O
presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, que deixará o banco até o
começo de abril para se candidatar à Presidência da República, concedeu
entrevista à DINHEIRO
Por que o BNDES vendeu uma fatia de sua participação na Suzano e na Fibria?
O setor de papel e celulose passa por um momento feliz, de
amadurecimento, que começou com investimentos lá na década de 1970. Os
esforços com a Aracruz, Votorantim, Klabin, Bahia Sul etc. Agora,
percebendo que já estava tudo maduro, o banco colocou esse setor nas
suas prioridades em um eventual desinvestimento. Havia, paralelamente,
uma visão de mercado de que a Suzano e a Fibria tinham um sonho de
ganhar ainda mais sinergia. É um setor em que a sinergia se faz em
escalas monumentais. Ocorre que a BNDESPar era sócia da Suzano, em menor
proporção (6,86%), e era sócia muito relevante, com a Votorantim, na
Fibria (29,08%). Assim, obviamente, essa conversa tinha de passar pelo
BNDES.
Como foram as negociações?
Foram pelo menos dois meses de idas e vindas, caneladas, negociações
altamente aguerridas, em que, naturalmente, o preço embutido foi
subindo. Quanto ele ficou fixado em R$ 51,50 por ação sobre a parcela
fixa, mais a parcela paga em ações, o banco tecnicamente julgou que
estava diante de um grande negócio. Houve outro interessado, que não
chegou a ser proponente de coisa nenhuma – é importante que se diga isso
–, a Paper Excellence (empresa holandesa comandada por família da
indonésia). Eles soltaram um valor de R$ 67,00 por ação para fazer uma
compra de porteira fechada, mas a proposta não é exatamente comparável,
pois não deixava nenhuma ação da empresa resultante na mão do BNDES.
Ora, com as ações que ficamos em mãos, o preço de R$ 51,50 praticamente
se igualava, dependendo das contas que se faz das tais sinergias, e até
ultrapassava um pouco os tais R$ 67,00. E é essa a razão pela qual a
gente recebeu o interesse dos asiáticos com toda a elegância.
Não houve uma segunda proposta ainda maior da Paper Excellence?
Nas últimas horas, meio que farejando que não ia chegar a tempo de fazer
coisa nenhuma, ela (Paper Excellence) soltou pelos jornais um valor de
R$ 71,00 por ação. Daí, o presidente do banco aqui (se referindo a si
mesmo) fez o equivalente a dar um aperto final no tubo de pasta de dente
em relação à Suzano. Eu gosto de ficar enrolando a pasta de dente para
saber se dá para fazer mais uma escovada. Essa apertada no tubo rendeu
uma escovada de mais R$ 1,00 por ação, fechando em R$ 52,50, além da uma
troca do IGP-M pelo CDI na atualização do preço a ser pago no período
do fechamento. Somando esses dois ganhos, dá um bilhão de reais que a
gente conseguiu tirar do tubo de pasta de dente, tanto para a BNDESPar,
ou seja, para os contribuintes brasileiros, quanto para os minoritários,
que naturalmente inclui a Votorantim. Pergunta lá para o CEO da Suzano
[Walter Schalka] se eu não vou buscar o último centavo (risos).
A JBS é mais um tubo de pasta de dente que o senhor está apertando?
Não, porque a JBS não está na lista de negócios maduros. Com a JBS, num
momento futuro, nós sonhamos em fazer uma reorganização societária.
Como? Promovendo a profissionalização da gestão. A família Batista, que
levou de forma até correta essa expansão, apresenta nítidas dificuldades
de permanecer à frente dessa nova quadra. Por mais que fiquem enchendo o
saco por causa dessa coisa de campeão nacional, a JBS, enquanto
empresa, expandiu-se. É uma operação que, nos livros, está
superlucrativa para a BNDESPar. Repito: superlucrativa. E pode ser muito
mais. Enquanto não houver uma reestruturação interna, por que o BNDES
iria se retirar? Você pode escrever: agora, sem chance. Depois, com a
nova governança, tem toda a chance [de vender].
O Tribunal de Contas da União (TCU) costuma dizer que a JBS causa prejuízo.
Um grupo técnico dentro do TCU soltou uma tabela com valores
completamente sem senso. O mais difícil de tragar é um cara que se diga
técnico dizer que o preço que ele deve adotar é de R$ 6,00 por ação,
quando a empresa já bateu em R$ 16,00 e hoje está em R$ 10,00.
O TCU errou?
O técnico escolheu com lupa o menor preço da ação depois da delação
[gravação de Joesley Batista com o presidente Michel Temer], no momento
crítico da JBS.
Por que o TCU faz isso?
Porque não tem ninguém para verificá-lo. Se colocar uma instância
superior ao Tribunal de Contas, alguém para dar uma checada, eles não
soltariam as coisas assim.
É verdade que R$ 5 bilhões dos R$ 8,5 bilhões obtidos com a operação entre a Suzano e Fibria são para startups?
Fiz um anúncio provocativo, porque o dinheiro não tem carimbo. Gostaria
de dedicar tudo ao programa de busca por campeãs do futuro. São micro,
pequenas e médias empresas nas mais diversas áreas de inovação. Na
verdade, se forem necessários R$ 10 bilhões, o banco tem. Esse cálculo
de R$ 5 bilhões é uma meta realista do BNDES para os próximos três anos.
É uma meta em aberto, em homenagem à [ex-presidente] Dilma. Se chegar
na meta, a gente dobra a meta.
Qual é a prioridade atual do BNDES?
A prioridade para o banco são as micro, pequenos e médias empresas, que
já recebem 63% dos desembolsos. Dá um total de R$ 40 bilhões por ano, o
que já é muita coisa. Confesso que a maior parte ainda é de médias
empresas, mas o nosso foco agora é a micro e a pequena. Por isso, estou
deixando organizada aqui uma diretoria chamada e-BNDES, visando 2035.
Quem vai assumi-la é o José Bevilaqua, diretor de informática do IBGE.
Apostamos em inovação.
Os pequenos empresários reclamam que é muito difícil
acessar as linhas de crédito do BNDES, por culpa dos bancos
repassadores. Como mudar isso?
É por isso que o e-BNDES é revolucionário. Vamos fazer um cartão digital
sem intermediários. Isso é uma novidade total e completa. O spread pode
cair pela metade.
O BNDES abandonou a infraestrutura?
De jeito nenhum. Com a taxa de juros nominal (Selic) mais baixa, há mais
opções de se fazer leilão sem o BNDES, no mercado de capitais. Ou, na
área de energia eólica, por exemplo, com os fundos constitucionais do
Nordeste. Então, a gente admite que o banco já foi mais competitivo.
Como voltar a ser competitivo?
Ele tem de ser equalizado do mesmo jeito que os bancos regionais. Ou,
então, ter uma condição de imunidade ao imposto de renda. O BNDES é
praticamente o único banco de desenvolvimento do mundo que paga imposto
de renda.
Mas o Ministério da Fazenda aceitaria abrir mão de recursos?
Não sei. A Fazenda não pode continuar a ser eternamente uma solene arrecadadora de tributos.
Por que os desembolsos do BNDES despencaram nos últimos anos?
Por dois motivos. O primeiro é que a indústria não tem ânimo para
investir. A indústria brasileira está doente de impostos, de juros, de
regulação, e da falta de compreensão por parte dos dirigentes de seu
real papel. O segundo motivo para a queda dos desembolsos é que a
exportação de serviços desabou, por conta desta “bobajada” de ficar
dizendo que nós financiamos Cuba, Venezuela e o diabo a quatro.
Mas não financiam?
Não financiamos diretamente nenhum desses países politicamente
polêmicos. Financiamos os equipamentos brasileiros, os serviços de
engenharia brasileiros, as nossas empresas de engenharia. Todos os
países pagam seguro de risco político. Até a Venezuela que anda
atrasando, está pagando. O único inadimplente nessa carteira toda
chama-se Moçambique. Tem um aeroporto lá. O dinheiro do seguro de
crédito vai para o fundo garantidor de exportação, que é altamente
superavitário.
A troca da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que
era subsidiada, pela Taxa de Longo Prazo (TLP) também atrapalhou os
desembolsos?
Sim. Até hoje os bancos privados não produziram plataforma para lidar com TLP.
É mesmo?
É. Nós alertamos o governo. ‘Não faça isso, pois vai atrapalhar os
investimentos.’ Não deu outra. Resultado: agora estão nos cobrando
recursos. O fato é que o dinheiro não vai para o investimento e o BNDES
não fica feliz com isso. Estou com caixa e não estou satisfeito.
Além do e-BNDES, há outras mudanças na diretoria do BNDES?
Estamos criando uma diretoria de operações, que é o maior charme dessa
reestruturação do banco. É um banco conhecido por ser moroso, lento. Não
mais. Agora nós nomeamos a Claudia Prates [diretora de Indústria do
banco] para colocar o banco para correr. E estamos criando 27 regionais,
descentralizando as operações do banco. Hoje, todo mundo pensa que tem
de vir na Avenida Chile [endereço da sede do BNDES, no Rio de Janeiro]
beijar a mão do cardeal aqui, do presidente. É um erro! O banco tem de
estar onde o povo está.
O BNDES tem R$ 130 bilhões para devolver ao Tesouro Nacional neste ano?
Temos. Já fizemos um chequinho de R$ 30 bilhões recentemente. Mais R$ 50
bilhões que eu tinha feito em novembro passado. A Maria Silvia [Bastos
Marques] já fez um cheque de R$ 100 bilhões. Todo mundo esquece, mas o
Luciano [Coutinho] fez um cheque de R$ 30 bilhões. Lá para agosto vamos
assinar mais um mais de R$ 100 bilhões. Soma tudo e dá R$ 310 bilhões.
Haverá mais pagamentos em 2019?
Não precisa. Veja só o meu argumento. A conta original do que a gente
recebeu do Tesouro foi de R$ 440 bilhões. Até o fim de 2018, já teremos
pago R$ 310 bilhões. Então faltariam R$ 130 bilhões. Se somarmos todos
os dividendos e os impostos que o banco arrecadou para o governo nos
últimos 10 anos, dá um total de quase R$ 123 bilhões. Conta encerrada.
Faltariam ainda R$ 7 bilhões…
É só espremer a pasta de dente (risos). Vale lembrar que esses
empréstimos eram para serem devolvidos até o ano de 2060. É bom que o
público saiba. Eu peguei o banco valendo menos que do o seu Patrimônio
Líquido. Valia menos do que R$ 50 bilhões. Se, hipoteticamente, o banco
fosse vendável, valeria mais de R$ 150 bilhões. Portanto, deixo o banco
valendo o triplo do que valia antes. O banco já pode postular um
investment grade junto às empresas de rating.
O BNDES vai ter alguma participação na privatização da Eletrobrás?
Ele é o modelador e detém participação acionária. Portanto, vai sempre participar.
Mas financiando a privatização ou não?
Precisamos urgentemente é tentar um modelo que, de fato, otimize essa
venda tal como fizemos nessa bela reorganização societária de Suzano e
Fibria. Existem questões relativas à reavaliação de ativos dentro da
Eletrobras que precisam ser muito bem analisadas antes de nós sairmos
vendendo.
Mas o governo tem pressa, não?
Pressa do quê? Não sei. Não posso responder pelo governo. Minha função
como BNDES é pensar na melhor maneira de organizar essa venda. Quem tem
pressa vai comer cru.
Quem vai assumir a sua vaga na presidência do BNDES?
O presidente Temer (risos). O cargo é dele.
O sr. será candidato?
Tô pensando, tô pensando (risos). Sim. Está tudo acertado para eu cumprir essa missão. O País precisa de um agente provocador.
Se o presidente Temer for mesmo candidato, o sr. vai concorrer contra ele?
Olha, pode anotar aí. Contra o presidente eu não vou concorrer em hipótese alguma.
https://www.istoedinheiro.com.br/a-industria-brasileira-esta-doente-de-impostos-e-de-juros/