São Paulo – O governo brasileiro comemorou neste sábado (12) o
fechamento de um acordo climático mundial na Conferência Mundial do
Clima, a
COP 21, em Paris.
O texto foi aprovado pelos 195 países participantes da conferência, com o
principal objetivo de aliar o desenvolvimento com a redução das
emissões de carbono para mitigar os efeitos do aquecimento global.
O impasse, porém, para aplicar as medidas propostas por aqui está em aliar interesses de diferentes áreas nesse bem comum.
"Nas negociações em conferências, os ministérios de Relações Exteriores e
Meio Ambiente vão atuando, super proativos. Mas quando falamos da
implementação dessas medidas anunciadas, depende de uma série de outros
ministérios, como Minas e Energia ou Agricultura, que tem ideais de
aumento de produção", afirma em entrevista a EXAME.com a
presidente do Comitê Científico do Painel Brasileiro de Mudanças
Climáticas e coordenadora do Fundo Verde da UFRJ, Suzana Kahn.
Para Suzana, que foi a Paris para acompanhar a COP 21 como assessora, só
uma convergência desses interesses poderá fazer com que o Brasil atinja
sua meta proposta na conferência climática deste ano.
Ela comenta ainda sobre efeitos práticos para o brasileiro do acordo e o
que ainda deve ser feito nas políticas internas para que o país atinja
sua proposta apresentada.
Veja a conversa abaixo.
EXAME.com – O que acha que a conferência pode trazer de efetivo para o planejamento ambiental do planeta?
Suzana Kahn – A COP 21 vem sendo muito positiva, até
porque eu não tinha muita expectativa. O mais importante, talvez, é que
vem marcando um ponto de "não-retorno". É a primeira vez que um acordo
atinge todos os países. O acordo mundial, mesmo sem metas quantificadas,
tem todos os reais problemas contidos no texto. Fala-se de medidas de
descarbonização da produção de energia, da compensação aos países que
emitem menos gases estufa, mas são os mais afetados, medidas gerais de
mitigação, a necessidade de revisão periódica para regular níveis de
emissão...
A direção está dada, a questão agora é a que velocidade será perseguida.
O fato da conferência ter atrasado mostra uma preocupação real em um
acordo robusto. Há uma expectativa boa com os resultados.
E para o Brasil? O que vê de evolução?
O Brasil foi o primeiro emergente que apresentou sua INDC [sigla para
Contribuições Nacionalmente Determinadas Pretendidas, documento com as
metas de redução de emissões de gases estufa que cada país pretende
realizar para conseguir um acordo climático global].
Apesar de eu considerar uma proposta tímida para potencial do Brasil,
foi a única que colocou não só uma meta que envolve toda a economia
brasileira, como uma meta absoluta de redução. Boa parte dos países
apresenta uma meta relativa ao crescimento, ao PIB, etc.
O Brasil sempre teve uma preocupação de fazer a ponte entre emergentes e
desenvolvidos. Dessa vez, entrou até no grupo de "Grande Ambição", que
liderado pelas Ilhas Marshall fará pressão por um aumento de metas de
redução. Isso é um ótimo sinal da disposição que o país trará para
mudanças internas.
Sobre essa postura em conferências: essa proatividade do Brasil
não se mostra tão clara nas ações reais dentro do país para achar
matrizes energéticas e descarbonização da produção. Há mesmo diferença?
O que acontece é que as vontades e intenções esbarram muito na
governança interna do país. Nas negociações em conferências, os
ministérios de Relações Exteriores e Meio Ambiente vão atuando, super
proativos. Mas quando falamos da implementação dessas medidas
anunciadas, depende de uma série de outros ministérios, como Minas e
Energia ou Agricultura, que tem ideais de aumento de produção.
Não pode ter esse antagonismo, todos têm que seguir a mesma filosofia.
Nossa INDC deveria ser base de um planejamento de médio e longo prazo,
algo que não temos. Fica a impressão de que cada um atira para um lado e
os resultados acabam sendo ruins.
Há algum aspecto de agressão ambiental que tenha ficado de fora
do radar dos governantes em nossa INDC? Algo que deveríamos estar
prestando mais atenção?
Um tópico que acho muito tímido é a eficiência energética. Nossa meta é
de aumento de 10%, isso é nada. O Brasil é o 14º no ranking de 15
grandes potências em eficiência energética, perdendo só do México. Mais
eficiência é algo que traria um enorme ganho ao país, tanto em termos de
custo, quanto para o sentido de aliar desenvolvimento e redução de
emissões. Se a gente quer descarbonizar nossa economia, precisamos
colocar investimento nisso.
Devemos temer que essas promessas não saiam do papel?
Estamos em um cenário diferente, em especial pelo avanço da ciência. Não
existe mais aquele ceticismo de que o aquecimento global não existe. Há
o reconhecimento que são efeitos da atividade do homem, do custo que
isso significa, dos danos mais próximos das nossas gerações...
Por isso, nunca se investiu tanto em combustíveis renováveis, em termos
absolutos e percentuais. Aqui mesmo, já temos um engajamento enorme das
empresas, que colocam a emissão de carbono na própria cadeia de valor e
estão preocupadas com a sua reputação nesse sentido.
A tecnologia de produção de energia renovável está mais barata. A
energia eólica já é competitiva em partes do Brasil. Isso tudo faz com
que estejamos indo para uma nova trajetória.
Que países mudaram mais de postura nessa COP21?
Estados Unidos e China mudaram bastante, mas a China ainda trava muita
coisa. Os Estados Unidos, daquele país da época do Protocolo de Kyoto
para agora, estão muito mais positivos. Isso já se notava por parte dos
norte-americanos com acordos bilaterais de prevenção e redução de
carbono, então, os Estados Unidos mudaram bastante, o que é fundamental
para o resto do mundo.