CEO da empresa, Marcus Coester, vê absurdo jurídico no rompimento unilateral do contrato pela atual gestão municipal
Por Eugênio Esber
eugenioesber@amanha.com.br
Implantado desde 1989 em
Jacarta, na Indonésia, e também em Porto Alegre, para conectar o trem
metropolitano ao Aeroporto Salgado Filho a partir de 2013, o Aeromóvel
sofreu uma freada súbita no projeto de implantação de uma linha de 18
quilômetros no município de Canoas, cidade vizinha à capital gaúcha. A
gestão comandada pelo prefeito Luiz Carlos Busato, eleito em 2016,
levantou questionamentos ao projeto implantado durante o mandato do seu
antecessor e, por fim, tomou a decisão de pedir a anulação do contrato.
Trava-se uma batalha jurídica, porque a Aeromóvel Brasil já havia
ingressado na Justiça para garantir a execução do contrato que mobilizou
a empresa e seus fornecedores, como Marcopolo e Randon, para a
implantação do sistema de transporte movido a ar. “Nunca, em 60 anos,
nossa empresa havia ingressado na Justiça contra um cliente, o que dá
uma medida do nosso desconforto com a situação criada”, diz o CEO,
Marcus Coester, filho de Oskar Coester, o homem que inventou e patenteou
mundialmente a tecnologia do Aeromóvel. Marcus conversou com AMANHÃ
sobre o impasse em Canoas na sexta-feira (2).
Como foi gerado o projeto do Aeromóvel em Canoas?
Este é um projeto muito bem estruturado. Ele nasceu de estudos que foram realizados inicialmente pela própria Trensurb (metrô de superfície que atende cidades da região metropolitana de Porto Alegre).
A Trensurb já vinha com uma ideia de acrescentar alimentadores,
conectores, à sua rede, tal como seria feito, depois, no aeroporto, com o
Aeromóvel Salgado Filho. Então existe uma estratégia aí, como em toda
empresa de metrô, de trazer passageiros para o seu sistema. Foi essa a
primeira movimentação que houve em torno desse projeto do Aeromóvel em
Canoas.
A iniciativa partiu de quem? Da Prefeitura de Canoas?
Partiu
da Trensurb, não da Prefeitura. Posteriormente, o doutor Fernando Mac
Dowell (falecido em 2018, quando era vice-prefeito do Rio de Janeiro),
grande autoridade na área de transporte, fez um estudo usando
metodologias de transporte e este trabalho que ele fez apontou algumas
diretrizes para Canoas. Mais adiante, então, a Prefeitura de Canoas
tomou a dianteira do processo e entrou num edital do Ministério das
Cidades, no início da década. Várias prefeituras submeteram projetos
para mobilidade que era voltado para médias cidades, e duas cidades
foram contempladas – Canoas e Campos, no Rio de Janeiro. Campos depois
congelou o projeto porque lá o transporte é subvencionado e houve uma
grande crise por causa dos royalties do petróleo. Mas Canoas, que foi
contemplada no mesmo edital do Ministério das Cidades, seguiu com o
projeto do Aeromóvel.
Em que estágio estava a implantação do Aeromóvel quando a Prefeitura de Canoas decidiu embargar o projeto?
O
contrato estava em andamento com 40% de execução realizada, paga,
recebida, com material e projetos entregues, quando houve então, a
partir de 2017, essa troca de governo que levou à paralisação. O
primeiro ano foi de conversas. Reexaminaram o contrato, reestudaram...
Em outubro de 2017, o próprio secretário de Mobilidade de Canoas
manifestou formalmente que o contrato com a Aeromóvel Brasil estava
totalmente adimplente nos prazos e nas entregas. Por alguma razão, esse
secretário foi depois demitido – ele e praticamente todo o seu gabinete.
E mais tarde então veio a paralisação e, agora, essa jabuticaba
jurídica que é a anulação do contrato.
O que está incluído nestes 40% que já estavam executados?
São
três contratos. O primeiro, bem pequeno, é de um estudo preliminar,
totalmente concluído, entregue, quitado. Um segundo contrato, também com
recursos do Ministério da Cidade, visou a um aprofundamento maior do
projeto, envolvendo complexidades técnicas, e está praticamente
concluído. E o terceiro contrato, que é o mais importante, por envolver a
execução da obra em si, é que está com 40% realizado. Esses 40%
correspondem a um valor de cerca de R$ 60 milhões e se referem a uma
primeira linha de quatro quilômetros que é obra pública, de
responsabilidade do município de Canoas, e para a qual existe um
financiamento da Caixa Econômica Federal. É a linha do sistema
Guajuviras (bairro de Canoas). A
implantação dessa obra pública de quatro quilômetros de linha é a
contraprestação do município de Canoas para o sistema de transporte em
trilhos da cidade, que ao todo perfaz 18 quilômetros.
E o restante? Como é a divisão de responsabilidades entre investimento público e privado?
O
projeto todo tem em perspectiva a implantação de 18 quilômetros de
linha do Aeromóvel. Sobre a divisão de responsabilidades, a Prefeitura
de Canoas construiu a seguinte estratégia: primeiro, o município
constrói uma primeira linha de quatro quilômetros com dinheiro público (mediante financiamento liberado pela Caixa)
e depois transfere a operação do sistema para um operador privado, via
Parceria Público-Privada, e esse operador tem a obrigação de construir o
que falta para o total de 18 quilômetros de linhas do Aeromóvel,
podendo explorar o serviço por 30 anos e com um modelo de tarifa que
deve ser compatível com o do atual sistema de transporte coletivo na
cidade. Estes quatro quilômetros iniciais, da linha Guajuviras-Trensurb,
são obra pública de responsabilidade do município e para sua
implantação já há um financiamento aprovado pela Caixa no valor de R$
257 milhões. Todo o restante do empreendimento, para chegar aos 18
quilômetros de linha, demandará um investimento adicional de cerca de R$
1 bilhão que será dinheiro do operador privado, via contrato de PPP.
Este financiamento da Caixa para a Prefeitura de Canoas, no valor de R$ 257 milhões, envolve quais serviços?
Com este financiamento da Caixa à Prefeitura é preciso fazer a compra dos equipamentos (que é o contrato com o Aeromóvel),
as adequações nas ruas, principalmente a parte elétrica e de subsolo,
de água, obras civis. Tudo isso – incluindo a construção da linha
inicial de quatro quilômetros, a construção das estações e compra de
equipamentos – entra nesse financiamento de R$ 257 milhões.
Você
mencionou que, no momento da paralisação do projeto, a execução desta
primeira linha de quatro quilômetros, que é uma obra pública de
responsabilidade da Prefeitura, havia avançado até o estágio de 40%,
envolvendo investimentos públicos de R$ 60 milhões. Houve investimentos
privados também?
O valor investido até agora é maior que estes
R$ 60 milhões. Porque tanto a Aeromóvel Brasil quanto os seus parceiros
desenvolveram um projeto e um sistema produtivo, e produtos específicos
para o fornecimento de uma linha de quatro quilômetros – que foi agora
interrompida. Trilhos, por exemplo, foram especificados e encomendados
da Arcelor, na Espanha. Houve todo um processo de importação,
desembaraço, entrega, medição, tudo concluído, quitado, e hoje
depositado no pátio da Ulbra aguardando a obra. E há os veículos, e aí
estamos falando de itens bem mais complexos. A parte de sistema de
controle, de veículos, envolve um projeto grande que está por trás. A
lógica do projeto Aeromóvel Canoas envolve esta primeira etapa de seis
veículos, para quatro quilômetros de linha, e depois mais 20 veículos
para completar o sistema de 18 quilômetros de linhas. Ok, esse sistema
de 18 quilômetros ainda não está contratado, é uma expectativa. Mas no
âmbito do contrato já existente, para a linha de quatro quilômetros, a
Aeromóvel celebrou contratos com os subfornecedores estratégicos na
ótica de entregar determina quantidade de itens, o que também apresenta
um custo de desenvolvimento. Só com a Marcopolo, por exemplo, o
investimento feito foi de mais de R$ 15 milhões para desenvolver o
produto. Porque foi um produto novo, específico. Isso não está na cifra
de R$ 60 milhões. Aqui estou falando de investimentos que as empresas
fizeram.
Que empresas?
Aí
entram a Marcopolo, a Randon, nós da Aeromóvel e nossos parceiros da
cadeia produtiva. A própria Siemens, também. Todo mundo trabalhando com o
contrato que foi firmado com a Prefeitura de Canoas. E a respeito
desses contratos, é preciso dizer que num produto, num equipamento
feito sob encomenda, você sempre tem uma despesa maior no início pra
fazer a concepção, testes e experimentos... Por exemplo, esse veículo da
Marcopolo passou por todo um processo de projeto, homologação, de teste
de materiais que... isso vai fora se o projeto é interrompido. Isso é
um investimento, e isso não está ali dentro do produto que está
entregue. Por exemplo, todas as peças de fibra de vidro. Elas foram
fabricadas em fibra, ensaiadas, testadas no local para depois ser
fabricadas no material correto, que é um material mais caro, à prova de
chama, etc. Então, até se chegar ao produto, é um processo muito
complexo. Então, é um investimento que é absorvido no contexto de um
fornecimento completo. Agora, como esse fornecimento foi interrompido...
Nesse caso, a Marcopolo entregou um veículo, e seriam seis – então os
outros cinco ficam no prejuízo.
Como os parceiros receberam esta decisão da Prefeitura? O que eles manifestaram? Qual foi o sentimento deles?
Ah...
é sempre uma conversa muito difícil, muito desagradável... Existe uma
ruptura num processo de fornecimento e também num processo econômico e
de resultados que estas empresas projetaram. Então isso eu não sei como
vai ser resolvido. Essa atitude intempestiva da Prefeitura certamente
gera um grande imbroglio, e um prejuízo enorme para a Aeromóvel e para
os seus fornecedores.
Pelo que
ocorre em Canoas, tem-se a impressão de que há um duelo entre uma
concepção rodoviarista de transporte de massa, com todas as mazelas
conhecidas, e um conceito de transporte mais inteligente e sustentável,
mas com menor capacidade. Temos aí um enfrentamento do ônibus contra o
Aeromóvel? Ou são sistemas conexos e complementares? Onde entra um, onde
entra outro?
Eles são completamente complementares. Primeiro
porque o operador privado está presente. A discussão é: qual é a
tecnologia que ele vai usar. Um bom exemplo que está aí é a Carris. A
Carris foi fundada como uma empresa de bondes e hoje ela opera ônibus.
Ela mudou de tecnologia. Eventualmente ela vai mudar de novo. E o nó que
está aqui não é mais este debate entre pneu e trilho. Porque o sistema
de ônibus está passando por uma grande crise conceitual e econômica. O
modelo sofre um esgotamento por não conseguir trazer um sistema de
qualidade superior ao usuário. O usuário hoje tem outras opções, como a
compra de motocicletas, como os aplicativos de transporte, como o uso de
micromobilidade (bicicleta e outros modais).
O fluxo de passageiros que utilizam o serviço de ônibus está caindo em todo lugar, não?
Está
caindo. Na região metropolitana de Porto Alegre nós temos números muito
preocupantes para o sistema ônibus porque em três ou quatro anos houve
uma redução de 25% no número de passageiros. Quer dizer, não tem plano
de negócio para isso. E é muito difícil de atender o que é uma demanda
totalmente necessária hoje que é a qualidade do transporte público.
Porque sem qualidade o transporte público vai continuar perdendo
passageiros para o transporte privado, para os aplicativos, e para as
motocicletas. Se o sistema não tiver regularidade, não tiver conforto,
não tiver previsibilidade no fluxo de seus veículos, o privado vai
continuar tirando público deste sistema. Inclusive hoje com estes
sistemas compartilhados dos aplicativos, em que duas ou três pessoas
pegam o mesmo carro, isso faz com que o custo deste transporte fique até
mais barato que o ônibus para trechos curtos, de até cinco
quilômetros.
O Aeromóvel e o ônibus têm complementaridade, é isso?
Sim,
são complementares. E tem uma correção na tua pergunta, que é o
seguinte: o Aeromóvel é um sistema de maior capacidade que o do ônibus,
neste caso de Canoas.
Mas o prefeito de Canoas afirma que o Aeromóvel não se presta para Canoas porque não é um sistema de transporte de massa.
O
projeto do transporte do Aeromóvel Canoas é, sim, um transporte de
massa, e o Aeromóvel entra numa categoria de média capacidade. O que é
média capacidade? São sistemas que conseguem transportar em torno de 12
mil pessoas por hora em cada direção. O Aeromóvel faz isso com muita
tranquilidade. Isso está demonstrado, isso foi provado na Indonésia,
isso foi testado, foi demonstrado. O Aeromóvel, inclusive, consegue
chegar a 24 mil passageiros por hora. Quem está nesta categoria de 10
mil a 20 mil passageiros por hora em cada sentido são os sistemas de
média capacidade, onde estão o BRT, o Aeromóvel, o VLT e onde estão por
exemplos alternativas elevadas como o monotrilho. Esses transportes
estão na categoria média. Não são metrôs. São sistemas médios. O ônibus,
que é o que Canoas tem hoje, não está aí. O ônibus é um sistema de
baixa capacidade. O ônibus convencional, de rua, não chega de jeito
nenhum a 10 mil passageiros/hora/sentido. São dados registrados em ampla
literatura. Casos práticos. Qualquer conta de bar que a gente faz na
perna demonstra isso: é o número de assentos disponíveis por hora, ou
seja, quantos ônibus, quantos assentos eu consigo deslocar numa direção
por hora. Pra chegar a 10 mil passageiros hora por sentido, o ônibus só
consegue fazer isso dentro de um corredor. Ele não consegue fazer isso
na rua. Porque na rua ele está dependendo do semáforo, do trânsito, dos
pedestres, e por isso ele não consegue chegar de maneira alguma nessa
frequência. O corredor mais carregado de Porto Alegre é o da Assis
Brasil, que tem 18 mil passageiros/hora/sentido. E aqui nós estamos
falando, nesta fase inicial do Aeromóvel Canoas, de quase 7 mil
passageiros/hora/sentido, mas a tecnologia Aeromóvel chega aos 24 mil
passageiros/hora/sentido, ou seja, chega ao que hoje o BRT carrega na
Assis Brasil.
Em nota, a
Aeromóvel Brasil informou que estão em marcha estudos e avaliações para
implantar comercialmente o Aeromóvel em cidades como São Paulo,
Medellin, San Diego, Nova York, Johanesburgo, Auckland, Bankgok e Xian,
na China. Qual é a perspectiva que você está vendo para o Aeromóvel?
Hoje,
o grande movimento que existe no desenvolvimento urbano é esta linha,
esta meta, da cidade inteligente. O que é isso? Isso é muito mais do que
semáforos e lâmpadas e wi-fi na cidade, que é um pouquinho de
tecnologia que vai para o cidadão. Mas a cidade inteligente vai muito
além disso. O conceito está muito ligado à qualidade de vida. No final
das contas as pessoas é que têm de estar no centro disso. Cidades que
são próprias aos pedestres, eis um grande parâmetro de uma cidade
inteligente. Cidades que têm sistemas alternativos do deslocamento
verde, que é o pedestre, a bicicleta, e agora estas novas soluções de
micromobilidade elétrica, como os patinetes e as bicicletas elétricas.
Esses são parâmetros importantes para definir as cidades que estão à
frente neste modelo de cidades inteligentes. Porque a cidade inteligente
ela é para indivíduo. Então não é a cidade que é inteligente, as
pessoas é que estão no centro disso. Inclusive o BID tem uma definição
muito interessante que é dizer que quando se coloca a pessoa no centro
disso, isso tudo faz sentido. É colocar a pessoa no centro de tudo, e
não o carro, ou o prédio, ou a estrutura. E a mobilidade é um item
central, com todas as consequências que ela tem. Um item fundamental
numa cidade inteligente, por exemplo, é a qualidade do ar. Porque as
pessoas não querem mais morar e criar seus filhos em cidades que tem
alta emissão de gases dos motores de combustão. Essas cidades
inteligentes precisam ter ar limpo. Outra questão chave para a
mobilidade é o tempo, o tempo que as pessoas perdem no trânsito é
fundamental para a qualidade de vida. Tu não podes dizer que uma pessoa
que passa horas dentro de um ônibus tem qualidade de vida, porque não
tem. Principalmente se este ônibus não tem conforto. E se este sistema
consome boa parte do orçamento de uma família de baixa renda.
Como
o projeto Aeromóvel Canoas se compara com sistemas em avaliação para
estas outras cidades mencionadas? Há alguma complexidade técnica mais
difícil de solucionar em Canoas?
Não, não, de maneira nenhuma.
Pelo contrário, o sistema de Canoas é um dos mais simples de uma série
de sistemas que nós temos em projeto, em avaliação e, em certos casos,
até em editais, isto é, já em licitações. Existem sistemas de geometrias
e de capacidades muito mais complexos que o de Canoas. Em geral, para
qualquer cidade, a grande dificuldade é inserir um sistema de transporte
em trilhos e eletrificado em uma malha urbana existente. Canoas tem,
neste aspecto, um aspecto particular, que são as travessias da BR-116 e
do Trensurb. Esses foram elementos que também levaram Canoas a buscar
uma solução em via elevada. E o município nos procurou porque precisava
de uma tecnologia elevada para não criar outras barreiras físicas dentro
da cidade e conturbar mais ainda o que já não funciona direito hoje. E o
Aeromóvel, hoje, sintoniza de forma muito coerente com as grandes
necessidades e diretrizes das cidades, a aderência é imediata. Hoje nós
temos mais de 140 processos e estudos com cidades de 15 países – algumas
no Brasil, algumas na Colômbia, outros países da América Latina. Temos
uma série de estudos também nos Estados Unidos. E na África, não só em
Johanesburgo, na África do Sul, mas na África em geral. No continente
africado há uma carência muito maior que a do Brasil e da América Latina
em infraestrutura de transporte, porque a realidade lá é muito mais
caótica. E mais uma vez o Aeromóvel entra bem. Ele responde bem.
O que há de particular nas cidades africanas?
São
sistemas muito grandes. O desafio na África é grande, porque eles nem
passaram pelo BRT, pelo metrô. Eles estão em um sistema caótico de
transporte e veem no Aeromóvel uma boa solução. Para se ter uma ideia,
existem até estudos para se usar uma estrutura elevada do Aeromóvel para
inclusive fazer coleta de lixo, porque isso também não funciona nas
cidades. O sistema é tão trancado que eles não conseguem coletar o lixo.
Então eles querem usar, por exemplo, durante a madrugada, esse sistema
para fazer a coleta de lixo em algumas cidades africadas. São cidades
grandes, com 5 milhões a 10 milhões de habitantes, e sem nenhuma
estrutura de mobilidade. Então o que chama a atenção na África é a
extensão dos sistemas. Aqui no Brasil, na América Latina, a gente
normalmente trata de conectores pequenos, coisa de um ou dois
quilômetros de linha. Ou de sistemas médios, para médias cidades, na
faixa de 10 quilômetros a 20 quilômetros, como o caso de Canoas e de
outras cidades onde temos projetos parecidos, como na Bahia ou em
Medellín na Colômbia, para conectar com metrô. E na África não. Na
África são sistemas imensos, de 60 quilômetros, até 80 quilômetros...
Porque lá a rigor nada na verdade está funcionando direito em termos de
mobilidade.
Qual a dimensão do projeto Aeromóvel Canoas se computados os investimentos privados e a geração de empregos?
Aí
vem a maior frustração, talvez, dessa conversa toda aqui que é o
imbroglio político e jurídico, porque na verdade nós somos empresários e
empreendedores e o que a gente quer é que essa tecnologia, esse
produto, entre em operação e tenha uma utilidade prática para o cidadão.
E isso nos traz uma frustração imensa de estar aqui gastando energia
com coisas absolutamente improdutivas. A primeira linha, de quatro
quilômetros, já estaria em operação se houvesse uma evolução natural do
projeto – ou estaria muito próxima de entrar em operação. E, claro,
precisaria de uma ação proativa do administrador público. Veja, quando
existe vontade política e a gestão pública se esforça, está comprometida
e mobilizada para colocar um projeto de pé, ainda assim tem muita
dificuldade, ainda assim é muito difícil, é muito demorado, tem muitos
entraves, como é normal em obras públicas. Agora se não existe essa
vontade política fica quase impossível fazer. E se existe vontade
contrária, aí sim é impossível, não vai acontecer. Mas assim... essa
primeira linha de quatro quilômetros Guajuviras-Trensurb já poderia
estar em operação, dependendo, claro, desses pequenos licenciamentos.
Depois existe uma projeção de uma PPP que está modelada. Esse modelo de
PPP está na mesa do prefeito desde o primeiro dia da gestão. Só não foi a
mercado. E aí vem uma outra frustração.
Qual frustração?
É
que se começa um debate estéril de "ah, mas aos olhos do investidor o
modelo de PPP é atrativo ou não é atrativo?" Ora, quando se trata de
investimentos privados, de uma concessão ou de uma PPP, quem vai
determinar se é viável ou não, atrativo ou não, é o player privado, é o
dono do dinheiro. É a mesma discussão que houve aqui no Salgado Filho.
Diziam alguns "Olha, não é o momento, a aviação está em baixa,
não-sei-o-quê". Bem, apareceu aqui uma empresa alemã que está investindo
R$ 2 bilhões na remodelagem do Aeroporto Salgado Filho e que, além
disso, pagou R$ 300 milhões de outorga, com ágio! Então a única forma de
verificar isso, a atratividade da PPP, é levar a mercado a partir da
conclusão desta primeira linha de 4,6 quilômetros de obra pública do
trecho Guajuviras-Trensurb. Depois, com a PPP em operação, seriam
construídas as linhas restantes para inteirar os 18 quilômetros. Não
seria uma obra demorada, embora sempre se deva considerar os entornos de
liberações e licenciamentos, sempre uma dificuldade quando se faz uma
obra dentro de uma cidade. Mas tudo poderia ser construído em três
anos, e teríamos um investimento de R$ 1,3 bilhão, dos quais cerca de R$
1 bilhão seria dinheiro privado. Seria a terceira maior obra de
infraestrutura do Estado, atrás apenas da remodelação do aeroporto e da
nova ponte do Guaíba. Nossos estudos sobre o efeito-renda mostraram que o
projeto de Canoas poderia levar à criação de cerca de 2.800 empregos
nas diferentes etapas do projeto e ao longo de toda a cadeia produtiva e
seus impactos.
Quais impactos?
Na
indústria metalomecânica de Caxias, na indústria eletrônica do Vale do
Sinos. Temos aqui no Rio Grande do Sul boa parte dos fabricantes, como
Randon e Marcopolo. Teríamos a formação de um cluster voltado para uma
tecnologia de transporte ambientalmente sustentável, sobre trilhos, que é
um case. As pessoas, hoje, vêm de várias partes do mundo a Porto Alegre
para conhecer a tecnologia do Aeromóvel. Nesta semana recebemos uma
delegação com dois vice-ministros do Paraguai. Na semana passada
recebemos pessoas da Nova Zelândia. Vieram aqui para ver o sistema do
aeroporto.
À luz dos entraves
verificados no projeto de Canoas, você acredita que o Brasil poderá
oferecer a segurança jurídica exigida pelos investidores em projetos de
PPPs, especialmente na área de infraestrutura, cujos investimentos são
maturados ao longo de décadas?
É terrível, é péssimo, até
porque aqui o que está sendo proposto pela Prefeitura de Canoas não só é
uma não-continuidade como é uma devolução de um projeto. É como se o
DNIT por alguma razão resolvesse devolver a Ponte do Guaíba para a
Queiroz Galvão, e pedisse os recursos de volta. Isso é uma coisa que não
tem pé nem cabeça. Se uma ação desta natureza tiver eco no Brasil, aí é
o fim do mundo, aí ninguém mais... Essa questão é relevante porque
existe, sim, uma insegurança jurídica no Brasil, principalmente em
relação a concessões. O VLT do Rio, por exemplo, está com um problemão
hoje, ligado à falta de contraprestação do município. O município não
está pagando ... e isso é péssimo. De alguma forma eles vão resolver
isso, mas como atrair outros investidores, que é o que mais nós
precisamos hoje, para outros investimentos privados? Esta situação é
muito ruim, porque existem outros países, sudeste asiático, América
Central, que tem modelagens melhores. O próprio Paraguai, hoje, é um
país muito atraente para investimentos privados. Mas o que nos compensa,
o que nos mantém de certa forma respirando, é o tamanho da economia
brasileira. Evidente que se a gente conseguir arrumar isso e colocar o
Brasil efetivamente numa economia de mercado, e resolver nossos gargalos
de infraestrutura com investimento privado, que é o único caminho que
tem hoje, será uma grande saída. Mas a sinalização é muito ruim.
Esta
é a primeira ação da empresa Coester contra um cliente – no caso, a
Prefeitura de Canoas – em 60 anos. Não deixa de surpreender, tendo em
vista que a sede da empresa está no Rio Grande do Sul, um dos Estados
que, proporcionalmente, mais recorrem a ações judiciais.
Isso é
muito desconfortável. Tanto que nós levamos isso ao último grau de
tempo possível. A negociação amistosa permanece viva. A empresa está
totalmente à disposição do município de Canoas para executar este
empreendimento ou para rescindi-lo de uma forma razoável, dentro de uma
forma razoável dentro de parâmetros contratuais civilizados. Isso nós já
dissemos.
Como está sendo a
reação dos parceiros, já que há empresas grandes, como Marcopolo e
Randon, associadas ao projeto do Aeromóvel em Canoas?
Há
impacto também para nossos parceiros, claro. O que nos permite continuar
tendo uma relação com eles é que as perspectivas que se tem não são
apenas deste projeto em Canoas. São dezenas de outros projetos. É por
isso que esses parceiros nos compreendem e nos dão, de uma certa forma,
um apoio em relação a isso. Porque eles poderiam... A gente poderia
estar sofrendo execuções aí... pesadíssimas, não é? Por interrupção
destes contratos.
Como se deu a intervenção da Metroplan (fundação metropolitana de planejamento, ligada ao governo gaúcho)
na decisão da Prefeitura de sustar a implantação do Aeromóvel Canoas?
Que papel teve a Metroplan no início do projeto e, depois, no embargo?
Nós
somos o fornecedor desse sistema de transporte. Então mesmo que
houvesse uma não-conformidade que concorresse para uma liberação ou não
da Metroplan, nós, como fornecedor, não temos nada com isso. Isso é uma
questão dos processos de liberação da Prefeitura em si. Quem fez a
aprovação do projeto no DNIT, por exemplo, porque tem ali uma travessia
da BR-116, foi a Prefeitura. Quem fez a liberação com a Transpetro, por
causa dos oleodutos, foi a Prefeitura. Tudo isso faz parte da
responsabilidade do município. O mesmo princípio se aplica à consulta à
Metroplan. Quer dizer, cancelar o contrato com o fornecedor porque a
Prefeitura porventura não fez um determinado rito.... isso não tem
lógica nenhuma. Isso é um outro absurdo desse processo. Agora, existe,
sim, a discussão sobre se a Metroplan tem ou não tem competência. A
Prefeitura, originalmente, quando começou este projeto, entendeu que não
havia necessidade de consulta, assim como também não houve quando foi
feito o Aeromóvel do aeroporto. A Metroplan também não foi consultada.
Não há nenhuma manifestação da Metroplan naquele projeto que é um
sistema que eminentemente liga o aeroporto a um sistema metropolitano,
que é o Trensurb. Quer dizer, ali o Aeromóvel está, direto, ligado a um
sistema metropolitano. E em Canoas o sistema substitui em parte o
sistema concedido para ônibus que, constitucionalmente, é
responsabilidade do município. Então, olhando em um primeiro momento,
não existe, dentro do transporte intramunicipal, responsabilidade da
Metroplan. Apenas quando esse sistema sai dos limites da cidade. E isso
não acontece porque o projeto do Aeromóvel é todo dentro da cidade. Ele
conecta com o Trensurb, assim como o Trensurb conecta com o aeroporto,
assim como o Trensurb conecta com a Rodoviária de Porto Alegre. Então,
na verdade, o transporte todo é conectado.
Quais as objeções técnicas da Metroplan?
Existe
uma manifestação da Metroplan de um nível político-administrativo, mas
que não tem embasamento técnico. Nós analisamos a documentação da
Metroplan e existe apenas uma reunião de um grupo de trabalho que, na
realidade, levanta uma série de dúvidas sobre o projeto, mas que não
aponta nenhuma conclusão – especialmente de ordem técnica, não há
nenhuma RT, nenhuma assinatura do CREA assinalando a necessidade disso
ou daquilo. Uma dúvida levantada, por exemplo, "Olha, é necessário ter a
aprovação do DNIT..." Mas essa aprovação existia! Nós mostramos: "Olha,
isso aí foi feito, a Prefeitura fez". Nós tínhamos os documentos e
apresentamos à Metroplan. Então houve uma manifestação também num nível
político do presidente da Metroplan. A Metroiplan se desculpou
depois.... Ela reparou isso numa carta à Aeromóvel Brasil. O que houve
nesse episódio foi uma manifestação aleatória da Metroplan, e era o que a
Prefeitura queria para se prender a esse episódio Metroplan para ver
alguma ilegalidade no projeto – o que é um absurdo. Até porque, volto a
dizer, não é da responsabilidade do fornecedor essa interface com a
Metroplan... Claro que nós estudamos o assunto porque é do nosso
interesse como fornecedor, mas no final das contas isso aí é um tema que
precisa ser resolvido entre o município e a autoridade metropolitana, e
nada tem a ver com o fornecedor.
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