"É tudo sobre política doméstica britânica, não um debate racional sobre os benefícios de ser membro da UE", diz professor que treina negociadores
São Paulo – Depois de oficializar o Brexit na semana passada, o Reino Unido tem agora dois anos para acertar os termos de saída e redefinir a sua relação com a União Europeia.
A tarefa é hercúlea e os britânicos estão em uma posição fragilizada,
já que a prioridade europeia é não deixar que eles saiam declarando
vitória.
Para deixar claro que ser anti-UE não é ser anti-globalização, o Reino Unido aposta em acordos com terceiros países.
Mas isso é algo que exige tempo, capacidade técnica e que pela lei só pode ser feito após o Brexit estar totalmente concluído.
“O governo britânico pode ficar tentado a concluir acordos
rápidos que teriam mais impacto político de demonstrar que o Reino Unido
pode operar fora da UE. Mas estes não serão bons acordos em termos de
ganhos de bem-estar e resolução de conflitos regulatórios”, diz Steve
Woolcock.
Ele é professor na London School of Economics que está ajudando a
preparar negociadores para o time de Liam Fox, secretário do Comércio.
Por e-mail, Woolcock respondeu a algumas questões de EXAME.com. Veja a entrevista:
EXAME.com – Os economistas foram praticamente unânimes em sua
oposição ao Brexit e disseram que o impacto seria sentido antes mesmo
que ele se concretizasse. Mas a economia britânica tem se mostrado
resiliente e até cresceu mais do que o previsto em 2016. O que
aconteceu?
Steve Woolcock – O impacto econômico de sair da
União Europeia vai acontecer quando o Reino Unido de fato sair, e ao
longo do tempo, devido ao menor acesso ao mercado comum europeu.
No curto prazo, o país se beneficiou de uma desvalorização cambial que estimulou a inflação e as exportações.
É importante para a União Europeia que o Brexit não seja
visto como um sucesso, sob pena de estimular outras debandadas. Mas o
que eles perdem se não houver nenhum acordo?
Os 27 países do bloco perderão acesso garantido ao mercado britânico,
e as exportações da UE estarão sujeitas a tarifas mais altas. No
balanço, é o Reino Unido que perde mais.
O Reino Unido está legalmente impedido de fazer negociações
comerciais com outros países até que o Brexit esteja plenamente
resolvido. No entanto, eles querem sinalizar que estão abertos para o
mundo e por isso dizem que estão tendo conversas preliminares e
genéricas com vários parceiros. Mas como você define esse limite?
Não estou certo de que você consiga definir esse
limite. Está claro que nenhum acordo pode ser concluído, mas que o Reino
Unido pode explorar opções com outros países.
Mas um dos limites para isso é a capacidade: qualquer conversa
detalhada exigiria uma pesquisa considerável e capacidade
administrativa, que está inteiramente focada nas negociações com a
Europa.
Mas os novos acordos serão bons acordos?
Depende do que você chama de bom. Acordos economicamente
significativos, aqueles que vão além de remover algumas tarifas e lidam
com questões regulatórias, demoram bastante tempo.
O governo britânico pode ficar tentado a concluir acordos rápidos que
teriam mais impacto político de demonstrar que o Reino Unido pode
operar fora da UE. Mas não serão bons acordos em termos de ganhos de
bem-estar e resolução de conflitos regulatórios.
O Mercosul é um possível alvo?
O problema aqui é a agricultura. O Reino Unido pode oferecer essa
parte, mas com alguns custos domésticos, e há também a questão das
margens de preferência para a ACP [grupo de países da África, Caribe e
Pacífico] e para os estados da Commonwealth [grupo de ex-territórios
britânicos] em produtos como açúcar.
A primeira-ministra Theresa May disse no começo do ano que
“nenhum acordo é melhor do que um acordo ruim”. Mas há algo pior do que
voltar para as regras da OMC (Organização Mundial do Comércio)?
Não. Não há nada pior do que voltar para as regras da OMC. Isso de
“nenhum acordo é melhor que acordo ruim” é por razões políticas
domésticas.
“Acordo ruim”, nesse caso, quer dizer um acordo que não satisfaz a
ala do Partido Conservador cética em relação à União Europeia.
Lembre-se que isso tudo é sobre a política doméstica britânica, e não
um debate racional sobre os benefícios de ser um membro da UE.
Existe algum lado bom do Brexit? Algum caminho possível para
que o Reino Unido ganhe, ou pelo menos não perca, força no palco
internacional?
O governo atual apresenta isso como uma grande oportunidade para o
Reino Unido desempenhar um papel de liderança em comércio global.
O melhor cenário-base é aquele onde o Reino Unido faça um papel de
facilitador que ajuda a fazer emergirem acordos em comércio,
investimento e meio ambiente em nível multilateral.
O país não tem a influência suficiente para liderar. O problema com
isso é que a maior parte das grandes economias ainda não está pronta
para alcançar acordos (um exemplo é a administração de Donald Trump nos
Estados Unidos).