É o monopólio das virtudes, dos fins nobres. O sujeito não precisa refletir muito sobre
como chegar
aonde quer chegar, não tem de estudar economia e história para
verificar o que aconteceu em outras experiências socialistas e o que
explica a riqueza das nações, nada disso. Basta ele aderir ao socialismo
e pronto: ele
sente que está lutando por todas as minorias injustiçadas e contra as elites insensíveis.
Como o socialismo já virou uma seita
ideológica ou uma religião política, e como há uma máquina de propaganda
por trás dessa utopia, nenhum fracasso histórico impede o crente de
abraçar a causa. China, União Soviética, Coreia do Norte, Camboja, Cuba,
Alemanha Oriental, Angola, Moçambique, Iugoslávia, os países do Leste
Europeu e tantos outros casos, todos terminando basicamente da mesma
forma trágica.
Não importa. O comunismo continua
protegido do mundo real, do “socialismo real”, e a culpa é transferida
para aquelas lideranças que se desviaram do curso e da revolução, que
traíram a causa, que se venderam. Deturparam Marx, dizem. E logo parecem
prontos para uma nova tentativa, para usar novas cobaias em seus
experimentos, para criar o “novo homem” e o “novo mundo possível”.
Chegamos, então, à Venezuela. O caos é
total. A miséria se espalhou pelo país, apesar das vastas reservas de
petróleo. A violência saiu de controle, e o governo partiu para a
opressão sem qualquer respeito pelo cidadão e pela democracia.
Opositores são sequestrados e desaparecem, jovens estudantes que
protestam pedindo liberdade são mortos. A Venezuela já é uma ditadura, a
nova ditadura socialista, e se junta à extensa lista acima. O
“socialismo do século 21”, afinal, não difere tanto de seu antecessor.
Mas o que vemos na narrativa presente
nos principais jornais, nas universidades, na política? Aqueles que não
apoiam mais Maduro, os que culpam apenas Maduro e nada mais. É como se
um maluco tivesse adotado tais práticas tirânicas do nada, destruindo a
democracia, e
essefosse o grande problema. É como se houvesse febre sem doença, efeito sem causa.
É por isso que vemos Jean Wyllys, do
PSol – que oficialmente ainda defende o regime venezuelano –, tecendo
críticas a Maduro, mas sem conseguir chegar ao verdadeiro culpado: o
socialismo, que está no nome de seu partido. A esquerda fez a mesma
coisa com o terrível legado do PT: aceitou condenar Dilma para poupar o
próprio esquerdismo. Mas isso é desonestidade, e pode até enganar alguns
iludidos, mas não pode passar despercebido por gente séria.
Crianças focam apenas em pessoas, mas
adultos falam de ideias. Sabem que o destino de nações não é definido
apenas pelo voluntarismo de Fulano ou Sicrano, e sim pelas ideias
vigentes, que apontam para qual direção as medidas serão tomadas. Em
outras palavras: as pessoas maduras não falam só de Maduro, mas do
socialismo; não focam apenas nos fins, mas nos meios.
Enquanto o sujeito infantil ignora os
métodos para salvar sua crença, aquele mais sábio vai justamente
questionar os métodos, para checar se funcionam ou não. E quem agir
assim chegará invariavelmente à conclusão de que o DNA do grande culpado
está em todas as cenas do crime, tanto na Venezuela como nos demais
exemplos. O culpado é o socialismo.
E o que se entende por socialismo aqui? Ora, é simples: basta ver quais são os
meios que
os socialistas pregavam e ainda pregam. Comecemos pelo discurso
segregacionista, que joga uns contra outros, pobres contra ricos,
mulheres contra homens, negros contra brancos. Todo socialista parte
dessa premissa: oprimidos e opressores, num jogo de soma zero. Logo, é
preciso tirar de uns para dar a outros. Isso seria “justiça social”.
Como mecanismo para tanto, vale expandir
os gastos públicos como se austeridade fosse um palavrão repetido
apenas por “neoliberal”, impor controle de preços, nacionalizar e
estatizar empresas, abolir o império das leis em troca do arbítrio do
governante, rasgar a Constituição, usar o Banco Central como instrumento
para imprimir moeda e crédito e fomentar o consumo das massas, adotar
práticas protecionistas contra o capital estrangeiro, punir os
empresários independentes lucrativos e subsidiar outros que se tornam
aliados políticos, aparelhar o Estado e controlar a “imprensa golpista”.
Essa é a pauta socialista, seja de Chávez e Maduro, seja dos
soviéticos, seja dos petistas e do PSol.
E, quando tais
meios são
adotados, o único resultado possível é esse: miséria, escassez
generalizada, filas e racionamento, opressão e terror, ditadura. Não
existe socialismo democrático justamente por isso: os métodos
socialistas produzem inflação e depressão, a população fica revoltada e o
governo, que passou a acumular muito poder, usa sua força para impedir a
troca de comando que seria inevitável dentro da democracia.
O desarmamento da população também é
outra bandeira socialista exatamente para facilitar essa tomada plena de
poder, sem muita resistência, ou ao menos sem resistência armada.
Defender as políticas de extrema-esquerda, portanto, é o mesmo que
defender o destino venezuelano, por mais que esquerdistas finjam agora
não existir ligação alguma entre uma coisa e outra.
Alain Besançon resumiu com perfeição, em
A infelicidade do século:
“O comunismo é mais perverso que o nazismo porque ele não pede ao homem
que atue conscientemente como um criminoso, mas, ao contrário, se serve
do espírito de justiça e de bondade que se estendeu por toda a terra
para difundir em toda a terra o mal. Cada experiência comunista é
recomeçada na inocência”.
Artigo originalmente publicado na Gazeta impressa
http://www.gazetadopovo.com.br/rodrigo-constantino/artigos/utopia-como-blindagem-da-realidade/