no final do governo do Fernando Henrique era um terço da sociedade e hoje é 70%.

Este fenômeno não aconteceu em outras nações emergentes, e mesmo na América Latina, na década passada?
Não, nada. Na América Latina foi só o Brasil. E no âmbito global foram somente dois países que representaram isso: Brasil e China. Aí vem o PSDB e diz “Ah, mas foi causa da commodities...” Mas do ponto de vista político e social não interessa isso. O sujeito que vivia na informalidade e hoje é uma classe média com carteira assinada está pouco se “lixando” se foi problema da China ou do real. Ele associa de uma maneira muito clara essa melhoria de vida dele ao governo do Lula. Só que ao governo do Lula com uma política econômica desenvolvimentista, não com uma política do PT. A Dilma que resolveu voltar às origens, deu-se mal e está fazendo agora uma volta ao ensinamento do período do Lula.

Ironicamente, Dilma, que não é egressa no PT na origem, foi mais petista na política econômica que Lula.
Porque ela é uma mulher inteligente. Não é possível que uma pessoa com uma carreira como a dela seja ignorante. Ela pode ter problema de personalidade, mas é uma pessoa que consegue ler as coisas. Ela leu. Eu mesmo escrevi várias colunas e na última delas eu dizia: presidente, não trilhe o caminho anterior, volte para o caminho do Lula. E foi o que ela fez. Tanto que há na imprensa hoje certa perplexidade com o movimento dela. Mas ela fez. Achou uma pessoa que me parece totalmente adequada para este papel, porque, mesmo tendo a origem e um pensamento mais ortodoxo, está conseguindo fazer uma adaptação. Mudou tudo. Tanto é verdade que está trocando na presidência do BNDES o sr. Luciano Coutinho, que é um dos melhores economistas da Unicamp – e que era um dos executores dessa política de intervenção na economia. Ele vai embora. Para quem mantém os olhos abertos para os sinais que a política manda, é claro que essa é a coisa mais importante desta mudança. Na minha visão, este é o começo da solução dos problemas da economia brasileira. Para recolocar a economia em crescimento necessariamente teria que fazer esta mudança, e ela fez.

É o suficiente para retomar o crescimento?
Eu consigo ver a economia voltando a crescer em 2017, 2018. Em 2015, a economia não vai crescer porque vão estar sendo feitas uma série de mudanças, de ajustes. 2016 já deve trazer uma melhora na economia. Mas o crescimento do emprego, por exemplo, não vai acontecer em 2016, pelo contrário. 2015 e 2016 serão dois anos em que o emprego vai crescer muito pouco. Mas o volume de pessoas empregadas e tendo renda vai estar preservado. Quem vai sofrer mais é o pessoal de alguns segmentos, como a indústria automobilística que está tendo que adequar o número de funcionários a uma demanda mais fraca, mas ainda assim somos o quarto ou o quinto maior mercado do mundo. Mas com este movimento ela pode ter criado dois anos com alguma amolação, mas lançará a semente... E é o que interessa, do ponto de vista eleitoral, na história dela. A Dilma vai ser avaliada por 2017 e 2018 e não por 2015. Eu acredito que ela fez o movimento correto, eu acredito que vamos passar um dois anos aí andando de lado, mas...

Qual é o tamanho do solavanco que o país vai enfrentar em 2015?
Não vai ser muito grande. Alguns setores vão sofrer. Que setores são esses? Aqueles em que a demanda cresceu demais e agora vai ter alguma acomodação. Por exemplo, o automóvel. O Brasil vendia 100 mil carros por mês em 2005. Em 2012, 2013, chegou a vender 330 mil. Multiplicou por mais do que três. Agora vai cair um pouquinho, 10 ou 15%. Mas quando se olhar este período, o desempenho ainda é extraordinário.
A China mudou. Tem lá hoje 700 milhões de chineses de classe média. Crescem menos. Mas são a maior economia do mundo”
Qual vai ser o drive de crescimento da economia brasileira? Recentemente nós tivemos a alavanca do crescimento chinês e que agora perde vigor, e tivemos o estímulo do consumo interno, que agora também esbarra em uma certa exaustão...
Mas se mantém. Vou dar um dado para você. O Serasa divulgou o resultado do comércio do Brasil em 2014 e a manchete do jornal foi o seguinte: Crescimento do comércio em 2014 foi o mais baixo dos últimos 11 anos. Quando se lê uma manchete desta, se imagina “poxa, deve ter sido um desastre...” Mas não: cresceu 3,7% no ano passado em relação a 2013. O que é um crescimento extraordinário. A massa de salários, que é o volume total de salários formais pagos no Brasil cresceu 3%. Ou seja, ninguém perdeu renda, ninguém perdeu emprego. Por isso que estou dizendo: era o momento correto para fazer isso, dar essa freada de arrumação porque o nível de bem-estar está alto e, assim, permitir que nos dois últimos anos do governo possamos realmente voltar a crescer. Eu estou confiante.

E sobre o comportamento menos acelerado da China, que ganhou muita relevância para a economia mundial. Como é que você este processo?
Vejo muito bem. Faz 30 anos que a China mudou do socialismo troglodita do Mao para um socialismo meio temperado com mercado, e ela cresceu extraordinariamente. Só que nestes 30 anos ela já mudou a forma de crescer por três vezes. Porque a sociedade vai mudando. Tem lá hoje 700 milhões de chineses de classe média. A venda de automóveis na China foi de 27 milhões de veículos. Os Estados Unidos venderam 17 milhões. E a Europa 10 milhões... E eles, os chineses, estão fazendo agora uma terceira mudança que é sair da dependência do investimento do governo e das exportações baratas para o consumo interno. E é evidente que o tamanho da economia chinesa cresceu muito. Uma coisa é você crescer 17%, 12%, quando a economia é pequenininha. Agora eles são a maior economia do mundo. Não dá mais para crescer daquele jeito... Eles vão reduzir este crescimento para uns 6% ou 5% do PIB. Mas 5% do PIB de hoje é dez vezes mais que aquele crescimento de 17% de muito tempo atrás...

Não se trata de discutir, então, se o jumbo chinês vai aterrissar de modo suave ou não?
Não. O que há é uma mudança na forma de crescimento da China. E que acaba afetando um pouco o Brasil porque sai um pouco do crescimento de commodities – a gente exporta minério de ferro, basicamente – para um outro tipo de produto. Mas o Brasil está exportando carne, café. É uma mudança de matriz, e neste processo tem quem ganha e tem quem perde. Mas a economia chinesa continua sendo hoje o maior crescimento de PIB do mundo em dólar e vai continuar sendo por muito tempo ainda. Mudou a forma de a China crescer e o Brasil também... Agora, a China, para nós, é... a imagem que eu sempre uso é a de um foguete que vai lançar um satélite. Este foguete tem pelo menos três estágios. O primeiro estágio é um motor superpotente. Por quê? Porque tem que vencer a gravidade. Depois que o foguete venceu a gravidade os outros segmentos são motores muito mais rápidos porque você já venceu a gravidade. O Brasil venceu a gravidade desta falta de uma classe média grande. Porque o crescimento chinês levou neste primeiro estágio, que nós tivemos, a classe média de um terço para 70%. A partir de agora eu não preciso da força chinesa para crescer. É é preciso usar outros tipos de motores, que é o que o governo vai tentar fazer agora.

Quando o Brasil ocupará um espaço minimamente relevante no comércio internacional?
Acho difícil porque o Brasil é um país de consumo. Dois terços do PIB brasileiro é consumo das famílias. Normalmente, a indústria brasileira não vai ser uma indústria exportadora. Por causa do tamanho do mercado interno, por causa do consumo. É como nos Estados Unidos. Eles têm déficit comercial todo ano. Porque há um apetite de consumo tão grande que eles precisam comprar do mundo todo. Há exceções, claro. A Embraer é um caso atípico. Ou o ramo de alimentos. Porque produzimos alimento em volume muito maior do que consumimos, e de modo eficiente.
A Foton, hoje, é simplesmente um sinal do que vai acontecer a partir de 2017: uma migração muito grande de empresas chinesas para cá”
O senhor preside a Foton, montadora chinesa de caminhões que está se instalando no sul do Brasil. Como você vê a disposição dos chineses de entrar no país? Há setores que temem uma invasão chinesa, e até se atribui a este receio a lei de terras, que limita a propriedade estrangeira de áreas no Brasil.
A China, como eu te falei, é um país em transformação muito radical. De um país agrário para um país industrial. E eu sinto isso de uma forma bem particular por causa desta associação com a Foton. Se há alguém no Brasil que consegue entender um pouco do que vai acontecer com o investimento chinês somos nós, aqui, porque estamos trabalhando com a maior empresa de caminhões de lá. E o que estamos vendo, no caso da Foton, é uma visão estratégica de entrar no mercado brasileiro. Já estamos começando a operar aqui e a construir a fábrica. Mas a decisão deles é vir aqui e ser um dos cinco, talvez quatro, grandes produtores, de caminhões aqui no Brasil. E por quê? Por uma questão estratégica. Eles querem se transformar em uma potência mundial e eles sabem que, para isso, as empresas chinesas tem que ir para o mundo. Agora, o caso Foton é ainda muito particular, mas {a chegada dos chineses} já está acontecendo. Recentemente o segundo maior banco chinês comprou um banco brasileiro o Bicbanco. Eu conversei com os chineses e eles têm, lá, uns 30 clientes grandes na China que estão em processo de criar investimentos aqui no Brasil, e é por isso que o banco chinês está vindo para cá – para servir como alavanca para estes clientes.

Por que o senhor diz que a Foton é um caso particular?
A Foton, hoje, é simplesmente um sinal do que eu acho que vai acontecer a partir de 2017, 2018: uma migração muito grande de empresas chinesas para batalhar pelo mercado aqui no Brasil. Entre outras razões, porque a qualidade dos produtos industriais da China ainda é muito inferior em relação aos da Europa e dos EUA. E no caso específico de caminhões, o que eles perceberam é quem para evoluir tecnologicamente e entrar na Europa e nos EUA, o Brasil é um bom ponto de entrada. Porque é um mercado que exige muita qualidade do produto. O caminhão brasileiro é um dos melhores do mundo em termos de qualidade. Então, ao vir para cá eles começam a aprender a trabalhar com esse nível de qualidade. Este é o objetivo deles com a fábrica da Foton perto de Porto Alegre.

O Brasil será uma plataforma de exportação para a Foton?
Não tanto de exportação, mas é de aprendizado, de como é que se constrói um caminhão de qualidade. Se você olhar o caminhão chinês que nós vamos produzir em Porto Alegre e compará-lo com o chinês, ele é muito melhor. Isso é dito pelos próprios engenheiros da China. Então, um dos objetivos deles é se transformar em uma líder mundial. Se eles querem isso tem que produzir no Brasil, porque a Volvo, Volkswagen, a Mercedes, todas estão aqui. E, em segundo lugar, eles perceberam que para treinar a engenharia deles na construção de produtos de qualidade, a melhor coisa que eles tem que fazer é aprender aqui no Brasil. O nosso caminhão de 10 toneladas que vai ser produzido aqui, acabou de ganhar um prêmio de qualidade no Brasil. Ganhou da Vokswagen, da Mercedes. Por quê? Por que na China o consumidor não tem vez nenhuma. O cara comprou o caminhão e dane-se. E aqui no Brasil o consumidor é um chato de galocha. Ele exige atenção, exige qualidade.

As missões que levam industriais brasileiros à China funcionam para abrir frentes de negócios.
Esse processo é bom. Mas... ainda está cedo. Por que é que a Foton do Brasil conseguiu nestes quatro anos este sucesso que a gente está tendo? Uma das razões é que, desde que eu estava no governo, eu acompanhei muito o desenvolvimento chinês, li muito. Então eu aprendi, comecei a entender o chinês que é um sujeito muito nacionalista, muito fechado. E fizemos uma coisa que hoje é fundamental. Nós conseguimos um chinês, que é sócio nosso, que mora na China. Então, ele consegue traduzir daqui para lá e de lá para cá uma linguagem cultural complexa. Essa vai ser a grande dificuldade que este pessoal daqui vai começar a entender. Só que tem uma outra geração de chineses que hoje deve ter uns 40 anos, que já é uma geração diferente, que fala inglês muito bem. Mas este pessoal não chegou ainda no nível de mando das empresas. Embora esteja a caminho.

Qual é o ruído mais frequente na tentativa de aproximação de um brasileiro e um chinês para fazer negócios?
O primeiro aspecto a considerar é que você precisa ter uma contrapartida, na China, de uma empresa que esteja neste processo de internacionalização. Porque há empresas chinesas que não estão neste caminho. São empresas que só olham para o mercado chinês. Aí é difícil, porque elas simplesmente olham para o Brasil como um mercado para vender. Mas tem varias indústrias na China que estão interessadas em se internacionalizar, como o banco chinês que mencionei antes, como uma empresas de guindastes que se instalou em Minas... O potencial de desenvolvimento de negócios é grande. Tanto que nós temos um terreno muito grande que já está sendo cogitado por outras empresas para fazer um parque chinês em Guaíba, na Grande Porto Alegre.

O industrial brasileiro deve olhar o chinês como um competidor a ser combatido ou como um sócio, já que em muitos casos não tem como vencê-lo?
Como um parceiro. Veja o caso da Maxxion, por exemplo, que nunca vendeu seus produtos para a Foton China está começando a discutir a possibilidade de exportar para lá. E a relação conosco é parceria, não é nem sociedade. Eles têm interesse. E em alguns segmentos nós somos absurdamente competitivos com eles. Agora, dá um grande trabalho – porque lidar com chinês, principalmente com os mais velhos, não é fácil. Afinal, quantas décadas eles viveram absolutamente fechados e olhando o ocidental como um inimigo. Só que isso está mudando, e então você vai ter que... Olha, não adianta, o industrial brasileiro vai ter que sair daquela moleza de um mercado relativamente grande e protegido, para passar para um mercado maior, mas com mais competição. Quem não olhar o mundo desta forma nova, e a China é o grande elemento do mundo do futuro, vai ficar de fora. Tudo que é novidade, tudo que é fronteira, dá trabalho...