Empresa brasileira foi expulsa do Peru e ainda enfrenta processos movidos pelo Departamento de Justiça dos EUA
Por
Raphael Martins
Protesto contra a Odebrecht em Lima: a empreiteira brasileira foi expulsa do país (Guadalupe Pardo/Reuters/Reuters)
Após assumir seus delitos continente afora, a construtora
Odebrecht
se vê diante de uma repulsa internacional. Além de pagar as multas
determinadas pela Justiça, a companhia está sendo banida por um número
crescente de países. No dia 24 de janeiro, o presidente do
Peru,
Pedro Pablo Kuczynski, anunciou que a empreiteira deverá vender seus
projetos e se retirar do país. “Infelizmente, eles estão contaminados
pela corrupção. A Odebrecht tem que ir embora. Acabou”, disse à rádio
local PPR. Kuczynski considerou a multa paga ao governo, de 10 milhões
de dólares, baixa.
No Panamá, que também pediu que a empresa saia do país, a
procuradoria denunciou ontem 17 pessoas por corrupção, sendo três
ex-funcionários “de alta hierarquia” do governo. O Equador também
expulsou a Odebrecht. Além disso, a Colômbia não celebrará mais
contratos públicos com a empreiteira. Ao todo, a Odebrecht fechou
acordos em 12 países, e pagará multas de 6,8 bilhões de reais. Em vários
deles, as investigações estão em curso, e podem levar a novas punições.
Ser banida desses países é um baque e tanto para uma empresa
que até pouco tempo tinha 80% de seu faturamento proveniente de
contratos com governos principalmente da África e da América Latina. A
boa notícia para o grupo vem do Brasil, onde os tentáculos de sua
estrutura criminosa mais causaram danos. Segundo o colunista Lauro
Jardim, do jornal O Globo, a empreiteira retomou as conversas
com o BNDES para a tomada de empréstimos. O mesmo já fizeram outras
empresas investigadas na Operação Lava-Jato, como Queiroz Galvão e a
OAS. Ou seja: 37 fases da Operação Lava-Jato depois, as empresas mais
corruptas do país voltam a negociar com o governo e podem participar de
todo tipo de licitação.
Para piorar, com exceção dos 77 executivos da Odebrecht que
continuam negociando seus acordos de delação premiada, contam-se nos
dedos os executivos que continuam atrás das grades. Das maiores
empresas, são eles o próprio Marcelo Odebrecht, ex-presidente da
Odebrecht, e Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS. Os demais estão
cumprindo prisão em suas suntuosas residências.
Pode parecer injusto, mas é o certo? No Brasil, predomina o
argumento de manter empregos, não falir empresas com know-how de
projetos de construção civil e salvaguardar a economia e as necessidades
de investimento em infraestrutura do país. A prioridade, nas
investigações, é recuperar os montantes roubados e assegurar que as
pessoas respondam por seus atos, não as empresas.
De fato, o Ministério Público Federal do Brasil tem sido
mais competente que seus pares em outros países na recuperação de
recursos e no estabelecimento de multas. Até agora, dos 38,1 bilhões de
reais foram pedidos de volta e deverão ser ressarcidos aos cofres
públicos — da Petrobras, inclusive —, incluindo as multas. Deste valor,
10,1 bilhões de reais serão devolvidos por meio de sete acordos com as
empreiteiras Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Carioca Engenharia,
além de Braskem, Rolls-Royce e Grupo Setal Óleo e Gás.
Depois de reconhecer o erro, cumprir as penas e pagar as
multas, as empreiteiras podem seguir sua vida como se nada tivesse
acontecido. Há, porém, um caminho para bloquear essas empresas de
celebrar contratos com o governo: o Ministério Público tem movido ações
de improbidade na Justiça comum, com efeito prático de impossibilitar a
empresa de firmar contratos. Com condenação nesta instância, as
empreiteiras não poderiam mais tomar empréstimos do poder público,
participar de licitações e ganhar contratos em esferas federal, estadual
e municipal de um a cinco anos. Mas com os acordos fechados, as ações
são retiradas.
No âmbito administrativo, as empresas podem responder a
outro tipo de processo para que sejam consideradas inidôneas. Eles são
conduzidos pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e
Controladoria-Geral da União, a antiga CGU. Desde o início da Operação
Lava-Jato, há quase três anos, a CGU abriu procedimentos administrativos
contra 29 pessoas jurídicas, mas condenou apenas quatro, todas de menor
importância. Foram declaradas inidôneas a Mendes Júnior, Skanska, Iesa
Óleo & Gás e Jaraguá Equipamentos Industriais. Outros três processos
foram arquivados por falta de provas, contra a NM Engenharia, Egesa e
Niplan. Dessas empresas, apenas a Mendes Júnior ainda negocia um acordo
de delação premiada.
Das 22 empreiteiras investigadas restantes, segundo a CGU,
12 manifestaram interesse em fazer acordos de leniência, processo
rigorosamente igual ao estabelecido pelo MPF para que a empresa se livre
da possibilidade de ficar inidônea. Entre as que pretendem colaborar,
quatro estão em estágio avançado de negociação, mas nenhum foi firmado –
os acordos correm em sigilo na Justiça.
“Há uma falsa percepção de que esses acordos estejam levando
muito tempo. Na verdade, os acordos são submetidos a várias instâncias e
isso acarreta um prazo maior para o entendimento final”, afirma o
ministro da Transparência, Torquato Jardim, em nota a EXAME Hoje. “Temos
cronogramas exatos de onde e em que fase está cada uma dessas propostas
de acordo, mas como se tratam de ações sigilosas não podemos torná-las
públicas até o fechamento, o que reforça a impressão de ser um processo
lento”.
Há quem discorde. “No Brasil, há uma situação crônica de
impunidade. Todos os governos têm relação com as empreiteiras, o que
dificulta punições mais duras. Todos querem se ajudar”, diz um jurista
da área sob condição de anonimato.
Quem colabora, segundo a Lei Nº 12.846/13 (a Lei
Anticorrupção), tem também como benefício a redução de dois terços do
valor da multa, que pode chegar a 20% do faturamento da empresa. Para
isso, deve cassar as práticas irregulares e a implementar mecanismos
internos de compliance, auditoria e incentivo às denúncias de malfeitos.
“Dentro dos trâmites legais do perdão jurídico, mesmo com o MPF, há uma
série de exigências de governança antes de retirar as ações”, afirma
Elcio Benevides, presidente da empresa de compliance GRC. “O grande
exemplo para as autoridades brasileiras é a atitude do Departamento de
Justiça dos Estados Unidos no processo de corrupção da Siemens. É o
grande benchmarking”.
O exemplo Siemens
O esquema da Siemens é muito semelhante ao da Odebrecht. A
empresa alemã, no início dos anos 2000, pagava altas propinas por
contratos de telecomunicações com o poder público em países como
Argentina, China, Nigéria, Iraque e Venezuela. O resultado: pagamento de
1,6 bilhões de dólares às autoridades alemãs e norte-americanas. Outro 1
bilhão de dólares foi usado em medidas de compliance. A Siemens se
submeteu à Justiça dos Estados Unidos por ter ações na bolsa de Nova
York. Depois de fechar os acordos, seguiu sua atuação com governos mundo
afora.
Trinta anos antes do escândalo, os Estados Unidos aprovaram
uma lei que estipulava processo contra o pagamento de propinas em outros
países para empresas instaladas no país. Hoje, o mesmo acontece com a
Braskem, do grupo Odebrecht, e a Petrobras, acusada de maquiar efeitos
da corrupção ao longo dos anos. A Petrobras, implicada em ação coletiva
de seus acionistas, teve seu julgamento suspenso em agosto por tempo
indeterminado, alegando que passava por mudanças de governança. A
Braskem negocia multa e apresenta também um plano de compliance. O
Departamento de Justiça dos Estados Unidos pediu nesta quarta-feira que a
petroquímica do grupo Odebrecht pague reparação de cerca de 1,99 bilhão
de reais em reparação aos atos de corrupção no país.
A diferença entre alemães, americanos e brasileiros é a
coordenação. Nos Estados Unidos, o Departamento de Justiça coordena os
processos para que sigam em união, com uma sentença para todos os
crimes. As ações são, certa forma, unificadas. No Brasil, as
empreiteiras respondem individualmente a vários órgãos reguladores, como
Ministério Público, CGU, Receita Federal e Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (Cade). “Não vale a pena cada órgão fazer um processo
de apuração diferente. Seria mais eficiente centralizar, de forma que as
empresas tomariam um susto só, em vez de uma sucessão de sustos”, diz
Thomas Felsberg, advogado referência na área de falência e recuperação
de empresas. “Uma resposta única ajudaria ao público e às empresas, que
podem voltar a trabalhar, depois de acertarem suas dívidas”.
Por ora, a tendência é que todas as envolvidas na Lava-Jato
sigam estradas parecidas com a da Delta Engenharia, que chegou a ser
considerada inidônea, em meio ao escândalo investigado pela CPI do
Cachoeira, que apurava envolvimento do bicheiro Carlinhos Cachoeira em
esquema de corrupção e exploração de jogos ilegais, enquanto atuava como
lobista da empresa. A decisão foi revertida na Justiça. Sua recuperação
judicial foi cumprida em janeiro de 2016 e a empresa voltou a operar,
mas acabou enrolada em outra frente.
O dono da empreiteira, Fernando Cavendish, foi denunciado
junto ao operador Adir Assad e Carlinhos Cachoeira por um esquema de
lavagem de dinheiro com cifras que chegam a 370 milhões de reais na
Lava-Jato. Foram pagas propinas para obras de infraestrutura como a
reforma do Estádio do Maracanã, firmado com o governo do Rio de Janeiro,
e de ampliação da Marginal Tietê, com o governo de São Paulo. Agora,
eles negociam delação para se livrar de novo. Reconhecer os erros e
pagar as multas é fácil. Mudar o modus operandi é muito mais difícil. O
Brasil está dando um voto de confiança.