sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Com repulsa internacional, Odebrecht deve focar no Brasil


Empresa brasileira foi expulsa do Peru e ainda enfrenta processos movidos pelo Departamento de Justiça dos EUA





Após assumir seus delitos continente afora, a construtora Odebrecht se vê diante de uma repulsa internacional. Além de pagar as multas determinadas pela Justiça, a companhia está sendo banida por um número crescente de países. No dia 24 de janeiro, o presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, anunciou que a empreiteira deverá vender seus projetos e se retirar do país. “Infelizmente, eles estão contaminados pela corrupção. A Odebrecht tem que ir embora. Acabou”, disse à rádio local PPR. Kuczynski considerou a multa paga ao governo, de 10 milhões de dólares, baixa.

No Panamá, que também pediu que a empresa saia do país, a procuradoria denunciou ontem 17 pessoas por corrupção, sendo três ex-funcionários “de alta hierarquia” do governo. O Equador também expulsou a Odebrecht. Além disso, a Colômbia não celebrará mais contratos públicos com a empreiteira. Ao todo, a Odebrecht fechou acordos em 12 países, e pagará multas de 6,8 bilhões de reais. Em vários deles, as investigações estão em curso, e podem levar a novas punições.

Ser banida desses países é um baque e tanto para uma empresa que até pouco tempo tinha 80% de seu faturamento proveniente de contratos com governos principalmente da África e da América Latina. A boa notícia para o grupo vem do Brasil, onde os tentáculos de sua estrutura criminosa mais causaram danos. Segundo o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, a empreiteira retomou as conversas com o BNDES para a tomada de empréstimos. O mesmo já fizeram outras empresas investigadas na Operação Lava-Jato, como Queiroz Galvão e a OAS. Ou seja: 37 fases da Operação Lava-Jato depois, as empresas mais corruptas do país voltam a negociar com o governo e podem participar de todo tipo de licitação.

Para piorar, com exceção dos 77 executivos da Odebrecht que continuam negociando seus acordos de delação premiada, contam-se nos dedos os executivos que continuam atrás das grades. Das maiores empresas, são eles o próprio Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht, e Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS. Os demais estão cumprindo prisão em suas suntuosas residências.

Pode parecer injusto, mas é o certo? No Brasil, predomina o argumento de manter empregos, não falir empresas com know-how de projetos de construção civil e salvaguardar a economia e as necessidades de investimento em infraestrutura do país. A prioridade, nas investigações, é recuperar os montantes roubados e assegurar que as pessoas respondam por seus atos, não as empresas.

De fato, o Ministério Público Federal do Brasil tem sido mais competente que seus pares em outros países na recuperação de recursos e no estabelecimento de multas. Até agora, dos 38,1 bilhões de reais foram pedidos de volta e deverão ser ressarcidos aos cofres públicos — da Petrobras, inclusive —, incluindo as multas. Deste valor, 10,1 bilhões de reais serão devolvidos por meio de sete acordos com as empreiteiras Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Carioca Engenharia, além de Braskem, Rolls-Royce e Grupo Setal Óleo e Gás.

Depois de reconhecer o erro, cumprir as penas e pagar as multas, as empreiteiras podem seguir sua vida como se nada tivesse acontecido. Há, porém, um caminho para bloquear essas empresas de celebrar contratos com o governo: o Ministério Público tem movido ações de improbidade na Justiça comum, com efeito prático de impossibilitar a empresa de firmar contratos. Com condenação nesta instância, as empreiteiras não poderiam mais tomar empréstimos do poder público, participar de licitações e ganhar contratos em esferas federal, estadual e municipal de um a cinco anos. Mas com os acordos fechados, as ações são retiradas.

No âmbito administrativo, as empresas podem responder a outro tipo de processo para que sejam consideradas inidôneas. Eles são conduzidos pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, a antiga CGU. Desde o início da Operação Lava-Jato, há quase três anos, a CGU abriu procedimentos administrativos contra 29 pessoas jurídicas, mas condenou apenas quatro, todas de menor importância. Foram declaradas inidôneas a Mendes Júnior, Skanska, Iesa Óleo & Gás e Jaraguá Equipamentos Industriais. Outros três processos foram arquivados por falta de provas, contra a NM Engenharia, Egesa e Niplan. Dessas empresas, apenas a Mendes Júnior ainda negocia um acordo de delação premiada.

Das 22 empreiteiras investigadas restantes, segundo a CGU, 12 manifestaram interesse em fazer acordos de leniência, processo rigorosamente igual ao estabelecido pelo MPF para que a empresa se livre da possibilidade de ficar inidônea. Entre as que pretendem colaborar, quatro estão em estágio avançado de negociação, mas nenhum foi firmado – os acordos correm em sigilo na Justiça.

“Há uma falsa percepção de que esses acordos estejam levando muito tempo. Na verdade, os acordos são submetidos a várias instâncias e isso acarreta um prazo maior para o entendimento final”, afirma o ministro da Transparência, Torquato Jardim, em nota a EXAME Hoje. “Temos cronogramas exatos de onde e em que fase está cada uma dessas propostas de acordo, mas como se tratam de ações sigilosas não podemos torná-las públicas até o fechamento, o que reforça a impressão de ser um processo lento”.

Há quem discorde. “No Brasil, há uma situação crônica de impunidade. Todos os governos têm relação com as empreiteiras, o que dificulta punições mais duras. Todos querem se ajudar”, diz um jurista da área sob condição de anonimato.

Quem colabora, segundo a Lei Nº 12.846/13 (a Lei Anticorrupção), tem também como benefício a redução de dois terços do valor da multa, que pode chegar a 20% do faturamento da empresa. Para isso, deve cassar as práticas irregulares e a implementar mecanismos internos de compliance, auditoria e incentivo às denúncias de malfeitos. “Dentro dos trâmites legais do perdão jurídico, mesmo com o MPF, há uma série de exigências de governança antes de retirar as ações”, afirma Elcio Benevides, presidente da empresa de compliance GRC. “O grande exemplo para as autoridades brasileiras é a atitude do Departamento de Justiça dos Estados Unidos no processo de corrupção da Siemens. É o grande benchmarking”.


O exemplo Siemens 


O esquema da Siemens é muito semelhante ao da Odebrecht. A empresa alemã, no início dos anos 2000, pagava altas propinas por contratos de telecomunicações com o poder público em países como Argentina, China, Nigéria, Iraque e Venezuela. O resultado: pagamento de 1,6 bilhões de dólares às autoridades alemãs e norte-americanas. Outro 1 bilhão de dólares foi usado em medidas de compliance. A Siemens se submeteu à Justiça dos Estados Unidos por ter ações na bolsa de Nova York. Depois de fechar os acordos, seguiu sua atuação com governos mundo afora.

Trinta anos antes do escândalo, os Estados Unidos aprovaram uma lei que estipulava processo contra o pagamento de propinas em outros países para empresas instaladas no país. Hoje, o mesmo acontece com a Braskem, do grupo Odebrecht, e a Petrobras, acusada de maquiar efeitos da corrupção ao longo dos anos. A Petrobras, implicada em ação coletiva de seus acionistas, teve seu julgamento suspenso em agosto por tempo indeterminado, alegando que passava por mudanças de governança. A Braskem negocia multa e apresenta também um plano de compliance. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos pediu nesta quarta-feira que a petroquímica do grupo Odebrecht pague reparação de cerca de 1,99 bilhão de reais em reparação aos atos de corrupção no país.

A diferença entre alemães, americanos e brasileiros é a coordenação. Nos Estados Unidos, o Departamento de Justiça coordena os processos para que sigam em união, com uma sentença para todos os crimes. As ações são, certa forma, unificadas. No Brasil, as empreiteiras respondem individualmente a vários órgãos reguladores, como Ministério Público, CGU, Receita Federal e Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). “Não vale a pena cada órgão fazer um processo de apuração diferente. Seria mais eficiente centralizar, de forma que as empresas tomariam um susto só, em vez de uma sucessão de sustos”, diz Thomas Felsberg, advogado referência na área de falência e recuperação de empresas. “Uma resposta única ajudaria ao público e às empresas, que podem voltar a trabalhar, depois de acertarem suas dívidas”.

Por ora, a tendência é que todas as envolvidas na Lava-Jato sigam estradas parecidas com a da Delta Engenharia, que chegou a ser considerada inidônea, em meio ao escândalo investigado pela CPI do Cachoeira, que apurava envolvimento do bicheiro Carlinhos Cachoeira em esquema de corrupção e exploração de jogos ilegais, enquanto atuava como lobista da empresa. A decisão foi revertida na Justiça. Sua recuperação judicial foi cumprida em janeiro de 2016 e a empresa voltou a operar, mas acabou enrolada em outra frente.

O dono da empreiteira, Fernando Cavendish, foi denunciado junto ao operador Adir Assad e Carlinhos Cachoeira por um esquema de lavagem de dinheiro com cifras que chegam a 370 milhões de reais na Lava-Jato. Foram pagas propinas para obras de infraestrutura como a reforma do Estádio do Maracanã, firmado com o governo do Rio de Janeiro, e de ampliação da Marginal Tietê, com o governo de São Paulo. Agora, eles negociam delação para se livrar de novo. Reconhecer os erros e pagar as multas é fácil. Mudar o modus operandi é muito mais difícil. O Brasil está dando um voto de confiança.

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