quinta-feira, 26 de março de 2015

Receita cria malha fina para pequenas e médias empresas

 por Valor Econômico – 
 


A Receita Federal do Brasil anunciou nesta quinta-feira a criação da Malha Fina Pessoa Jurídica. No primeiro cruzamento de informações, o órgão identificou incoerências no valor de R$ 7,2 bilhões na declaração apresentada por 26 mil pequenas e médias empresas. Os equívocos foram encontrados nas declarações referentes ao exercício de 2012.

Segundo o subsecretário de Fiscalização da Receita Federal do Brasil, Iágaro Jung Martins, no dia 23 de fevereiro, o Fisco encaminhou um alerta para as 26 mil empresas para que elas façam a retificação das informações e evitem recebimento de multa da fiscalização do Fisco. As empresas têm, pelo menos 90 dias, para fazer as correções.

“Para nós é vantagem, não significa que a fiscalização da Receita virou gatinho”, disse o subsecretário com relação ao envio dos alertas para as companhias com indícios de irregularidades. Caso a empresa não faça retificação e seja pega pela fiscalização da Receita Federal poderá receber multa que varia de 75% a 225% do valor devido.

“Não tenho a prova que houve a infração tributária. Tenho apenas cruzamento de informações. Até confirmar sonegação, há um caminho a ser perseguido”, ressaltou o subsecretário.

Martins explicou que a Receita está dando uma oportunidade de autorregularização das declarações dessas empresas, como já acontece para a pessoa física, e dessa forma viabilizar a arrecadação espontânea, evitando discussões judiciais que podem levar algo em torno de cinco anos para ser resolvido. No caso do contribuinte, ele evita um passivo tributário.

A gaúcha Panvel mira o Paraná. E a paranaense Nissei olha para São Paulo



As duas maiores redes de farmácias da região sul planejam um ano de crescimento e expansão, mesmo que a economia não jogue a favor

Por Conrado Esber


1-panvel-anitaNo sul, o varejo de farmácias cruza as fronteiras estaduais no ritmo de expansão das duas principais redes de drogarias da região, que planejam seguir crescendo, apesar das projeções de um cenário econômico difícil para 2015. A Panvel (foto), tradicional rede originária do Rio Grande do Sul e que já instalou 35 lojas na vizinha Santa Catarina, agora olha para o Paraná como o principal ambiente para expandir seus negócios. Enquanto isso, a paranaense Nissei prefere fortalecer sua posição colocando suas fichas no mercado de São Paulo.

Com a força de um faturamento de R$ 2 billhões em 2014, o que significa 8% de crescimento em relação ao resultado do ano anterior, a Panvel projeta a abertura de 35 novas lojas em 2015. “O nosso foco é a região sul. Metade das novas inaugurações é no estado do Paraná e a outra metade é dividida entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina”, indica Julio Mottin Neto, vice presidente do Grupo Dimed/Panvel . “Investimos no Paraná porque é onde temos a presença mais tímida, são 29 lojas lá e todas em Curitiba. Nesse ano estamos entrando em Maringá e Londrina”, avisa.

Ainda que os custos com aluguéis, energia elétrica e folha de pagamento dos funcionários tenham aumentado, a previsão da Panvel é de que 2015 deverá ser um ano melhor do que 2014. O ano que passou foi considerado atípico por conta da mudança da sede administrativa do Grupo Dimed de Porto Alegre para Eldorado do Sul, na região metropolitana de Capital gaúcha. A Copa do Mundo foi outro fator que freou as vendas. “Esse ano teremos que cortar custos, o que para nós é um problema muito sério”, diz, referindo-se à pouca margem para repassar custos ao consumidor. “Até porque o preço do medicamento é tabelado pelo governo e há mais de dez anos aumenta abaixo da inflação”, indica Mottin Neto. Ainda assim, a projeção para o ano é de um crescimento de 15% para o varejo 8% para o atacado, com um crescimento médio de 13% nas receitas do grupo Dimed/Panvel.

Se o corte de custos é difícil e não é possível reajustar o preço dos medicamentos, a saída é apostar no setor de higiene e beleza, que já representa 35% das vendas da Panvel. Além das novas inaugurações, a rede está transferindo lojas pequenas para pontos maiores, com o objetivo de dar mais espaço para os produtos que tem preço livre. “A vaidade das pessoas normalmente é muito forte, talvez até mais forte do que a preocupação com comida”, compara Mottin Neto, com uma ressalva: “Na parte de vendas ainda estamos otimistas, mas na parte de custos vamos ter que ter muito cuidado.”

1-panvel-anitaA paranaense Nissei (foto) também está jogando no ataque. A companhia, que vem registrando um crescimento médio de 18% ao ano, aposta em um cenário favorável. Dados da consultoria IMS Health apontam que até 2018 o Brasil deve saltar do 10º para o 4º lugar em um ranking que compara o tamanho do mercado de produtos farmacêuticos em diferentes países. “Com um pouco de cautela, podemos afirmar que é possível mantermos o crescimento previsto em nosso planejamento, já que a situação econômica não tem interferido de forma decisiva em nosso segmento”, afirmou, por e-mail, o diretor da Nissei Alexandre Maeoka.

Entre 2009 e 2014 a Nissei conseguiu dobrar o seu faturamento, atingindo o valor de R$ 1,3 bilhão no ano passado. “Pretendemos manter o nosso planejamento de expansão, com foco principal no estado de São Paulo, uma área bastante estratégica para o nosso negócio”, aponta Maeoka. O crescimento da rede é sustentado por uma forte ampliação no número de lojas da marca, saltando de 150 para 230, no mesmo período em que o faturamento dobrou. Por isso, a intenção da Nissei é seguir com o pé no acelerador e marcar território no mercado paulista.

Fusão com a Heinz fará da Kraft Foods uma empresa global


Wikimedia Commons
Kraft Foods
Kraft Foods: a empresa resultante da fusão, The Kraft Heinz Company, será a quinta maior em bebidas e alimentos do mundo

São Paulo - Com a aquisição da Kraft Food, a 3G Capital e a Berkshire Hathaway querem repetir as mudanças que fizeram na Heinz, comprada em 2013: aumentar a eficiência e a operação internacional.

O objetivo, segundo os diretores da nova The Kraft Heinz Company, é “criar uma potência em alimentos e bebidas”. Com a plataforma global que a Heinz já possui, será mais fácil fazer com que os negócios da Kraft tornem-se globais.

Segundo John Cahill, chairman e presidente do grupo Kraft Foods, há grandes oportunidades para o seu crescimento fora dos Estados Unidos.

A marca já é conhecida por 80% dos consumidores, em 14 mercados internacionais, apesar da fatia de exportação ser de apenas 2%.

O presidente afirma que aumentar o portfólio internacional já estava nos planos da Kraft e a fusão ajudou a acelerar as mudanças e alcançar os objetivos mais rapidamente.

Com sinergias em torno de US$ 1,5 bilhão geradas pela fusão, a nova The Kraft Heinz Company terá cerca de 24% das vendas em mercados internacionais.

A nova empresa


O fundo de private equity dos empresários brasileiros Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, 3G Capital, e a empresa que controla os investimentos de Warren Buffett deterão 51% das ações da The Kraft Heinz Company. A aquisição pode chegar a US$ 40 bilhões.

Os acionistas da Kraft ficarão com 49%, tendo recebido US$ 10 bilhões e mais US$ 16,50 por ação.

“Estamos muito animados com essa transação monumental”, disse Alexandre Behring, chairman da H.J. Heinz Company e cofundador da 3G Capital.

Com razão: a empresa resultante da fusão será a quinta maior em bebidas e alimentos do mundo e teria, em 2014, faturamento combinado de US$ 29 bilhões.

Mudanças na Heinz

 

Desde que foi adquirida pelos mesmos dois investidores, em 2013, a Heinz se tornou a mais lucrativa do mercado de alimentos e bebidas.

Com cortes em custos, promoções internas e melhoria nos processos, o ebitda da Heinz cresceu 8 pontos porcentuais um ano depois da aquisição.

Segundo Bernardo Hees, presidente da Heinz, a empresa passou a focar as marcas mais lucrativas e descontinuou aqueles produtos que não davam o resultado esperado. 

As vendas nos mercados emergentes também “cresceram dramaticamente”, segundo o presidente, de 9% em 2005, para 25% em 2014.

Ser Educacional assina contrato para compra do Centro Bennet




Fengyuan Chang/Thinkstock
 
Sala de aula
Sala de aula: com o contrato, novos cursos de graduação, tecnológicos e de licenciaturas na cidade do Rio de Janeiro poderão ser lançados
 
Marcelle Gutierrez, do Estadão Conteúdo


São Paulo - Por meio de sua subsidiária União de Ensino Superior do Pará (Unespa), a Ser Educacional assinou nesta quinta-feira, 26, contrato para a compra da mantença do Centro Universitário Bennet, no Rio de Janeiro. 

O contrato prevê o pagamento total de R$ 10 milhões à Metodista Bennet.

"A companhia acredita que a aquisição do Centro Universitário na cidade do Rio de Janeiro é um passo importante para que o Grupo continue seu processo de expansão na região sudeste do Brasil, iniciado com a aquisição da Universidade Guarulhos - UnG", informou a Ser Educacional, em fato relevante enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

O pagamento será feito em duas parcelas, sendo a primeira de R$ 1 milhão, a ser depositada em uma conta vinculada da própria Unespa em até 15 dias após a assinatura do contrato; e o valor remanescente no fechamento da operação.

Segundo o fato relevante da empresa, o Centro Universitário está credenciado pelo Ministério da Educação (MEC) e possui Índice Geral de Cursos (IGC) igual a 3. 

A Ser Educacional também comunica que, por se tratar de um centro universitário detentor de autonomia universitária, novos cursos de graduação, tecnológicos e de licenciaturas na cidade do Rio de Janeiro poderão ser lançados, sem necessidade de autorização prévia por parte do MEC. 

"Tal característica poderá trazer maior flexibilidade e velocidade de crescimento na captação de alunos na cidade", informou a companhia.

O fechamento da operação e efetiva cessão da mantença à Unespa dependem de aprovação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e do MEC. 

A Ser Educacional informou ainda que pelo fato de ter sido realizada por meio de subsidiária, não haverá aos acionistas direito de recesso em decorrência da operação.

Bilfinger admite ter pago suborno de 1 mi de euros na Copa



Getty Images
Suborno
Suborno: companhia informou que está cooperando de perto com autoridades brasileiras
 
 
Frankfurt - A empresa alemã de engenharia e serviços Bilfinger reconheceu nesta quinta-feira que pode ter pago até 1 milhão de euros em subornos para ganhar contratos no Brasil relacionados à Copa do Mundo de 2014.

A Bilfinger informou no domingo que estava investigando se funcionários de uma subsidiária no Brasil subornaram autoridades públicas no país em contratos para equipar centros de segurança em diversas grandes cidades brasileiras para o Mundial.

Em nota nesta quinta-feira, a empresa afirmou: "Após investigar todas as operações contábeis dos últimos anos, informações atuais indicam a existência de pagamentos potencialmente impróprios de até 1 milhão de euros no total".

Um porta-voz da empresa disse que a investigação englobou transações de até oito anos atrás.

A companhia informou ainda que está cooperando de perto com autoridades brasileiras e vai fornecer à Controladoria-Geral da União (CGU) os resultados de suas investigações.

A Bilfinger contratou as auditorias Ernst & Young e Deloitte e um escritório de direito no Brasil para ajudar na investigação, segundo a empresa.

O Ministério da Justiça determinou no domingo a instauração de análise interna "imediata" de licitações envolvendo subsidiária da empresa alemã no Brasil.

Economist compara campanha de Dilma a estelionato eleitoral


REUTERS/Ueslei Marcelino
 
Dilma Roussef
Dilma: "não é difícil ver por que os eleitores estão com raiva", afirma a publicação", disse
Fernando Nakagawa, do Estadão Conteúdo


Londres - A revista britânica The Economist publica um novo editorial sobre o Brasil na edição que chega às bancas neste fim de semana. Com o título "Lidando com Dilma", a publicação diz reconhecer os motivos que deixam brasileiros "fartos" da presidente Dilma Rousseff

Para a Economist, Dilma mentiu na campanha e os eleitores estão percebendo que foram vítimas de um "estelionato eleitoral". "Mas um impeachment seria uma má ideia", diz a revista.

"Não é difícil ver por que os eleitores estão com raiva", afirma a publicação ao comentar recente pesquisa que revelou que 60% dos brasileiros apoiam eventual impeachment da presidente. 

"Ela presidiu o conselho da Petrobras entre 2003 e 2010, quando os promotores acreditam que mais de US$ 800 milhões foram roubados em propinas e canalizados para os políticos do PT e aliados", diz o editorial.

Além disso, a revista alega que Dilma venceu as eleições presidenciais de outubro "vendendo uma mentira". "De fato, como muitos eleitores estão percebendo agora, Dilma vendeu uma mentira", diz o texto. 

A The Economist argumenta que erros cometidos no primeiro mandato de Dilma é que teriam levado o Brasil à situação atual que exige corte de gastos públicos e aumento de impostos e juros.

"Some-se a isso o fato de que a campanha de reeleição pode ter sido parcialmente financiada pelo dinheiro roubado da Petrobras. Os brasileiros têm todos os motivos para sentirem que eles foram vítimas de um equivalente político do estelionato", diz o texto.

Apesar das palavras duras, o editorial da The Economist afirma que o impeachment pode ser "um exagero emocional". 

"A legislação brasileira considera que presidentes podem ser acusados apenas por atos cometidos durante o atual mandato", diz o texto.

"E, ainda que muitos políticos brasileiros achem que a presidente é dogmática ou incompetente, ninguém acredita seriamente que ela enriqueceu. Contraste com Fernando Collor que embolsou o dinheiro".

O editorial também reconhece que as instituições estão trabalhando para punir os criminosos.

"Um impeachment iria se transformar em uma caça às bruxas que enfraqueceria as instituições, que ficariam politizadas", diz o texto, que pede que Dilma e o PT assumam as responsabilidades "pela confusão que ela fez no primeiro mandato, em vez de se tornarem mártires do impeachment". 

"Ter Dilma no gabinete fará com que os brasileiros estejam mais propensos a entender que as velhas políticas é que são as culpadas, não as novas".

Combate à corrupção requer mudança cultural, diz filósofo




Guilherme Dearo/Exame.com
O professor e filósofo Michael Sandel
Sandel: “O combate à corrupção não é só uma questão de leis. É de atitude”
 
 
 

São Paulo - O curso ministrado pelo filósofo Michael Sandel na Universidade Harvard, que tem o sugestivo nome de “Jus­tiça”, é um dos mais populares de toda a história da instituição. Cerca de 15 000 alunos o frequentaram nas últimas duas décadas. Disponível na internet, foi visto por mais de 5 milhões de pessoas.

São números como esses que já fizeram Sandel virar uma estrela no meio acadêmico americano. No meio editorial, seu sucesso é igualmente impressionante. Em 2009, ­publicou Justiça. Três anos depois foi a vez de O Que o Dinheiro Não Compra. Juntos, os dois livros venderam quase 3 milhões de cópias em todo o mundo. Antes de embarcar para o Brasil, onde vai falar sobre ética em um fórum organizado pela empresa HSM, em São Paulo, Sandel concedeu a seguinte ­entrevista a EXAME.

Revista EXAME - De que forma a corrupção costuma se espalhar por uma sociedade?
Michael Sandel - Em alguns países, a corrupção se faz presente em todas as esferas do governo e nas empresas. Quando esse é o caso, é comum que a corrupção também esteja presente na vida cotidiana de muitas pessoas. Para combater a roubalheira, o papel da polícia e do sistema judiciário é central.

É dessa forma que se encontram e se punem os poderosos. Por isso, juízes competentes e incorruptíveis são fundamentais. Leis que impeçam partidos políticos de tomar dinheiro público em benefício próprio também são imprescindíveis. Vimos isso acontecer no Brasil há alguns anos no caso do mensalão e agora estamos vendo nas investigações sobre irregularidades na Petrobras.

Revista EXAME - De que forma a filosofia pode nos ajudar a entender a lógica da corrupção?
Michael Sandel - John Locke, filósofo britânico que viveu no século 17, dizia que, antes de a sociedade ser criada, vivia-se no que ele chama de “Estado de natureza”. Ou seja, uma terra sem leis nem direitos. Cada um decide o que é certo e o que é errado. Em situações como essa, segundo Locke, as pessoas vão sempre superestimar quanto precisam para viver. Hoje em dia é comum ouvir as seguintes perguntas: “Por que fulano roubou tanto?” “Por que não para de roubar?” Acho que Locke oferece uma boa explicação.

Revista EXAME - Algumas pessoas defendem a tese da corrupção nobre. Um partido político qualquer apodera-se de dinheiro público para financiar sua campanha, chegar ao poder e adotar políticas que, supostamente, são em favor dos mais pobres. Existe uma corrupção nobre?

Michael Sandel - Em termos filosóficos, não podemos descartar essa possibilidade. O exemplo clássico não envolve a política, mas pais miseráveis que roubam um pão para dar de comer aos filhos famintos. A desonestidade é algo muito ruim, precisa ser combatida, mas é possível que haja casos que a justifiquem.

Entretanto, vale lembrar que o conceito de corrupção nobre traz um enorme risco. Se essa visão de mundo se torna endêmica, as normas de toda uma sociedade começam a sofrer um forte processo de erosão. Da obediência às leis à obrigação moral de sermos honestos, tudo passa a ser negociável.

Cada cidadão passa a ser o juiz do próprio caso. Cada um começa a se sentir com poder para julgar quando a corrupção pode ou não ser justificada. Tudo, claro, em nome de uma suposta causa nobre. Esse fenômeno é o que faz um país mergulhar na corrupção. É também o que acaba enfraquecendo a confiança nos governos e até no ­processo democrático.

Revista EXAME - É um exagero dizer que altos índices de corrupção, como os que existem no Brasil, são um sinal de deficiência moral de toda uma sociedade?
Michael Sandel - Quando a corrupção é praticada em larga escala, quando toma conta dos partidos políticos, do mundo dos negócios e da vida cotidiana, é, sim, um sinal de falência moral. É uma incapacidade generalizada de reconhecer e respeitar o direito das outras pessoas com quem dividimos um país.

Revista EXAME - Por que eleitores que se dizem enojados com a corrupção acabam votando em políticos com longos históricos de falcatruas?
Michael Sandel - De alguma forma, esse fenômeno tem a ver com a origem da corrupção — o sujeito roubando para sua família, seu grupo, sua comunidade. Uma das possíveis explicações para o fato de muitas pessoas votarem em políticos notoriamente corruptos é a ideia de que eles beneficiarão quem faz parte de seu grupo de eleitores. As pessoas querem políticos corretos e, ao mesmo tempo, querem políticos que se importem com elas. Às vezes, esses desejos entram em conflito.

Revista EXAME - O que a filosofia pode nos ensinar sobre como combater a corrupção?
Michael Sandel - O que Locke e muitos outros filósofos defendem é a necessidade de criarmos um contrato social. Nesse contrato, concordamos que todos temos de obedecer às leis e que certas instituições terão o poder de fazer a lei valer para todos, de forma justa e impessoal. O contrato cria um sistema de leis, mas vários filósofos também defendem que é preciso ir além disso.
Imagine um país com uma força policial altamente eficiente e um sistema legal implacável. Mesmo esse lugar imaginário precisaria de outro componente: cidadãos dispostos a fazer a coisa certa sem precisar ser forçados pelas autoridades. É por isso que digo que as virtudes cívicas devem ser cultivadas.

Revista EXAME - O que o senhor quer dizer quando fala em virtudes cívicas?
Michael Sandel - São cidadãos com atitudes e hábitos que tenham como meta o bem comum. Mesmo quando estamos dentro do carro, tremendamente atrasados e vemos que não há câmeras vigiando no semáforo, obedecemos ao sinal vermelho. Mesmo quando o poder de fiscalização do Fisco é falho, pagamos todos os impostos. Mesmo quando parece não haver alternativa, nos recusamos a dar ou a receber propinas.

Em resumo, não negociamos o valor da honestidade e do respeito mútuo. Por quê? Porque esses valores são parte constitutiva do que somos. É nosso caráter. É nossa visão de democracia.

O combate à corrupção envolve a aplicação das leis e também uma transformação cultural. A ideia de que sempre se deve tirar vantagem do sistema precisa ser fortemente combatida. A corrupção não é apenas um caso de lei. É de atitude diária.

Revista EXAME - Quando as pessoas não aprendem esses valores com a família, como um país pode cultivá-los?
Michael Sandel - As escolas têm um papel importante. O mesmo vale para as empresas. Empresários e executivos têm se dedicado a estabelecer regras claras e códigos de conduta para seus funcionários. Isso é positivo, mas não suficiente. Mais importante é cuidar da cultura da empresa. Muita gente ainda diz que o importante são os resultados, não o caráter dos funcionários.

As companhias devem ser ponto de referência em ética nos contatos com outras instituições e também internamente. O local de trabalho é um espaço fundamental para que as pessoas sejam incentivadas a fazer a coisa certa. Cultivar as virtudes cívicas também implica dar mais atenção à esfera pública. A resposta à corrupção exige um amplo debate sobre a ética.

Nas últimas décadas, os assuntos relacionados aos governos ficaram muito centrados nas questões de gestão. Temas como justiça, bem comum e ética ficaram de lado. E me parece urgente mudar isso. Tudo o que estou dizendo faz sentido no caso brasileiro?