terça-feira, 28 de abril de 2015

Brasil e seu projeto de liderança regional








A história da América do Sul foi marcada pelo distanciamento do Brasil junto a seus vizinhos. Poucos países receberam algum tipo de atenção, no geral, só os maiores, tradicionalmente vistos pela ótica geopolítica como ameaça, como foi com a Argentina (SARAIVA, 2012). O Brasil esteve de “costas” para sua região, voltado para a Europa e em seguida para os Estados Unidos. Esta era uma realidade presente também nos demais países, que se espelhavam culturalmente nos países centrais e tinham nestes o principal mercado consumidor para sua produção de commodities.


Na primeira metade do século XX, foram tentados alguns projetos de aproximação política entre os países sul-americanos, mas com baixo sucesso ou nenhum, como o caso do Pacto ABC, entre Argentina, Brasil e Chile para a manutenção da ordem regional. No período pós-Segunda Guerra houve um aumento nas tentativas de aproximação, algumas baseadas no contexto da Guerra Fria de contenção, como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR).


O final dos anos 50 e o início dos anos 60 viram aumentar a identidade regional dos países da América Latina e América do Sul. Exemplo deste movimento foi a iniciativa brasileira de busca de recursos financeiros estadunidenses para o desenvolvimento econômico local na iniciativa chamada Operação Pan-Americana (OPA) durante o governo de Juscelino Kubitschek. Ao longo da década de 60 iria aumentar a identidade no subdesenvolvimento destes países e da tentativa da busca comum por uma solução, influenciados pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe da Organização das Nações Unidas (CEPAL). A tentativa de criação de uma área de livre comércio pela Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) foi um exemplo também malsucedido.


Mas estas etapas não conseguiram aproximar os países da América do Sul em um verdadeiro processo de integração regional. Não havia coordenação política, nem interdependência econômica. O Brasil, seguindo seu paradigma de política externa autonomista, tradicionalmente se colocava como refratário a uma possibilidade maior de coordenar sua política com a de outros países (LIMA, 2006).

PROCESSO DE APROXIMAÇÃO



Com o milagre econômico dos anos 70, o desenvolvimento econômico do país começou a se conectar com seus vizinhos com a internacionalização das primeiras empresas brasileiras. Processo que sofreu retração com a crise econômica dos anos 80. No final desta década, como resposta à crise econômica e à nova configuração do poder no cenário internacional – e mesmo em seus ambientes domésticos –, o Brasil se aproximou decisivamente da Argentina. Na busca de uma relacionamento bilateral, se somaram Paraguai e Uruguai no projeto de criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul) em 1991.

Os anos 90 foram período de fortalecimento da doutrina neoliberal e da proposta de um regionalismo aberto na região. Aberto, porque a proposta era inserir suas economias no mercado mundial globalizado, e regional porque esta abertura seria gradual, se iniciando pelo âmbito sul-americano. Neste período, foram esboçadas novas maneiras de integração regional além do âmbito comercial, como buscas pela aproximação na área política, social e cultural, mas que pouco fizeram para sair do papel.

Os anos 2000, em especial o governo Lula, foi momento de incentivo a estes âmbitos, também por causa da dificuldade da aproximação dos mercados consumidores. Como política deliberada do governo petista e como reversão da ideologia neoliberal na política externa do país, se estabeleceram instituições regionais como o Mercosul Educacional, que coordena políticas públicas em educação em conjunto, e a Bienal de Arte do bloco, sediada em Porto Alegre (GUIMARÃES, 2006).


LIDERANÇA REGIONAL



O Brasil também liderou a formação de outros fóruns multilaterais na América do Sul, em destaque a União das Nações Sul-Americanas (Unasul, 2004). Bloco com o objetivo de juntar dois aglomerados menores, o Mercosul e a Comunidade Andina de Nações. Além disso, a Unasul atualmente opera como um fórum intergovernamental de todos os países da região tendo tido participação decisiva no apaziguamento de várias crises políticas desta primeira década do século XXI, como, por exemplo, a crise na Bolívia (2008), na contenda entre Colômbia e Venezuela (2012) e recentemente no golpe de Estado no Paraguai (2012). E há também em seu âmbito, uma cláusula anti-golpes de Estado. Aliás, o jornal O Estado de São Paulo citou diplomatas que definiram esta resolução como “mais eficaz e enxuta” do que a Carta da OEA para enfrentar crises políticas[1].

Faz parte também do âmbito da Unasul o Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS), fórum que busca reunir os países da América do Sul ao redor do tema da segurança partindo desde questões técnicas, como fomentar exercícios militares em conjunto, quanto questões políticas, como a formulação de políticas internacionais em conjunto a fim de ampliar o peso geopolítico da região. É de grande destaque na sua formulação a ausência dos Estados Unidos. O Brasil vem nos últimos 20 anos se destacando no papel de líder em projetos de cooperação regional nesta área de segurança e defesa (FLEMES, 2006; ALMEIDA, 2007), vê-se, por exemplo, a decisão brasileira de liderar as operações de paz da ONU no Haiti (MINUSTAH), país que não faz parte da América do Sul, mas que com a ação brasileira destaca o papel em sua região e periferia.

À ampliação da integração regional através de inúmeros organismos políticos de concertação, soma-se à expansão econômica brasileira pelos países vizinhos. São muitas empresas, públicas e privadas, no geral com financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), participando de obras públicas, abrindo empresas e fábricas, ou ainda comprando ativos, em uma velocidade que já assusta alguns setores sociais e políticos dos países da América do Sul. Alguns se perguntam até se a natureza desta expansão econômica não seria reflexo de uma postura imperialista do Brasil (DUARTE, 2006; LUCE, 2007).

As elites brasileiras vêm se esforçando para buscar uma participação na política da América do Sul sob a imagem de uma liderança regional. As ações de um líder regional, segundo autores da área de relações internacionais (NOLTE, 2010; SCHIRM, 2007; PEDERSEN, 2002; FLEMES, 2006), são definidas como uma estratégia não coercitiva de realizar projetos regionais em conjunto. No caso sul-americano, esta postura vem ganhando matizes da primazia do soft power brasileiro, relativo a seu tamanho econômico e prestígio internacional. Poderíamos definir assim, que o país encaminha um projeto de liderança hegemônica da América do Sul, misturando elementos de pressão com elementos de cooperação em sua estratégia regional.

Apesar deste projeto, porém, o país vem construindo de maneira muito vagarosa e tímida sua inserção internacional regional. Boa parte disso está na dificuldade de suas elites em ceder maior autonomia para projetos de integração (SEBASTIAN). O Brasil não apoia a consolidação institucional da integração da América do Sul, mantendo a arquitetura institucional “fina e fraca”, nas palavras de Matias Spektor (2010, p. 192). No geral, os organismos sul-americanos são intergovernamentais, encabeçados pelos altos escalões de seus governos. Tal maneira, diferentemente do que seria com a constituição de uma burocracia regional, aumenta o poder político nos encaminhamentos políticos dos atuais grupos governantes, e dificulta a consolidação das instituições de maneira perene. Também dificulta que os demais vizinhos sejam capazes de colocar na mesa de discussão seus interesses, pois o Brasil consegue no geral filtrar estas demandas de acordo com seus próprios interesses.

O debate a respeito desta atual postura brasileira está em compreender qual o limite da capacidade brasileira de se colocar como um líder regional sem necessariamente ter que ceder parcela de sua autonomia internacional. A capacidade de influenciar os demais países tenderá em uma perspectiva de médio prazo a aumentar a necessidade de ceder aos parceiros sul-americanos benefícios capazes de convencê-los de verem no Brasil um líder capaz de representar a América do Sul para o mundo, seja para favorecer o controle de tráfico de drogas e armas em sua fronteira terrestre, seja para manter o regime democrático nos vizinhos ou seja para defender os interesses das empresas brasileiras nos exterior.

Uma das maneiras recentes iniciativas que o país vem buscando para se colocar no papel de paymaster[2] da integração sul-americana é na consolidação de um fundo mercosulino de investimento, na figura do Fundo para a Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul (Mercosul), onde os maiores países investem mais e os mais pobres recebem mais recursos. É deste fundo, por exemplo, que partem os empréstimos que garantem as obras para a criação de uma linha de transmissão de energia de Itaipu para a capital do Paraguai, Assunção. Outra maneira de atrair os vizinhos está na expansão do BNDES no financiamento de obras públicas na região. Ambas as maneiras ainda parecem ser tímidas para a consolidação do país no papel de líder da América do Sul.

 http://relacoesinternacionais.com.br/politica-externa/brasil-e-seu-projeto-de-lideranca-regional/

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