Trio de pesquisadores percebeu que a desigualdade chinesa estacionou em 2010 e pode estar diminuindo - e tenta entender o que está acontecendo
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3 abr 2017, 14h07
- Atualizado em 3 abr 2017, 14h27
São Paulo – Não há precedentes na história da humanidade para o que aconteceu na China desde que ela se abriu para o mundo.
O país cresceu acima de 6% todos os anos desde o final dos anos 70, com taxas que às vezes superavam dois dígitos, e tirou da pobreza 700 milhões de chineses (tornando muitos outros milionários).
A alta da desigualdade não passou despercebida, mas parecia um preço modesto a ser pago pela melhora geral das condições de vida.
Mas agora, um novo estudo mostra que o país talvez esteja ficando menos, e não mais, desigual nos últimos anos.
Os autores são Yue Wang e Ravi Kanbur, da Universidade de Cornell, e Xiaobo Zhang, da Universidade de Pequim.
Explorando complexos bancos de dados oficiais sobre as províncias e
pesquisas domiciliares nacionais, o trio criou estimativas de
desigualdade para 6 momentos nos 20 anos entre 1995 e 2014.
O método tem seus limites, já que pesquisas domiciliares costumam subestimar a renda dos mais ricos.
Na China, eles têm um motivo extra para se preocupar, já que o
governo tem promovido uma cruzada anticorrupção e anti-ostentação.
Mas ainda que os números não sejam exatos, a tendência encontrada é clara para várias medidas de desigualdade.
O coeficiente de Gini chinês, por exemplo, saltou de 0,349 em 1995
para 0,533 em 2010, mas caiu para 0,495 em 2014 (nesta medida, 0
representa igualdade perfeita e 1 representa desigualdade total).
A conclusão: “uma avaliação cuidadosa das melhores fontes de dados
parece sugerir que a desigualdade atingiu um platô, com o ponto de
virada por volta de ou logo antes de 2010”.
Para entender as razões para o fenômeno, os pesquisadores olharam
para algumas divisões ainda fortes na sociedade chinesa: entre o mundo
rural e o mundo urbano e entre as diferentes regiões.
Uma hipótese é que décadas de migração do campo para as cidades
levaram a um grande contingente de trabalhadores que já recebem os
salários urbanos, que são mais altos.
Além disso, a migração teria tornado o mercado de trabalho rural mais
apertado, e os trabalhadores do campo remanescentes já teriam maior
poder de barganha para pedir salários maiores.
É exatamente o que previa uma famosa teoria do economista Simon Kuznets, vencedor do Nobel em 1971.
Vale lembrar que o salário médio por hora de um trabalhador chinês do setor industrial triplicou entre 2005 e 2016 e já supera o do seu equivalente no Brasil, de acordo com a consultoria Euromonitor.
Outros fatores citados pelo estudo são os grandes investimentos
públicos na infraestrutura das áreas mais atrasadas, além de novos
programas de seguridade social e transferência de renda.
Tudo isso é parte de um esforço declarado do governo chinês para
mudar o modelo de crescimento do país e depender menos de poupança e
investimento pesado e mais de consumo e inovação.
Ninguém espera que a China volte a crescer no mesmo ritmo do passado, o que é natural depois de um certo nível de desenvolvimento.
E se o bolo não cresce tanto, importa que a divisão seja mais justa –
afinal, a China não é uma democracia e a estabilidade do governo vem
não só da repressão, mas do discurso de que a vida da população vai
continuar melhorando.
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