A Operação Lava Jato trouxe à tona o que o juiz federal Sergio Moro
chamou de quadro de "corrupção sistêmica" entre políticos e empresários
brasileiros.
Executivos da Odebrecht deram uma mostra desse
quadro ao detalhar em depoimentos como pagavam políticos para fazer
valer seus interesses no Congresso e no governo. Segundo a empresa, em
troca de propinas ou repasses para campanhas, autoridades ajudavam a
Odebrecht a ganhar licitações, a superfaturar obras e a aprovar mudanças
legislativas favoráveis à companhia.
Agora que altas autoridades e
executivos de várias grandes empresas do país - inclusive a Odebrecht -
estão presos ou sendo investigados por corrupção, a relação entre
empresas e políticos brasileiros vai mudar?
Especialistas
entrevistados pela BBC Brasil afirmam que a Lava Jato já está alterando o
comportamento de empresários e autoridades, mas há dúvidas quanto ao
alcance dessa mudança.
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Dinheiro e poder
Para Manoel Galdino, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, a Lava Jato criou um conflito para políticos brasileiros.
Por um lado, Galdino diz que eles continuam precisando de muito dinheiro para se eleger e se manter influentes.
Ele
afirma que a trajetória do ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ)
ilustra como o dinheiro garante poder em Brasília: hoje preso e
condenado por corrupção, Cunha ajudou a arrecadar os recursos que
financiaram as campanhas de muitos deputados e se valeu da relação com
os colegas para se eleger presidente da Câmara, em 2015.
Por outro
lado, Galdino diz que a Lava Jato e uma decisão judicial de 2015 que
proibiu doações de empresas a campanhas devem reduzir o fluxo de
dinheiro para os políticos.
"Só as empresas que queiram operar totalmente no caixa 2 vão se arriscar a fazer doações", ele diz.
O
diretor da Transparência Brasil afirma que, diante da menor oferta de
dinheiro privado, políticos deverão tentar aumentar os valores do fundo
partidário, alimentado com verbas públicas.
A medida, porém, enfrenta resistências, já que "há uma grande aversão da população a dar mais dinheiro para os políticos".
Ele
defende alterar a legislação para que se reduza a necessidade de gastar
em campanhas ou para que políticos consigam arrecadar mais recursos de
doadores privados, com transparência.
Galdino diz que, no cenário atual, há um risco de que o crime organizado se envolva mais com o financiamento de campanhas.
"Para
eles não faria diferença: eles já estão no crime e só ampliariam sua
atuação, em troca de uma oportunidade para ter mais influência no
Estado."
Para Antônio Augusto de Queiroz, analista político do
Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a Lava Jato
deixou muitos empresários receosos de lidar com congressistas.
"Há
uma grande mudança cultural em curso. Aquilo que era visto como natural
- pagar propina para resolver um problema - perde densidade em uns
90%", estima
Segundo Queiroz, em vez de dialogar com legisladores,
os empresários estão cada vez mais buscando contatos diretos com
servidores de carreira em postos de comando no Poder Executivo, que,
segundo ele, estariam com a imagem menos arranhada que os parlamentares.
Por
não disputarem eleições e não terem a necessidade de arrecadar recursos
para campanhas, esses servidores estariam também menos sujeitos a
pressões políticas e à corrupção, segundo Queiroz - além de terem menos
visibilidade.
Ele diz que os empresários procuram os funcionários
para tentar influenciar decisões que afetem suas companhias. A atuação
se dá numa zona cinzenta - não há regulamentação sobre como deve ser o
contato entre servidores e empresários em temas de interesse das
empresas - e também está sujeita à corrupção, porém.
Mas Queiroz
diz que, apesar da restrição a doações de empresas a campanhas,
executivos continuarão a influenciar as disputas - ainda que em menor
escala - por meio de doações privadas, que seguem permitidas.
Em
2016, nas eleições para prefeito no Rio de Janeiro, por exemplo, mais de
600 doadores privados de campanhas eram ligados a empresas - sócios,
proprietários, principais acionistas, diretores e presidentes de
empresas -, a maior parte, do setor de construção e engenharia, pelo que
revelou um estudo da Fundação Getúlio Vargas feita a pedido do jornal O Globo.
Transparência
Para
Sérgio Praça, cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em
São Paulo, as empresas terão de se relacionar de modo mais transparente
com os políticos.
"A criminalização do homicídio não impede as pessoas de matarem, mas agora a corrupção ficou muito arriscada para as empresas."
Ele
afirma que as companhias deverão recorrer mais a serviços de agências
de lobby e investir no diálogo para tentar convencer os políticos a
apoiar suas demandas.
"Acho que veremos mais empresas tornando
públicos seus encontros com políticos, dizendo com quais políticos se
encontrou e para tratar de quais assuntos. É óbvio que haverá segredos,
mas pelo menos haverá algum registro."
Praça diz que a relação entre políticos e empresas no Brasil poderá ficar mais próxima do modelo dos Estados Unidos.
Nos EUA, há numerosos centros de pesquisa e debates (think tanks)
que promovem eventos com empresas, jornalistas e autoridades para a
discussão de políticas públicas. Ao financiar essas organizações,
empresas tentam difundir suas ideias e influenciar as autoridades.
Também
há várias agências de lobby e grupos de interesse que atuam no
Congresso americano. Ao contrário do que ocorre no Brasil, nos EUA o
lobby é uma atividade regulamentada. Lobistas devem se registrar no
Congresso, e há várias regras que ditam suas relações com políticos,
como restrições à oferta de presentes.
O cientista político diz que também podem surgir no Brasil
organizações semelhantes às financiadas pelos irmãos Charles e David
Koch. Herdeiros de um grande grupo industrial americano, eles apoiam
várias organizações conservadoras e pró-livre mercado que tentam
influenciar a política local.
"Eles são hiperpolêmicos, mas são
transparentes em relação às políticas que apóiam e os motivos que têm
para isso. Essa transparência falta na relação do empresário brasileiro
com a política."
Dimensão
Os três analistas afirmam,
porém, que as mudanças de comportamento devem levar mais tempo para
chegar a instâncias inferiores de governo.
Manoel Galdino, da
Transparência Brasil, diz que investigadores e juízes que atuam nos
Estados e municípios tendem ser menos independentes que procuradores e
juízes federais.
Segundo ele, uma importante razão para o sucesso
da Lava Jato foi a "cooperação relativamente inédita entre Ministério
Público, Polícia Federal e varas especializadas do Judiciário".
"Há muito menos chance de repetir esse tipo de operação nos Estados."
Porém, para Antônio Augusto de Queiroz, do Diap, é natural que a mudança comece pela esfera federal.
"O
exemplo sempre vem do plano nacional, mas o fato de o STF (Supremo
Tribunal Federal) estar abrindo processos e punindo vai com certeza
inibir a corrupção nos planos estadual e municipal. A mudança é mais
célere no plano federal, mas o exemplo acaba se replicando em Estados e
municípios."
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