O colapso financeiro de Viracopos é
resultado de um modelo de concessão que impede totalmente qualquer
possibilidade de ajuste, por parte do concessionário, em caso de crise
ou alteração das condições econômicas e/ou mercadológicas.
A operação do aeroporto foi licitada em
2012, tendo sido arrematada com ágio de 159% (R$ 3,3 bilhões). Na
época, havia apostas num crescimento rápido do volume de passageiros e,
principalmente, de carga, além de eventos turísticos importantes, como
Copa do Mundo e Olimpíadas.
A partir de 2014, no entanto, o Brasil
experimentou a pior recessão de sua história, o que derrubou a demanda,
tanto de passageiros quanto de cargas. No pedido de recuperação a
concessionária afirma que, no período de 2012 a 2017, “a frustração da
demanda implicou perdas estimadas de receitas de embarque e desembarque
da ordem de R$ 95 milhões e de receitas de carga da ordem de R$ 914
milhões”.
É claro que houve erros de avaliação e
projeção, entretanto, o olhar do administrador apostaria que o principal
problema talvez tenha sido o engessamento contratual, que tirou da
concessionária qualquer possibilidade de ajuste rápido e,
principalmente, re-planejamento de investimentos, conforme mudavam as
circunstâncias do mercado.
De acordo com o contrato de concessão,
havia a obrigatoriedade de investimentos da ordem de R$ 3 bilhões na
expansão dos terminais de passageiros e carga, logo nos primeiros anos.
Tais obras foram financiadas com recursos do BNDES, mas a amortização
dos empréstimos, evidentemente, dependia de um volume projetado de
receitas que não aconteceu.
Tivesse o aeroporto sido privatizado, e
não simplesmente concedido, sob as amarras de compromissos rígidos, é
claro que os investimentos teriam seu cronograma revisto e postergado, a
fim de adequá-los à demanda real e a um mercado operando em período
recessivo.
Todavia, esse modelo de concessão –
assim como o das famigeradas parcerias público privadas -, com cláusulas
de investimento pré-fixadas, tanto em termos financeiros quanto de
prazo, retira completamente a agilidade e adaptabilidade da
concessionária para lidar com as crises e as freqüentes mudanças de
humor do mercado.
Outro problema freqüente desse modelo é a
morosidade do poder concedente para tratar de alterações no escopo do
contrato ou dos sempre necessários – principalmente em contratos de
longo prazo – ajustes econômico-financeiros do mesmo.
Por exemplo, a concessionária Concer,
que
administra a rodovia Rio-Juiz de Fora, está obrigada, por contrato, a
construir uma nova via, na subida da Serra de Petrópolis. A obra da Nova Subida da Serra (NSS) sempre esteve presente no Programa de Exploração da Rodovia (PER),
contudo, sem projeto específico e orçamento previamente aprovados. No
contrato, há menção somente a uma ‘verba simbólica’ de R$ 80 milhões, a
preços de 1995 – época da concessão. De acordo com a proposta, o custo
real da obra que excedesse a estimativa acima, seria, então, negociado
com o poder concedente, de acordo com o projeto a ser aprovado.
Prevista originalmente para ser
executada entre 2001 e 2006, a obra teve o cronograma alterado três
vezes, a última em 2009, fixando prazo até 2013 para sua execução. O
projeto foi apresentado em janeiro de 2010 à Agência Nacional dos
Transportes Terrestres (ANTT), mas a licença ambiental só foi liberada
pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA) quase dois anos depois, em dezembro de 2011.
A ANTT (agência reguladora) autorizou o
início das obras apenas em abril de 2013, após discussões sobre o
projeto e respectivo ressarcimento. Foi assinado um aditivo ao contrato
estabelecendo que a União, através da ANTT, faria o ressarcimento à
concessionária dos valores investidos acima do previsto no contrato
original. O orçamento final da obra, corrigido em 2013, ficou em R$ 897
milhões.
Entre dezembro de 2014 e abril de 2015, a
ANTT realizou repasses que totalizaram R$ 237 milhões, em valores
atualizados. Porém, o Tribunal de Contas da União determinou a
paralisação dos repasses, alegando irregularidades no termo aditivo,
argumento utilizado também pelo Ministério Público Federal, que
conseguiu na Justiça Federal o bloqueio dos repasses. Desde então, as
obras encontram-se paralisadas.
Embora o desejo formal do poder
executivo e da concessionária seja prorrogar o tempo de concessão para
que as obras possam ser realizadas sem a necessidade de repasse de novos
recursos públicos, o TCU e o Ministério Público Federal defendem que o
governo deve simplesmente deixar o contrato vencer naturalmente, para
que seja novamente licitado e as obras terminadas pelo novo
concessionário, já com todos os custos devidamente dimensionados.
A FIRJAN – Federação das Indústrias do
RJ – estima que a conclusão da obra, caso vença a proposta do TCU e do
MPF, poderá acontecer somente em 2031. Tal atraso implicaria custos
socioeconômicos que ultrapassariam R$ 1,5 bilhão para a sociedade.
Resumo da ópera: Por conta da burocracia
estatal e da falta de agilidade da agência reguladora, os usuários da
rodovia têm sido os mais prejudicados, em todos os sentidos – como
consumidores e como pagadores de impostos. Nada disso aconteceria,
entretanto, se a rodovia houvesse sido privatizada, e não apenas
concedida.
Ademais, como já expliquei em
outro artigo, a
política de concessões também inibe a concorrência, normalmente
transformando monopólios públicos em monopólios privados. Isso se dá
porque, ao promover uma concessão e cobrar por ela, o governo não raro
bloqueia qualquer possibilidade de um terceiro interessado prestar o
mesmo serviço, ainda que este deseje investir recursos próprios no
negócio.