A Mercedes-Benz pode fechar uma fábrica inaugurada há apenas um ano em São Paulo, segundo Philipp Schiemer, presidente da empresa no Brasil
São Paulo — A montadora alemã Mercedes-Benz já
pensa em fechar uma fábrica que inaugurou há pouco mais de um ano em
Iracemápolis, no interior de São Paulo. O problema não é a recessão, mas
a incerteza sobre o que vai acontecer com o programa de benefícios
fiscais que levou a Mercedes a decidir montar a fábrica — a terceira no
país e, hoje, a única que produz automóveis (as outras duas fazem
caminhões e ônibus). O programa, que foi batizado de Inovar-Auto,
estabeleceu cotas para a importação de veículos e deu incentivos a
montadoras que passassem a produzir no país.
Foi anunciado em 2012, com prazo de validade até o fim deste ano — e
executivos do setor temem que, se o governo não extinguir de vez os
benefícios, deve pelo menos reduzi-los. Se ele terminar e não houver
nenhuma contrapartida, a fábrica de Iracemápolis deixará de ser rentável
e poderá ser fechada, segundo disse a EXAME o alemão Philipp Schiemer,
presidente da Mercedes no Brasil desde 2013. A missão de Schiemer ao
assumir o cargo era fazer a empresa retomar o primeiro lugar nas vendas
de caminhões no Brasil, posição perdida para a MAN em 2012 — a Mercedes
voltou a ser líder no ano passado. Foi uma vitória comemorada
discretamente, já que as vendas de caminhões encolheram 30% em 2016.
Exame – A fábrica de automóveis da Mercedes foi inaugurada em plena recessão. O investimento fez sentido?
Philipp – Essa unidade fabrica cerca de 10 000
automóveis por ano, metade de sua capacidade. A crise reduziu a demanda,
por isso não abrimos totalmente a unidade e, assim, controlamos os
custos. Essa questão está resolvida. O maior problema, não apenas da
Mercedes como também de outras montadoras que inauguraram fábricas para
produzir automóveis premium, é o futuro do Inovar-Auto. As fábricas de
carros de alto padrão surgiram no Brasil como consequência desse
programa, que pode ser modificado ou mesmo extinto no fim do ano.
Dependemos mais disso do que da economia, porque a crise vai passar e as
vendas vão voltar a crescer.
Exame – A fábrica pode ser fechada?
Philipp – Sim, essa é uma possibilidade se a unidade
deixar de ser rentável. É claro que seria ruim perder o investimento de
600 milhões de reais, mas não perderíamos o mercado, porque os carros
continuarão a ser vendidos, só que importados. Fábricas que produzem de
20 000 a 30 000 veículos por ano nunca serão tão competitivas como as
que fabricam 300 000 unidades, a não ser que tenham incentivos.
Exame – Por que a Mercedes decidiu construir a fábrica, já que o Inovar-Auto sempre teve data para acabar?
Philipp – Ficamos sem opção. O programa estabeleceu
uma cota de importação de 4 800 veículos por ano, bem menos do que
vendemos. Se não fizéssemos a fábrica, perderíamos competitividade —
temos uma rede de concessionárias para manter aqui, e a conta não
fecharia. Era isso ou sair do mercado. Não posso falar pelas outras montadoras,
mas certamente estão todos preocupados. A Anfavea [associação que
representa as montadoras] está discutindo soluções com o governo e
acredito que o programa possa mudar para melhor.
Exame – Mudar como?
Philipp – Poderia se tornar uma política industrial
de longo prazo. É preciso facilitar a entrada de novas tecnologias no
Brasil para podermos agregar valor e competir no mercado mundial. Gosto do modelo da Embraer, de importar mais e exportar mais também.
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Exame – A maior parte do resultado da Mercedes no Brasil
depende da venda de caminhões e ônibus, segmentos muito afetados pela
crise. Quando a recuperação deve começar?
Philipp – Começamos neste ano vendendo menos do que
em 2016. Nosso negócio depende, essencialmente, de juros baixos, porque a
maioria dos clientes financia a compra, e do crescimento econômico.
Sabemos que o mercado de caminhões vai voltar, porque é responsável por
60% do transporte no país, mas, para isso acontecer, o PIB
precisa voltar a crescer. Se as reformas forem aprovadas, o que
contribuirá para a retomada da economia, é possível que a situação de
nosso mercado melhore no segundo semestre. Haveria uma ajuda com
incentivos para a troca da frota brasileira, hoje uma das mais velhas do
mundo.
Exame – Como foi retomada a liderança no mercado de caminhões?
Philipp – Em 2013, nossos custos eram elevados, as
fábricas estavam ineficientes e os produtos pouco atraentes. Investimos
730 milhões de reais na modernização das fábricas e dividimos a
produção: a fabricação das cabines acontece na unidade de Juiz de Fora
[Minas Gerais] e a montagem em São Bernardo do Campo [São Paulo]. Ainda
estamos comprando novas máquinas para São Bernardo para que, em 2019,
essa seja uma das fábricas
mais modernas da companhia no mundo. Para melhorar a oferta, fizemos
pesquisas e nos comparamos com os concorrentes. Quase toda a linha de
produtos mudou: aumentamos o conforto, reduzimos o consumo de
combustível e diminuímos a necessidade de revisões para manutenção, por
exemplo. Mas também tivemos de demitir: 5 500 funcionários saíram, a
maioria por meio de um programa de demissão voluntária. Isso
representava 40% do nosso quadro. Com todas as mudanças, ganhamos cerca
de 20% de produtividade.
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