A história da América do Sul
foi marcada pelo distanciamento do Brasil junto a seus vizinhos. Poucos
países receberam algum tipo de atenção, no geral, só os maiores,
tradicionalmente vistos pela ótica geopolítica como ameaça, como foi com
a Argentina (SARAIVA, 2012). O Brasil esteve de “costas” para sua
região, voltado para a Europa e em seguida para os Estados Unidos. Esta
era uma realidade presente também nos demais países, que se espelhavam
culturalmente nos países centrais e tinham nestes o principal mercado
consumidor para sua produção de commodities.
Na primeira metade do século XX, foram
tentados alguns projetos de aproximação política entre os países
sul-americanos, mas com baixo sucesso ou nenhum, como o caso do Pacto
ABC, entre Argentina, Brasil e Chile para a manutenção da ordem
regional. No período pós-Segunda Guerra houve um aumento nas tentativas
de aproximação, algumas baseadas no contexto da Guerra Fria de
contenção, como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR).
O final dos anos 50 e o início dos anos
60 viram aumentar a identidade regional dos países da América Latina e
América do Sul. Exemplo deste movimento foi a iniciativa brasileira de
busca de recursos financeiros estadunidenses para o desenvolvimento
econômico local na iniciativa chamada Operação Pan-Americana (OPA)
durante o governo de Juscelino Kubitschek. Ao longo da década de 60 iria
aumentar a identidade no subdesenvolvimento destes países e da
tentativa da busca comum por uma solução, influenciados pela Comissão
Econômica para a América Latina e Caribe da Organização das Nações
Unidas (CEPAL). A tentativa de criação de uma área de livre comércio
pela Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) foi um exemplo também malsucedido.
Mas estas etapas não conseguiram
aproximar os países da América do Sul em um verdadeiro processo de
integração regional. Não havia coordenação política, nem
interdependência econômica. O Brasil, seguindo seu paradigma de política
externa autonomista, tradicionalmente se colocava como refratário a uma
possibilidade maior de coordenar sua política com a de outros países
(LIMA, 2006).
PROCESSO DE APROXIMAÇÃO
Com o milagre econômico dos anos 70, o desenvolvimento econômico do país começou a se conectar com seus vizinhos com a internacionalização das primeiras empresas brasileiras. Processo que sofreu retração com a crise econômica dos anos 80. No final desta década, como resposta à crise econômica e à nova configuração do poder no cenário internacional – e mesmo em seus ambientes domésticos –, o Brasil se aproximou decisivamente da Argentina. Na busca de uma relacionamento bilateral, se somaram Paraguai e Uruguai no projeto de criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul) em 1991.
Os anos 90 foram período de fortalecimento da doutrina neoliberal e da proposta de um regionalismo aberto
na região. Aberto, porque a proposta era inserir suas economias no
mercado mundial globalizado, e regional porque esta abertura seria
gradual, se iniciando pelo âmbito sul-americano. Neste período, foram
esboçadas novas maneiras de integração regional além do âmbito
comercial, como buscas pela aproximação na área política, social e
cultural, mas que pouco fizeram para sair do papel.
Os anos 2000, em especial o governo
Lula, foi momento de incentivo a estes âmbitos, também por causa da
dificuldade da aproximação dos mercados consumidores. Como política
deliberada do governo petista e como reversão da ideologia neoliberal na
política externa do país, se estabeleceram instituições regionais como o
Mercosul Educacional, que coordena políticas públicas em educação em
conjunto, e a Bienal de Arte do bloco, sediada em Porto Alegre
(GUIMARÃES, 2006).
LIDERANÇA REGIONAL
O Brasil também liderou a formação de
outros fóruns multilaterais na América do Sul, em destaque a União das
Nações Sul-Americanas (Unasul, 2004). Bloco com o objetivo de juntar
dois aglomerados menores, o Mercosul e a Comunidade Andina de Nações.
Além disso, a Unasul atualmente opera como um fórum intergovernamental
de todos os países da região tendo tido participação decisiva no
apaziguamento de várias crises políticas desta primeira década do século
XXI, como, por exemplo, a crise na Bolívia (2008), na contenda entre
Colômbia e Venezuela (2012) e recentemente no golpe de Estado no
Paraguai (2012). E há também em seu âmbito, uma cláusula anti-golpes de
Estado. Aliás, o jornal O Estado de São Paulo citou diplomatas que definiram esta resolução como “mais eficaz e enxuta” do que a Carta da OEA para enfrentar crises políticas[1].
Faz parte também do âmbito da Unasul o
Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS), fórum que busca reunir os países
da América do Sul ao redor do tema da segurança partindo desde questões
técnicas, como fomentar exercícios militares em conjunto, quanto
questões políticas, como a formulação de políticas internacionais em
conjunto a fim de ampliar o peso geopolítico da região. É de grande
destaque na sua formulação a ausência dos Estados Unidos. O Brasil vem
nos últimos 20 anos se destacando no papel de líder em projetos de
cooperação regional nesta área de segurança e defesa (FLEMES, 2006;
ALMEIDA, 2007), vê-se, por exemplo, a decisão brasileira de liderar as
operações de paz da ONU no Haiti (MINUSTAH), país que não faz parte da
América do Sul, mas que com a ação brasileira destaca o papel em sua
região e periferia.
À ampliação da integração regional
através de inúmeros organismos políticos de concertação, soma-se à
expansão econômica brasileira pelos países vizinhos. São muitas
empresas, públicas e privadas, no geral com financiamentos do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), participando de
obras públicas, abrindo empresas e fábricas, ou ainda comprando ativos,
em uma velocidade que já assusta alguns setores sociais e políticos dos
países da América do Sul. Alguns se perguntam até se a natureza desta
expansão econômica não seria reflexo de uma postura imperialista do
Brasil (DUARTE, 2006; LUCE, 2007).
As elites brasileiras vêm se esforçando
para buscar uma participação na política da América do Sul sob a imagem
de uma liderança regional. As ações de um líder regional, segundo
autores da área de relações internacionais (NOLTE, 2010; SCHIRM, 2007;
PEDERSEN, 2002; FLEMES, 2006), são definidas como uma estratégia não
coercitiva de realizar projetos regionais em conjunto. No caso
sul-americano, esta postura vem ganhando matizes da primazia do soft power
brasileiro, relativo a seu tamanho econômico e prestígio internacional.
Poderíamos definir assim, que o país encaminha um projeto de liderança hegemônica da América do Sul, misturando elementos de pressão com elementos de cooperação em sua estratégia regional.
Apesar deste projeto, porém, o país vem
construindo de maneira muito vagarosa e tímida sua inserção
internacional regional. Boa parte disso está na dificuldade de suas
elites em ceder maior autonomia para projetos de integração (SEBASTIAN).
O Brasil não apoia a consolidação institucional da integração da
América do Sul, mantendo a arquitetura institucional “fina e fraca”, nas
palavras de Matias Spektor (2010, p. 192). No geral, os organismos
sul-americanos são intergovernamentais, encabeçados pelos altos escalões
de seus governos. Tal maneira, diferentemente do que seria com a
constituição de uma burocracia regional, aumenta o poder político nos
encaminhamentos políticos dos atuais grupos governantes, e dificulta a
consolidação das instituições de maneira perene. Também dificulta que os
demais vizinhos sejam capazes de colocar na mesa de discussão seus
interesses, pois o Brasil consegue no geral filtrar estas demandas de
acordo com seus próprios interesses.
O debate a respeito desta atual postura
brasileira está em compreender qual o limite da capacidade brasileira de
se colocar como um líder regional sem necessariamente ter que ceder
parcela de sua autonomia internacional. A capacidade de influenciar os
demais países tenderá em uma perspectiva de médio prazo a aumentar a
necessidade de ceder aos parceiros sul-americanos benefícios capazes de
convencê-los de verem no Brasil um líder capaz de representar a América
do Sul para o mundo, seja para favorecer o controle de tráfico de drogas
e armas em sua fronteira terrestre, seja para manter o regime
democrático nos vizinhos ou seja para defender os interesses das
empresas brasileiras nos exterior.
Uma das maneiras recentes iniciativas que o país vem buscando para se colocar no papel de paymaster[2]
da integração sul-americana é na consolidação de um fundo mercosulino
de investimento, na figura do Fundo para a Convergência Estrutural e
Fortalecimento Institucional do Mercosul (Mercosul), onde os maiores
países investem mais e os mais pobres recebem mais recursos. É deste
fundo, por exemplo, que partem os empréstimos que garantem as obras para
a criação de uma linha de transmissão de energia de Itaipu para a
capital do Paraguai, Assunção. Outra maneira de atrair os vizinhos está
na expansão do BNDES no financiamento de obras públicas na região. Ambas
as maneiras ainda parecem ser tímidas para a consolidação do país no
papel de líder da América do Sul.
http://relacoesinternacionais.com.br/politica-externa/brasil-e-seu-projeto-de-lideranca-regional/