Há 42 meses na liderança entre as montadoras no Brasil, a GM quase se viu obrigada a fechar dia das três fábricas que mantém no País. Mudou de estratégia e irá investir R$ 10 bilhões por aqui. Entenda a estratégia e os desafios da empresa, segundo o homem que a comanda
Formado em Economia pela Universidade de Belgrano, em Buenos
Aires, pai de gêmeas de 8 anos, o executivo Carlos Zarlenga, 45, tem
uma história de sucesso inquestionável. Sob seu comando, a GM
conquistou, no final de 2015, a liderança no Brasil – posição que ainda
mantém. “Hoje, temos uma cultura para ganhar, de excelência, inovar,
pensar diferente, com mais incentivo para a percepção de oportunidades”,
afirma Zarlenga. Nesta entrevista à DINHEIRO, ele expõe o delicado
momento do setor, fala dos planos para o futuro e alerta para a urgência
de uma reforma tributária.
DINHEIRO – A GM anunciou que irá investir R$ 10 bilhões no Brasil até 2024. Como pretende alocar esses recursos?
CARLOS ZARLENGA – Nossa prioridade é modernizar as duas fábricas de São Paulo.
A GM vai lançar vinte novos produtos até 2023. Desses lançamentos, 11 serão ainda este ano. E estamos muito empolgados em continuar à frente do mercado no Brasil, que já lideramos há 4 anos. O nosso compromisso com a indústria da América do Sul e do Brasil é importante. Somos muito fortes na região. Ocorre que, desde 2013, estamos vivendo um momento muito difícil no Brasil e na América do Sul. As vendas do setor automobilístico caíram de 4,5 milhões para os atuais 3,5 milhões. É um impacto negativo muito forte e que gerou, obviamente, uma queda enorme na rentabilidade. Ao mesmo tempo, a indústria automotiva no Brasil está muito exposta ao câmbio. Só no ano passado, o real teve uma desvalorização de quase 30%.
A GM vai lançar vinte novos produtos até 2023. Desses lançamentos, 11 serão ainda este ano. E estamos muito empolgados em continuar à frente do mercado no Brasil, que já lideramos há 4 anos. O nosso compromisso com a indústria da América do Sul e do Brasil é importante. Somos muito fortes na região. Ocorre que, desde 2013, estamos vivendo um momento muito difícil no Brasil e na América do Sul. As vendas do setor automobilístico caíram de 4,5 milhões para os atuais 3,5 milhões. É um impacto negativo muito forte e que gerou, obviamente, uma queda enorme na rentabilidade. Ao mesmo tempo, a indústria automotiva no Brasil está muito exposta ao câmbio. Só no ano passado, o real teve uma desvalorização de quase 30%.
DINHEIRO – Essa depreciação do real gerou prejuízos para o setor automotivo?
ZARLENGA – No ano passado, as matrizes de
todas as montadoras que atuam no Brasil aportaram, juntas, cerca de R$
50 bilhões no País, apenas para manter suas operações aqui. Nesse
cenário, tínhamos de decidir o que iríamos fazer com os investimentos
futuros. Com esse novo acordo com o governo de São Paulo, decidimos
ficar. É bom destacar que, entre 2014 e 2019, a GM investiu no Brasil R$
14 bilhões. Com os R$ 10 bi que anunciamos agora, teremos, ao todo, um
investimento no País de R$ 24 bilhões, de 2014 a 2024. É o maior
investimento que já fizemos.
DINHEIRO – Antes de comunicar esse novo
investimento, o senhor considerou fechar duas fábricas (em São Caetano
do Sul e em São José dos Campos). Como foi comunicar esse risco ao
mercado e aos funcionários?
ZARLENGA – Foi muito complicado. Mas qual
seria a outra opção? Mentir? Eu sempre achei que a transparência é o
melhor caminho numa situação de grande crise. Quanto mais transparência,
mais chances se tem de consertar um problema. E foi justamente o que
nós fizemos. Estou muito contente que tudo tenha sido solucionado.
DINHEIRO – Como o senhor recebeu as críticas ao anúncio de que a GM poderia fechar as fábricas no Brasil?
ZARLENGA – Alguns não acreditaram. Achavam
que era apenas uma ameaça. Quem pensou isso estava seriamente mal
informado. O Brasil representa apenas 2,5% da indústria automotiva
global. É uma fatia importante, mas ainda pequena. Os EUA ocupam 20% do
mercado. Para quem não acreditava que a GM poderia sair do Brasil, eu
quero lembrar que nós fechamos nossas fábricas na Europa, na Rússia, na
Índia, na Austrália, na África do Sul. E foi a melhor coisa que já
fizemos. A questão é que o negócio precisa ser rentável. Sabe qual é o
custo para a GM sair do Brasil? US$ 1 bilhão. O que é melhor? Gastar US$
1 bilhão para fechar tudo ou colocar mais US$ 3 bilhões para seguir
trabalhando e tentando fazer o negócio dar certo?
DINHEIRO – Quais as dificuldades da GM para ser rentável no Brasil, uma vez que é a lider?
ZARLENGA – Temos duas fábricas nas quais o
produto que fazemos agora deixará de ser fabricado em 2021. Para lançar
novos produtos, temos de fazer investimentos em novos modelos e novas
tecnologias. Para isso, precisamos de US$ 3 bilhões.
O incentivo de ICMS ajuda. Mas se esse incentivo acaba, a situação fica insustentável. Se nós fecharmos duas fábricas, demito 10 mil funcionários diretos, consigo ficar só com a unidade de Gravataí (RS), fazendo o Onix, que é líder de vendas no País. Isso pode dar certo. Mas também pode dar errado. A taxação tributária brasileira é insuportável. O fato é que a nossa operação no Brasil está em risco. Precisamos fazer algo para consertar isso.
O incentivo de ICMS ajuda. Mas se esse incentivo acaba, a situação fica insustentável. Se nós fecharmos duas fábricas, demito 10 mil funcionários diretos, consigo ficar só com a unidade de Gravataí (RS), fazendo o Onix, que é líder de vendas no País. Isso pode dar certo. Mas também pode dar errado. A taxação tributária brasileira é insuportável. O fato é que a nossa operação no Brasil está em risco. Precisamos fazer algo para consertar isso.
DINHEIRO – Mas a economia está em situação delicada em todo o mundo.
ZARLENGA – Exato. A economia dos EUA está
crescendo há mais de 10 anos. Em algum momento, vai começar a cair. Nada
cresce para sempre. A mesma coisa acontece na China, onde a GM também é
líder. Pela primeira vez na história, a China registrou queda na venda
de automóveis. Ano passado, foi 5% abaixo do que em 2017. E para este
ano, a estimativa é de uma queda em torno de 7%. Há riscos nos Estados
Unidos e na China, as duas maiores potências do mundo. O problema é
global. No Brasil, é ainda pior, por causa da tributação altíssima. Os
impostos que pagamos aqui são tão exorbitantes que fica mais barato
fabricar um carro na Coreia do Sul e vender em São Paulo do que fazer
esse mesmo carro em São Paulo e vender no próprio estado. Outro grave
problema é a questão cambial. Ninguém sabe para onde vai o real. Só no
ano passado, a moeda perdeu cerca de 30% do seu valor frente ao dólar.
Daí, eu chego na sede mundial da GM e digo: “Mary (Mary Barra,
presidente mundial da montadora), me dá US$ 3 bilhões para eu investir
no Brasil”. E ela me pergunta quando esse investimento vai nos dar
retorno. E eu respondo: “Não sei. Depende do real”. Ninguém sabe até
onde a moeda pode se desvalorizar. Só Deus sabe.
DINHEIRO – Se a matriz concordou em fazer o investimento, deve haver uma perspectiva de lucro no longo prazo.
ZARLENGA – No Brasil, a única solução para
as montadoras é exportar. Da fábrica para dentro, nossa produtividade é
excelente. A nossa fábrica de Gravataí (RS) é a mais eficiente do
mundo, entre todas as montadoras. Somos número 1 do mercado, em todos os
segmentos. Temos o carro mais vendido, que é o Onix. Nossa estrutura é
excelente. A receita da GM dividida pelo número de carros vendidos é a
mais alta do mundo. Se o problema da operação da GM no Brasil fosse
gerencial, eles me demitiam e estava tudo resolvido. A questão é
tributária: 53% de imposto é um absurdo. É asfixiante. Felizmente, o
governador de São Paulo, João Doria, entendeu isso e propôs um acordo
que, acredito, será bom para todos os interessados: a GM, o Brasil, os
trabalhadores e os consumidores.
DINHEIRO – E o que vem agora?
ZARLENGA – Agora, vem o futuro. E o futuro
depende de uma questão importantíssima: a exposição cambial continua
sendo fundamental na nossa indústria. Isso precisa ser consertado. Sem exportação, a indústria automotiva no Brasil não tem futuro.
DINHEIRO – O governo prevê reduzir a alíquota média de importação para até 10%, em quatro anos. Qual será o impacto no setor?
ZARLENGA – Se a proposta do governo
federal é “vamos abrir, mas não vamos fazer o ajuste fiscal”, nós, as
multinacionais, vamos produzir onde for mais eficiente e vender onde for
melhor. Se for assim, nós fabricamos no México e vendemos no Brasil. O
carro custaria menos aqui do que custa hoje. O Equinoxx e o Trakker, por
exemplo, são fabricados no México e vendemos aqui.
DINHEIRO – Nesse caso, além da GM, outras montadoras fechariam suas fábricas aqui?
ZARLENGA – Esse é o ponto. O governo
brasileiro precisa pensar em como aproveitar a grande força de produção
que temos hoje no País, para fazer disso uma força exportadora. Isso só
vai acontecer se o governo atacar a carga tributária já. Com isso, o
governo mostraria à indústria que é confiável. Isso gera credibilidade e
leva as montadoras a continuar investindo no País. Outra coisa
fundamental: 90% da indústria automotiva do Brasil estão nas mãos de
multinacionais. As decisões de investimentos são tomadas na Alemanha,
nos Estados Unidos, no Japão, na Coreia. Para o Brasil ganhar
investimentos, precisa se tornar competitivo. Fazer reforma tributária e
sinalizar abertura para o mundo é sensacional e vai fazer uma diferença
enorme a favor do Brasil.
DINHEIRO – Por quê?
ZARLENGA – A questão tributária é urgente.
Precisa mudar já, para que a indústria possa exportar. Temos uma grande
oportunidade de toda a América do Sul comprar do Brasil. Isso
representaria mais de 1 milhão de unidades por ano. Hoje, vendemos
nesses outros países pouco mais de 200 mil carros. No Brasil, vendemos
500 mil. Mas o que a GM vende na América do Sul é produzido,
principalmente, no México e na Coreia do Sul. Ainda temos muito espaço
para crescer.
DINHEIRO – Além de menos impostos, o que é necessário para o setor recuperar as vendas no Brasil e competir globalmente?
ZARLENGA – A gente não precisa de
absolutamente nada mais do que uma carga tributária razoável. O nosso
processo de produção no Brasil não é diferente do que fazemos no resto
do mundo. Já somos muito competitivos. Vamos tomar como exemplo o
Chevrolet Cruze. No Brasil, esse carro é vendido na casa dos US$ 30 mil.
Nos EUA, ele custa US$ 25 mil. Se tirarmos os impostos, ele custaria
US$ 16 mil (46% a menos) no Brasil e US$ 18 mil (redução de 28%) nos
EUA. O grande problema é o imposto. Sem o ajuste fiscal, nada funciona.
DINHEIRO – E qual sua expectativa quanto à reforma da Previdência?
ZARLENGA – Penso que há três pontos
importantes. O primeiro é que há um consenso muito forte para que a
reforma seja aprovada. Todos sabem que precisa passar. Acredito que
nenhum deputado quer ficar marcado como o cara que impediu a reforma. Em
segundo lugar, o governo tem muita dificuldade de operação política.
O terceiro ponto é que a reforma da Previdência é uma pequena parte das reformas de que o Brasil precisa. Se, mesmo sendo tão importante — e apenas uma pequena parte — já está sendo tão difícil para o governo aprovar a reforma da Previdência, como fica a reforma Tributária, que é muito mais complexa?
O terceiro ponto é que a reforma da Previdência é uma pequena parte das reformas de que o Brasil precisa. Se, mesmo sendo tão importante — e apenas uma pequena parte — já está sendo tão difícil para o governo aprovar a reforma da Previdência, como fica a reforma Tributária, que é muito mais complexa?
DINHEIRO – É correta a ideia de que os jovens de hoje, os millennials, não querem ter carro?
ZARLENGA – Não é bem assim. Um dado muito
interessante: o maior crescimento de venda de automóveis é justamente no
público entre 18 e 25 anos, em termos globais. Eles precisam e querem
ter carro. Todo mundo fala da geração dos millennials, que é bacana, que
eles gostam de compartilhar. A verdade é um pouquinho diferente. Os
millennials são a geração mais pobre dos últimos 60 anos. Ou seja, não é
que eles não querem comprar um carro. Eles querem. Só não têm dinheiro.
Além disso, a relação com o veículo ainda é muito passional. Vai ver a
cara do sujeito na hora em que ele pega o carro novo na loja.
DINHEIRO – O setor está passando por sua maior transformação da
história. Como a GM se posiciona em questões como segurança,
conectividade e eficiência energética?
ZARLENGA – A GM tem a missão global de
zero congestionamento, zero acidentes e zero emissão (de carbono).
Estamos falando de um futuro autônomo e elétrico. É uma mudança
inexorável. Vai acontecer. E aí, há vários pontos. Um deles é a
infraestrutura para carros elétricos. Vai ser um ciclo onde vão aparecer
os veículos elétricos e, em seguida, vem a infraestrutura. O Bolt, por
exemplo, tem autonomia de quase 400 km. Dá para usar a semana toda e só
recarregar no final de semana. Posso recarregar o carro no escritório ou
em casa. Em 3 horas, a bateria está carregada. Na semana passada,
anunciamos a primeira picape elétrica. Chegará ao mercado em breve. Em
relação aos carros autônomos, também estamos bem adiantados. Vai ser um
movimento interessante e rápido.
DINHEIRO – A GM foi a primeira montadora do Brasil a oferecer um serviço
de assistência pessoal ao motorista (OnStar). É possível estimar o retorno sobre esse investimento?
de assistência pessoal ao motorista (OnStar). É possível estimar o retorno sobre esse investimento?
ZARLENGA – Somos reconhecidos como a marca
mais conectada do Brasil, mesmo considerando as marcas de luxo. E o
sistema OnStar fez grande diferença nisso. Fomos a primeira montadora a
conectar a tela do carro ao celular. Temos mais de 200 mil clientes
conectados e satisfeitos. Ainda este ano, vamos lançar o carro com wifi,
de linha. Isso é um passo a mais na conectividade. É um serviço que nos
ajuda a desenvolver outro tipo de relação com o cliente. A fidelidade
cresce. Nossos modelos terão internet 4G dentro do carro. Para quem tem
criança, como eu, que tenho gêmeas de 8 anos, ter wifi é fundamental.
Depois que você tiver um carro com wifi, jamais vai querer um carro sem.
Esse novo sistema estará em todos os nossos modelos.
DINHEIRO – E o preço? Quanto o cliente da GM vai pagar a mais para ter o carro com wifi?
ZARLENGA – Não vou falar de preço agora. Mas posso garantir que as pessoas ficarão chocadas com o baixo custo desse produto.
DINHEIRO – A GM já tem previsão de quando ele chegará ao mercado?
ZARLENGA – Sim. Tem.