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Consultoria multidisciplinar, onde desenvolvemos trabalhos nas seguintes áreas: fusão e aquisição e internacionalização de empresas, tributária, linhas de crédito nacionais e internacionais, inclusive para as áreas culturais e políticas públicas.
segunda-feira, 3 de abril de 2017
Governo usa bilhões do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos para inflar o caixa
Direitos
difusos são aqueles que pertencem à coletividade, a um grupo
indeterminado de pessoas ligadas por uma circunstância, como
consumidores afetados por um cartel ou indígenas que tiveram suas terras
atingidas por barragens. As condenações por violações a esses direitos,
no Brasil, resultam no pagamento de indenização ao Fundo de Defesa dos
Direitos Difusos. No entanto, o valor arrecadado, que deveria servir
para a reparação dos danos, tem sido usado para a União para inflar a
conta do superávit primário.
Kittichai Songprakob/123RF
Levantamento feito pela revista eletrônica Consultor Jurídico
mostra que o Fundo recebeu R$ 1,9 bilhão nos últimos sete anos, mas
menos de 3% disso foram aplicados nos fins determinados em lei. O
dinheiro quase todo foi para os cofres da União, pela porta dos fundos.
Só
em 2016, R$ 775 milhões chegaram ao Fundo. O dinheiro vem
principalmente das multas aplicadas pelo Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (Cade) a empresas condenadas por formação de cartel,
tendo origem também em condenações em ações civis públicas de
responsabilidade por danos ao meio-ambiente, ao consumidor e aos
investidores no mercado de valores mobiliários, por exemplo.
O
Fundo pertence ao Ministério da Justiça e é gerido pelo Conselho Federal
Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos. Na lei, seu objetivo
declarado é “a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros
interesses difusos e coletivos”.
Essa “reparação” deveria ser
feita por meio de projetos (selecionados a partir de editais). Em 2016,
oito projetos foram escolhidos e receberam R$ 2,2 milhões (clique aqui para conhecê-los).
Isso significa que, levando em conta a arrecadação total, só 0,3% da
verba foi usada para os fins previstos na lei. Descontando ainda o
dinheiro usado para a manutenção do conselho gestor do fundo, “sobraram”
mais de R$ 770 milhões, que viraram superávit primário, o resultado de
todas as receitas do governo antes do pagamento da dívida pública.
O ex-presidente do conselho gestor do Fundo Fabrício Missorino Lázaro
conta o que é feito com esse dinheiro: os valores que não são aplicados
nos projetos nem compõem os gastos de custeio da secretaria-executiva
do conselho. Vão para o orçamento geral do Ministério da Justiça, “que
detém autonomia tanto para a liberação de recursos ao Conselho como para
o redirecionamento dos recursos não utilizados a outras pastas que
compõem o ministério”. Ou seja, o Ministério da Justiça faz o que quiser
com a quantia.
Valores do FDD (em milhões de reais)
Ano
Arrecadação
Valor usado pelo Fundo
2010
30,8
7,9
2011
41,4
8,9
2012
57,0
5,5
2013
120,2
3,6
2014
192,3
6,3
2015
563,3
3,8
2016
775,0
2,4
2017*
117,6
indisponível
Total*
1.897,6
38,4
* Valor apurado em março de 2017.
O jurista Lenio Streck, ex-procurador de Justiça do Rio Grande do Sul, após analisar o levantamento dos números feito pela ConJur,
afirma: “O Ministério da Justiça deve muitas explicações”. “Temos
tantas controladorias, procuradorias, tribunais de contas de tudo que é
tipo e mesmo assim dão o drible da vaca na lei”, reclama.
O professor de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo Fernando Facury Scaff
explica que a “permissão” para não usar o dinheiro para os fins a que o
fundo se destina está no tortuoso artigo 9º da Lei de Responsabilidade
Fiscal (Lei Complementar 101/2000). Pela norma, o Poder Executivo pode
represar a previsão de gastos a fim de que sejam cumpridas as metas de
superávit primário. Assim, basta alegar que o dinheiro é necessário para
cumprir as metas para destinar ao FDD uma quantia ínfima do que é
arrecadado.
Portas dos fundos
Fabrício Lázaro afirma que o FDD não é o único fundo a não aplicar o
dinheiro arrecadado nas ações previstas em lei, lembrando questão
recentemente enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal em relação ao
Fundo Penitenciário (Funpen). A corte proibiu o contingenciamento do
dinheiro do fundo e obrigou o governo a usá-lo na melhoria do sistema
carcerário, conforme manda a lei.
A decisão do Supremo é de
setembro de 2015. Em dezembro de 2016, o presidente Michel Temer
autorizou, em medida provisória, o primeiro descontingenciamento do
dinheiro do Funpen. Mas em "políticas de redução da criminalidade",
"inteligência policial" e outras atividades sem ligação direta com o
sistema penitenciário.
E a lista de fundos é longa, com
arrecadações variadas e missões que dificilmente ocupam seu orçamento,
como é o caso do Fundo Nacional do Meio Ambiente, do Fundo Nacional dos
Direitos da Mulher, do Fundo Nacional de Segurança Pública, do Fundo
Nacional da Criança e do Adolescente e do Fundo Nacional Anti-Drogas.
Nesses
casos, bem como no FDD, a Lei Orçamentária Anual já traz o valor a ser
destinado ao fundo e apenas essa quantia chega à conta gerida pelo
conselho responsável por aplicar o dinheiro para os fins previstos por
lei. A maior parte da verba sequer chega à conta.
Teresa Liporace,
gerente de projetos do Instituto de Defesa do Direito do Consumidor
(Idec) e conselheira suplente do conselho gestor do Fundo de Defesa dos
Direitos Difusos, afirma que o contingenciamento é pauta constante das
reuniões do conselho, mas não há nenhuma sinalização de mudanças.
“Quando é solicitada liberação de parte dos recursos da Reserva de
Contingência prevista no orçamento do FDD, a Secretaria de Orçamento
Federal (vinculada ao Ministério do Planejamento) nega”, conta.
Juízes do próprio jogo
Pelo menos três vezes nos últimos sete anos o Fundo financiou projetos
das próprias entidades que ocupam ou ocuparam cadeiras no conselho que
decide onde aplicar as verbas. Juntas, elas abocanharam R$ 1,6 milhão.
Formação do Conselho
Gestor do FDD
Um representante da Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça (Presidente)
Um representante do Ministério do Meio Ambiente
Um representante do Ministério da Cultura
Um representante do Ministério da Saúde, vinculado à área de vigilância sanitária
Um representante do Ministério da Fazenda
Um representante do Cade
Um representante do MPF
Três representantes de entidades civis:
- Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor;
- Instituto “O Direito Por Um Planeta Verde”; e
- Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor
O
conselho é formado por representantes do Ministério Público Federal e
das pastas da Justiça, Meio Ambiente, Cultura, Saúde e Fazenda. Além de
um representante do Cade. O conselho gestor conta também com três
cadeiras para representantes de entidades civis, atualmente ocupadas
pelo Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor; pelo
Instituto O Direito Por Um Planeta Verde; e pelo Instituto Brasileiro de
Política e Direito do Consumidor (Brasilcon). Os dois últimos têm em
comum terem sido fundados e presididos pelo ministro Herman Benjamin, do
Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior Eleitoral.
Em
2012, o Instituto O Direito Por Um Planeta Verde ganhou R$ 398 mil do
fundo para tocar um projeto com uma descrição bastante complicada:
“Divulgar o pagamento por serviços ambientais – PSA como um mecanismo de
conservação ambiental; sistematizar experiências e avaliar o estado de
implementação e a efetividade das sete normas estaduais que estabelecem o
PSA no país (biodiversidade e retenção de carbono), aprovadas até o
final de 2010 (AM, AC, ES, MG, SC, PR e SP), de forma a permitir uma
avaliação crítica sobre a aplicação deste novo instrumento e, assim,
contribuir para o aperfeiçoamento normativo em todas as esferas da
federação”.
O caso não é exceção. O Idec, que também já teve
assento no conselho gestor do fundo, conseguiu ter projetos financiados
pelo FDD em 2015 e em 2011. No mais recente, obteve R$ 443 mil para
criar uma “ferramenta web” de educação, informação e orientação ao
consumidor. Já há seis anos, R$ 434 mil foram pagos para que a entidade
desenvolvesse o projeto denominado “promoção da tutela do consumidor
pelas agências reguladoras através da disseminação de informação e de
direitos relacionados a produtos e serviços regulados aos cidadãos”.
Feliz aniversário
O próprio Cade, que é parte do conselho e responsável por angariar a
maior parte da receita do fundo, já conseguiu R$ 405 mil para um projeto
de comemoração dos 50 anos da entidade, em 2012. A finalidade era
organizar a semana comemorativa pelo aniversário do Cade, “divulgando
para a sociedade a importância do trabalho desenvolvido pela autarquia
para a proteção do ambiente concorrencial e da ordem econômica, com
vistas a garantir o adequado funcionamento dos diversos mercados”.
Representantes
das entidades afirmam que, como as regras dos editais de seleção de
projetos são claras, qualquer um dos entes participantes do conselho
pode apresentar projetos e disputar com os outros interessados. Além
disso, a prestação de contas de cada projeto é feita ao Fundo
rigorosamente, sob pena de ter que devolver o dinheiro, contam.
“Para
garantir que não haja qualquer conflito de interesse, é prática
recorrente no Conselho do FDD que o proponente não seja relator nem vote
projetos de seu interesse”, afirmou o Cade, por meio de sua assessoria
de imprensa, à ConJur.
Sobre o projeto financiado, o Cade conta que, com o dinheiro, lançou uma campanha publicitária e um hotsite
para disseminação da importância da proteção do ambiente concorrencial e
da ordem econômica; promoveu uma cerimônia comemorativa e um seminário
sobre defesa da concorrência, além de publicar o livro Cade 50 Anos, em formato impresso e digital, que registra a evolução da defesa da concorrência no Brasil.
O presidente do Instituto O Direito por um Planeta Verde, José Rubens Morato Leite,
afirma que o estudo financiado com a verba do fundo serviu para dar
subsídios para um marco regulatório nacional sobre o “pagamento por
serviços ambientais”. Partes da pesquisa já foram publicadas e podem ser
vistas no site do instituto. Além disso, conta, as análises dos dados levantados pela ONG foram usadas em diversos outros estudos.
Já
Teresas Liporace, do Idec, afirma que a ONG quase não tem recursos
oriundos de convênios com governo federal, porque a execução e o uso dos
recursos são feitos por um sistema (Siconvi) que requer muito
conhecimento específico e muitas horas de dedicação para operá-lo.
Ela explica o que foi feito nos dois projetos que foram financiados pelo FDD listados pela ConJur:
O de 2011 “oportunizou ao Idec desenvolver e manter o banco de
regulação, informando a todo o SNDC sobre a publicação de uma nova
consulta pública e incentivando a participação dos seus membros com o
envio de contribuições às agências reguladoras”. Já o aprovado em 2015
teve a execução iniciada em janeiro de 2016, com término previsto para
junho deste ano. O principal produto será um portal com ferramentas de
informação, orientação e autoconsulta, incluindo cursos gratuitos para o
consumidor.
O ano do MP
Já 2016 parece ter sido o ano do Ministério Público no FDD. Projetos do
MP em três estados ficaram com mais de metade do valor destinado a
projetos pelo Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. De R$ 1,9 milhão, R$
384 mil foram para o Ministério Público da Bahia, em um projeto para
“melhorar a prestação do serviço de fornecimento de água para os
consumidores baianos”.
Outros R$ 347 mil aportaram no MP do
Distrito Federal, para implantar o núcleo de geotecnologia na Secretaria
de Perícias e Diligências. Já o Ministério Público do Acre ganhou R$
271 mil para financiar “campanhas educativas para informar o consumidor
sobre o consumo sustentável e a importância da alimentação saudável e do
consumo seguro de alimentos”.
Antes de 2016, a última aparição de
projetos do MP financiados pelo fundo havia sido em 2010, quando o
MP-AC conseguiu ter outras duas ações selecionadas. O órgão recebeu R$
195 mil para combater a poluição hídrica e R$ 146 mil garantir
informação complementar sobre a fauna de mamíferos silvestres do estado a
alunos de rede pública de Rio Branco.
Vale notar que o MP é o
principal autor das ações civis públicas, de onde vem grande parte da
arrecadação para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos.
Projetos mais caros financiados pelo FDD, por ano
Ano
Valor solicitado
Interessado
Descrição do projeto
2016
R$ 384.000
Ministério Público da Bahia
Melhorar
a prestação do serviço de fornecimento de água para os consumidores
baianos, no que tange a qualidade e continuidade do abastecimento.
2015
R$ 443.750
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC
Estruturação
de uma ferramenta web de educação, informação e orientação ao
consumidor para contribuir para a redução da assimetria de informações
nas relações de consumo.
2014
R$ 443.750
Instituto de Pesquisa Ecológicas – IPÊ/SP
Promover
a disseminação da cafeicultura orgânica através da implementação de
ilhas de agrobiodiversidade (café com floresta) em assentamentos rurais
da reforma agrária no Pontal do Paranapanema, Estado de São Paulo.
2013
R$ 443.379
Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor
Fortalecimento do Movimento Civil de Defesa dos Consumidores no Brasil.
2012
R$ 539.555
Secretaria de Governo do Mato Grosso do Sul
Formar
brigadistas voluntários em técnicas de combate a incêndios florestais,
fazer uma campanha educativa e fortalecer a Coordenadoria Estadual de
Defesa Civil do Estado de Mato Grosso do Sul.
2011
R$ 588.091
Ecoa - Ecologia & Ação - MS
Promover a Melhoria na Saúde dos Povos Indígenas do Vale do Javari.
2010
R$ 348.640
Casa Civil do Governo do Estado do Rio de Janeiro
Preservação dos acervos das Casas de Detenção do Rio de Janeiro e Niterói existentes no Arquivo Público do Estado.
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