quinta-feira, 8 de agosto de 2019

O que está freando o projeto do Aeromóvel em Canoas

CEO da empresa, Marcus Coester, vê absurdo jurídico no rompimento unilateral do contrato pela atual gestão municipal

 

Por Eugênio Esber

 

eugenioesber@amanha.com.br
CEO da empresa, Marcus Coester, vê absurdo jurídico no rompimento unilateral do contrato pela atual gestão municipal



Implantado desde 1989 em Jacarta, na Indonésia, e também em Porto Alegre, para conectar o trem metropolitano ao Aeroporto Salgado Filho a partir de 2013, o Aeromóvel sofreu uma freada súbita no projeto de implantação de uma linha de 18 quilômetros no município de Canoas, cidade vizinha à capital gaúcha. A gestão comandada pelo prefeito Luiz Carlos Busato, eleito em 2016, levantou questionamentos ao projeto implantado durante o mandato do seu antecessor e, por fim, tomou a decisão de pedir a anulação do contrato. Trava-se uma batalha jurídica, porque a Aeromóvel Brasil já havia ingressado na Justiça para garantir a execução do contrato que mobilizou a empresa e seus fornecedores, como Marcopolo e Randon, para a implantação do sistema de transporte movido a ar. “Nunca, em 60 anos, nossa empresa havia ingressado na Justiça contra um cliente, o que dá uma medida do nosso desconforto com a situação criada”, diz o CEO, Marcus Coester, filho de Oskar Coester, o homem que inventou e patenteou mundialmente a tecnologia do Aeromóvel. Marcus conversou com AMANHÃ sobre o impasse em Canoas na sexta-feira (2). 

Como foi gerado o projeto do Aeromóvel em Canoas?
Este é um projeto muito bem estruturado. Ele nasceu de estudos que foram realizados inicialmente pela própria Trensurb (metrô de superfície que atende cidades da região metropolitana de Porto Alegre). A Trensurb já vinha com uma ideia de acrescentar alimentadores, conectores, à sua rede, tal como seria feito, depois, no aeroporto, com o Aeromóvel Salgado Filho. Então existe uma estratégia aí, como em toda empresa de metrô, de trazer passageiros para o seu sistema. Foi essa a primeira movimentação que houve em torno desse projeto do Aeromóvel em Canoas.

A iniciativa partiu de quem? Da Prefeitura de Canoas?
Partiu da Trensurb, não da Prefeitura. Posteriormente, o doutor Fernando Mac Dowell (falecido em 2018, quando era vice-prefeito do Rio de Janeiro), grande autoridade na área de transporte, fez um estudo usando metodologias de transporte e este trabalho que ele fez apontou algumas diretrizes para Canoas. Mais adiante, então, a Prefeitura de Canoas tomou a dianteira do processo e entrou num edital do Ministério das Cidades, no início da década. Várias prefeituras submeteram projetos para mobilidade que era voltado para médias cidades, e duas cidades foram contempladas – Canoas e Campos, no Rio de Janeiro. Campos depois congelou o projeto porque lá o transporte é subvencionado e houve uma grande crise por causa dos royalties do petróleo. Mas Canoas, que foi contemplada no mesmo edital do Ministério das Cidades, seguiu com o projeto do Aeromóvel. 

Em que estágio estava a implantação do Aeromóvel quando a Prefeitura de Canoas decidiu embargar o projeto?
O contrato estava em andamento com 40% de execução realizada, paga, recebida, com material e projetos entregues, quando houve então, a partir de 2017, essa troca de governo que levou à paralisação. O primeiro ano foi de conversas. Reexaminaram o contrato, reestudaram... Em outubro de 2017, o próprio secretário de Mobilidade de Canoas manifestou formalmente que o contrato com a Aeromóvel Brasil estava totalmente adimplente nos prazos e nas entregas. Por alguma razão, esse secretário foi depois demitido – ele e praticamente todo o seu gabinete. E mais tarde então veio a paralisação e, agora, essa jabuticaba jurídica que é a anulação do contrato. 

O que está  incluído nestes 40% que já estavam executados?
São três contratos. O primeiro, bem pequeno, é de um estudo preliminar, totalmente concluído, entregue, quitado. Um segundo contrato, também com recursos do Ministério da Cidade, visou a um aprofundamento maior do projeto, envolvendo complexidades técnicas, e está praticamente concluído. E o terceiro contrato, que é o mais importante, por envolver a execução da obra em si, é que está com 40% realizado. Esses 40% correspondem a um valor de cerca de R$ 60 milhões e se referem a uma primeira linha de quatro quilômetros que é obra pública, de responsabilidade do município de Canoas, e para a qual existe um financiamento da Caixa Econômica Federal. É a linha do sistema Guajuviras (bairro de Canoas). A implantação dessa obra pública de quatro quilômetros de linha é a contraprestação do município de Canoas para o sistema de transporte em trilhos da cidade, que ao todo perfaz 18 quilômetros.

E o restante? Como é a divisão de responsabilidades entre investimento público e privado?
O projeto todo tem em perspectiva a implantação de 18 quilômetros de linha do Aeromóvel. Sobre a divisão de responsabilidades, a Prefeitura de Canoas construiu a seguinte estratégia: primeiro, o município constrói uma primeira linha de quatro quilômetros com dinheiro público (mediante financiamento liberado pela Caixa) e depois transfere a operação do sistema para um operador privado, via Parceria Público-Privada, e esse operador tem a obrigação de construir o que falta para o total de 18 quilômetros de linhas do Aeromóvel, podendo explorar o serviço por 30 anos e com um modelo de tarifa que deve ser compatível com o do atual sistema de transporte coletivo na cidade. Estes quatro quilômetros iniciais, da linha Guajuviras-Trensurb, são obra pública de responsabilidade do município e para sua implantação já há um financiamento aprovado pela Caixa no valor de R$ 257 milhões. Todo o restante do empreendimento, para chegar aos 18 quilômetros de linha, demandará um investimento adicional de cerca de R$ 1 bilhão que será dinheiro do operador privado, via contrato de PPP. 

Este financiamento da Caixa para a Prefeitura de Canoas, no valor de R$ 257 milhões, envolve quais serviços?
Com este financiamento da Caixa à Prefeitura é preciso fazer a compra dos equipamentos (que é o contrato com o Aeromóvel), as adequações nas ruas, principalmente a parte elétrica e de subsolo, de água, obras civis. Tudo isso – incluindo a construção da linha inicial de quatro quilômetros, a construção das estações e  compra de equipamentos – entra nesse financiamento de R$ 257 milhões. 

Você mencionou que, no momento da paralisação do projeto, a execução desta primeira linha de quatro quilômetros, que é uma obra pública de responsabilidade da Prefeitura, havia avançado até o estágio de 40%, envolvendo investimentos públicos de R$ 60 milhões. Houve investimentos privados também?
O valor investido até agora é maior que estes R$ 60 milhões. Porque tanto a Aeromóvel Brasil quanto os seus parceiros desenvolveram um projeto e um sistema produtivo, e produtos específicos para o fornecimento de uma linha de quatro quilômetros – que foi agora interrompida.  Trilhos, por exemplo, foram especificados e encomendados da Arcelor, na Espanha. Houve todo um processo de importação, desembaraço, entrega, medição, tudo concluído, quitado, e hoje depositado no pátio da Ulbra aguardando a obra. E há os veículos, e aí estamos falando de itens bem mais complexos. A parte de sistema de controle, de veículos, envolve um projeto grande que está por trás. A lógica do projeto Aeromóvel Canoas envolve esta primeira etapa de seis veículos, para quatro quilômetros de linha, e depois mais 20 veículos para completar o sistema de 18 quilômetros de linhas. Ok, esse sistema de 18 quilômetros ainda não está contratado, é uma expectativa. Mas no âmbito do contrato já existente, para a linha de quatro quilômetros, a Aeromóvel celebrou contratos com os subfornecedores estratégicos na ótica de entregar determina quantidade de itens, o que também apresenta um custo de desenvolvimento. Só com a Marcopolo, por exemplo,  o investimento feito foi de mais de R$ 15 milhões para desenvolver o produto. Porque foi um produto novo, específico. Isso não está na cifra de R$ 60 milhões. Aqui estou falando de investimentos que as empresas fizeram. 

Que empresas?
Aí entram a Marcopolo, a Randon, nós da Aeromóvel e nossos parceiros da cadeia produtiva. A própria Siemens, também. Todo mundo trabalhando com o contrato que foi firmado com a Prefeitura de Canoas. E a respeito desses contratos, é preciso dizer que num produto,  num equipamento feito sob encomenda, você sempre tem uma despesa maior no início pra fazer a concepção, testes e experimentos... Por exemplo, esse veículo da Marcopolo passou por todo um processo de projeto, homologação, de teste de materiais que... isso vai fora se o projeto é interrompido. Isso é um investimento, e isso não está ali dentro do produto que está entregue. Por exemplo, todas as peças de fibra de vidro. Elas foram fabricadas em fibra, ensaiadas, testadas no local para depois ser fabricadas no material correto, que é um material mais caro, à prova de chama, etc. Então, até se chegar ao produto, é um processo muito complexo. Então, é um investimento que é absorvido no contexto de um fornecimento completo. Agora, como esse fornecimento foi interrompido... Nesse caso, a Marcopolo entregou um veículo, e seriam seis – então os outros cinco ficam no prejuízo.

Como os parceiros receberam esta decisão da Prefeitura? O que eles manifestaram? Qual foi o sentimento deles?
Ah... é sempre uma conversa muito difícil, muito desagradável... Existe uma ruptura num processo de fornecimento e também num processo econômico e de resultados que estas empresas projetaram. Então isso eu não sei como vai ser resolvido. Essa atitude intempestiva da Prefeitura certamente gera um grande imbroglio, e um prejuízo enorme para a Aeromóvel e para os seus fornecedores. 

Pelo que ocorre em Canoas, tem-se a impressão de que há um duelo entre uma concepção rodoviarista de transporte de massa, com todas as mazelas conhecidas, e um conceito de transporte mais inteligente e sustentável, mas com menor capacidade. Temos aí um enfrentamento do ônibus contra o Aeromóvel? Ou são sistemas conexos e complementares? Onde entra um, onde entra outro?
Eles são completamente complementares. Primeiro porque o operador privado está presente. A discussão é: qual é a tecnologia que ele vai usar. Um bom exemplo que está aí é a Carris. A Carris foi fundada como uma empresa de bondes e hoje ela opera ônibus. Ela mudou de tecnologia. Eventualmente ela vai mudar de novo. E o nó que está aqui não é mais este debate entre pneu e trilho. Porque o sistema de ônibus está passando por uma grande crise conceitual e econômica. O modelo sofre um esgotamento por não conseguir trazer um sistema de qualidade superior ao usuário. O usuário hoje tem outras opções, como a compra de motocicletas, como os aplicativos de transporte, como o uso de micromobilidade (bicicleta e outros modais). 

O fluxo de passageiros que utilizam o serviço de ônibus está caindo em todo lugar, não?
Está caindo. Na região metropolitana de Porto Alegre nós temos números muito preocupantes para o sistema ônibus porque em três ou quatro anos houve uma redução de 25% no número de passageiros. Quer dizer, não tem plano de negócio para isso. E é muito difícil de atender o que é uma demanda totalmente necessária hoje que é a qualidade do transporte público. Porque sem qualidade o transporte público vai continuar perdendo passageiros para o transporte privado, para os aplicativos, e para as motocicletas. Se o sistema não tiver regularidade, não tiver conforto, não tiver previsibilidade no fluxo de seus veículos, o privado vai continuar tirando público deste sistema. Inclusive hoje com estes sistemas compartilhados dos aplicativos, em que duas ou três pessoas pegam o mesmo carro, isso faz com que o custo deste transporte fique até mais barato que o ônibus para trechos curtos, de até cinco quilômetros. 

O Aeromóvel e o ônibus têm complementaridade, é isso?
Sim, são complementares. E tem uma correção na tua pergunta, que é o seguinte: o Aeromóvel é um sistema de maior capacidade que o do ônibus, neste caso de Canoas.

Mas o prefeito de Canoas afirma que o Aeromóvel não se presta para Canoas porque não é um sistema de transporte de massa.
O projeto do transporte do Aeromóvel Canoas é, sim, um transporte de massa, e o Aeromóvel entra numa categoria de média capacidade. O que é média capacidade? São sistemas que conseguem transportar em torno de 12 mil pessoas por hora em cada direção. O Aeromóvel faz isso com muita tranquilidade. Isso está demonstrado, isso foi provado na Indonésia, isso foi testado, foi demonstrado. O Aeromóvel, inclusive, consegue chegar a 24 mil passageiros por hora. Quem está nesta categoria de 10 mil a 20 mil passageiros por hora em cada sentido são os sistemas de média capacidade, onde estão o BRT, o Aeromóvel, o VLT e onde estão por exemplos alternativas elevadas como o monotrilho. Esses transportes estão na categoria média. Não são metrôs. São sistemas médios. O ônibus, que é o que Canoas tem hoje, não está aí. O ônibus é um sistema de baixa capacidade. O ônibus convencional, de rua, não chega de jeito nenhum a 10 mil passageiros/hora/sentido. São dados registrados em ampla literatura. Casos práticos. Qualquer conta de bar que a gente faz na perna demonstra isso: é o número de assentos disponíveis por hora, ou seja, quantos ônibus, quantos assentos eu consigo deslocar numa direção por hora. Pra chegar a 10 mil passageiros hora por sentido, o ônibus só consegue fazer isso dentro de um corredor. Ele não consegue fazer isso na rua. Porque na rua ele está dependendo do semáforo, do trânsito, dos pedestres, e por isso ele não consegue chegar de maneira alguma nessa frequência. O corredor mais carregado de Porto Alegre é o da Assis Brasil, que tem 18 mil passageiros/hora/sentido. E aqui nós estamos falando, nesta fase inicial do Aeromóvel Canoas, de quase 7 mil passageiros/hora/sentido, mas a tecnologia Aeromóvel chega aos 24 mil passageiros/hora/sentido, ou seja, chega ao que hoje o BRT carrega na Assis Brasil. 

Em nota, a Aeromóvel Brasil informou que estão em marcha estudos e avaliações para implantar comercialmente o Aeromóvel em cidades como São Paulo, Medellin, San Diego, Nova York, Johanesburgo, Auckland, Bankgok e Xian, na China. Qual é a perspectiva que você está vendo para o Aeromóvel?
Hoje, o grande movimento que existe no desenvolvimento urbano é esta linha, esta meta, da cidade inteligente. O que é isso? Isso é muito mais do que semáforos e lâmpadas e wi-fi na cidade, que é um pouquinho de tecnologia que vai para o cidadão. Mas a cidade inteligente vai muito além disso. O conceito está muito ligado à qualidade de vida. No final das contas as pessoas é que têm de estar no centro disso. Cidades que são próprias aos pedestres, eis um grande parâmetro de uma cidade inteligente. Cidades que têm sistemas alternativos do deslocamento verde, que é o pedestre, a bicicleta, e agora estas novas soluções de micromobilidade elétrica, como os patinetes e as bicicletas elétricas. Esses são parâmetros importantes para definir as cidades que estão à frente neste modelo de cidades inteligentes. Porque a cidade inteligente ela é para indivíduo. Então não é a cidade que é inteligente, as pessoas é que estão no centro disso. Inclusive o BID tem uma definição muito interessante que é dizer que quando se coloca a pessoa no centro disso, isso tudo faz sentido. É colocar a pessoa no centro de tudo, e não o carro, ou o prédio, ou a estrutura. E a mobilidade é um item central, com todas as consequências que ela tem. Um item fundamental numa cidade inteligente, por exemplo, é a qualidade do ar. Porque as pessoas não querem mais morar e criar seus filhos em cidades que tem alta emissão de gases dos motores de combustão. Essas cidades inteligentes precisam ter ar limpo. Outra questão chave para a mobilidade é o tempo, o tempo que as pessoas perdem no trânsito é fundamental para a qualidade de vida. Tu não podes dizer que uma pessoa que passa horas dentro de um ônibus tem qualidade de vida, porque não tem. Principalmente se este ônibus não tem conforto. E se este sistema consome boa parte do orçamento de uma família de baixa renda. 

Como o projeto Aeromóvel Canoas se compara com sistemas em avaliação para estas outras cidades mencionadas? Há alguma complexidade técnica mais difícil de solucionar em Canoas?
Não, não, de maneira nenhuma. Pelo contrário, o sistema de Canoas é um dos mais simples de uma série de sistemas que nós temos em projeto, em avaliação e, em certos casos, até em editais, isto é, já em licitações. Existem sistemas de geometrias e de capacidades muito mais complexos que o de Canoas. Em geral, para qualquer cidade, a grande dificuldade é inserir um sistema de transporte em trilhos e eletrificado em uma malha urbana existente. Canoas tem, neste aspecto, um aspecto particular, que são as travessias da BR-116 e do Trensurb. Esses foram elementos que também levaram Canoas a buscar uma solução em via elevada. E o município nos procurou porque precisava de uma tecnologia elevada para não criar outras barreiras físicas dentro da cidade e conturbar mais ainda o que já não funciona direito hoje. E o Aeromóvel, hoje, sintoniza de forma muito coerente com as grandes necessidades e diretrizes das cidades, a aderência é imediata. Hoje nós temos mais de 140 processos e estudos com cidades de 15 países – algumas no Brasil, algumas na Colômbia, outros países da América Latina. Temos uma série de estudos também nos Estados Unidos. E na África, não só em Johanesburgo, na África do Sul, mas na África em geral. No continente africado há uma carência muito maior que a do Brasil e da América Latina em infraestrutura de transporte, porque a realidade lá é muito mais caótica. E mais uma vez o Aeromóvel entra bem. Ele responde bem.

O que há de particular nas cidades africanas?
São sistemas muito grandes. O desafio na África é grande, porque eles nem passaram pelo BRT, pelo metrô. Eles estão em um sistema caótico de transporte e veem no Aeromóvel uma boa solução. Para se ter uma ideia, existem até estudos para se usar uma estrutura elevada do Aeromóvel para inclusive fazer coleta de lixo, porque isso também não funciona nas cidades. O sistema é tão trancado que eles não conseguem coletar o lixo. Então eles querem usar, por exemplo, durante a madrugada, esse sistema para fazer a coleta de lixo em algumas cidades africadas. São cidades grandes, com 5 milhões a 10 milhões de habitantes, e sem nenhuma estrutura de mobilidade. Então o que chama a atenção na África é a extensão dos sistemas. Aqui no Brasil, na América Latina, a gente normalmente trata de conectores pequenos, coisa de um ou dois quilômetros de linha. Ou de sistemas médios, para médias cidades, na faixa de 10 quilômetros a 20 quilômetros, como o caso de Canoas e de outras cidades onde temos projetos parecidos, como na Bahia ou em Medellín na Colômbia, para conectar com metrô. E na África não. Na África são sistemas imensos, de 60 quilômetros, até 80 quilômetros... Porque lá a rigor nada na verdade está funcionando direito em termos de mobilidade.

Qual a dimensão do projeto Aeromóvel Canoas se computados os investimentos privados e a geração de empregos?
Aí vem a maior frustração, talvez, dessa conversa toda aqui que é o imbroglio político e jurídico, porque na verdade nós somos empresários e empreendedores e o que a gente quer é que essa tecnologia, esse produto, entre em operação e tenha uma utilidade prática para o cidadão. E isso nos traz uma frustração imensa de estar aqui gastando energia com coisas absolutamente improdutivas. A primeira linha, de quatro quilômetros, já estaria em operação se houvesse uma evolução natural do projeto – ou estaria muito próxima de entrar em operação. E, claro, precisaria de uma ação proativa do administrador público. Veja, quando existe vontade política e a gestão pública se esforça, está comprometida e mobilizada para colocar um projeto de pé, ainda assim tem muita dificuldade, ainda assim é muito difícil, é muito demorado, tem muitos entraves, como é normal em obras públicas. Agora se não existe essa vontade política fica quase impossível fazer. E se existe vontade contrária, aí sim é impossível, não vai acontecer. Mas assim... essa primeira linha de quatro quilômetros Guajuviras-Trensurb já poderia estar em operação, dependendo, claro, desses pequenos licenciamentos. Depois existe uma projeção de uma PPP que está modelada. Esse modelo de PPP está na mesa do prefeito desde o primeiro dia da gestão. Só não foi a mercado. E aí vem uma outra frustração.

Qual frustração?
É que se começa um debate estéril de "ah, mas aos olhos do investidor o modelo de PPP é atrativo ou não é atrativo?" Ora, quando se trata de investimentos privados, de uma concessão ou de uma PPP, quem vai determinar se é viável ou não, atrativo ou não, é o player privado, é o dono do dinheiro. É a mesma discussão que houve aqui no Salgado Filho. Diziam alguns "Olha, não é o momento, a aviação está em baixa, não-sei-o-quê". Bem, apareceu aqui uma empresa alemã que está investindo R$ 2 bilhões na remodelagem do Aeroporto Salgado Filho e que, além disso, pagou R$ 300 milhões de outorga, com ágio! Então a única forma de verificar isso, a atratividade da PPP, é levar a mercado a partir da conclusão desta primeira linha de 4,6 quilômetros de obra pública do trecho Guajuviras-Trensurb. Depois, com a PPP em operação, seriam construídas as linhas restantes para inteirar os 18 quilômetros. Não seria uma obra demorada, embora sempre se deva considerar os entornos de liberações e licenciamentos, sempre uma dificuldade quando se faz uma obra dentro de uma cidade.  Mas tudo poderia ser construído em três anos, e teríamos um investimento de R$ 1,3 bilhão, dos quais cerca de R$ 1 bilhão seria dinheiro privado. Seria a terceira maior obra de infraestrutura do Estado, atrás apenas da remodelação do aeroporto e da nova ponte do Guaíba. Nossos estudos sobre o efeito-renda mostraram que o projeto de Canoas poderia levar à criação de cerca de 2.800 empregos nas diferentes etapas do projeto e ao longo de toda a cadeia produtiva e seus impactos.

Quais impactos?
Na indústria metalomecânica de Caxias, na indústria eletrônica do Vale do Sinos. Temos aqui no Rio Grande do Sul boa parte dos fabricantes, como Randon e Marcopolo. Teríamos a formação de um cluster voltado para uma tecnologia de transporte ambientalmente sustentável, sobre trilhos, que é um case. As pessoas, hoje, vêm de várias partes do mundo a Porto Alegre para conhecer a tecnologia do Aeromóvel. Nesta semana recebemos uma delegação com dois vice-ministros do Paraguai. Na semana passada recebemos pessoas da Nova Zelândia. Vieram aqui para ver o sistema do aeroporto. 

À luz dos entraves verificados no projeto de Canoas, você acredita que o Brasil poderá oferecer a segurança jurídica exigida pelos investidores em projetos de PPPs, especialmente na área de infraestrutura, cujos investimentos são maturados ao longo de décadas?
É terrível, é péssimo, até porque aqui o que está sendo proposto pela Prefeitura de Canoas não só é uma não-continuidade como é uma devolução de um projeto. É como se o DNIT por alguma razão resolvesse devolver a Ponte do Guaíba para a Queiroz Galvão, e pedisse os recursos de volta. Isso é uma coisa que não tem pé nem cabeça. Se uma ação desta natureza tiver eco no Brasil, aí é o fim do mundo, aí ninguém mais... Essa questão é relevante porque existe, sim, uma insegurança jurídica no Brasil, principalmente em relação a concessões. O VLT do Rio, por exemplo, está com um problemão hoje, ligado à falta de contraprestação do município. O município não está pagando ... e isso é péssimo. De alguma forma eles vão resolver isso, mas como atrair outros investidores, que é o que mais nós precisamos hoje, para outros investimentos privados? Esta situação é muito ruim, porque existem outros países, sudeste asiático, América Central, que tem modelagens melhores. O próprio Paraguai, hoje, é um país muito atraente para investimentos privados. Mas o que nos compensa, o que nos mantém de certa forma respirando, é o tamanho da economia brasileira. Evidente que se a gente conseguir arrumar isso e colocar o Brasil efetivamente numa economia de mercado, e resolver nossos gargalos de infraestrutura com investimento privado, que é o único caminho que tem hoje, será uma grande saída. Mas a sinalização é muito ruim.

Esta é a primeira ação da empresa Coester contra um cliente – no caso, a Prefeitura de Canoas – em 60 anos. Não deixa de surpreender, tendo em vista que a sede da empresa está no Rio Grande do Sul, um dos Estados que, proporcionalmente, mais recorrem a ações judiciais.
Isso é muito desconfortável. Tanto que nós levamos isso ao último grau de tempo possível. A negociação amistosa permanece viva. A empresa está totalmente à disposição do município de Canoas para executar este empreendimento ou para rescindi-lo de uma forma razoável, dentro de uma forma razoável dentro de parâmetros contratuais civilizados. Isso nós já dissemos.

Como está sendo a reação dos parceiros, já que há empresas grandes, como Marcopolo e Randon, associadas ao projeto do Aeromóvel em Canoas?
Há impacto também para nossos parceiros, claro. O que nos permite continuar tendo uma relação com eles é que as perspectivas que se tem não são apenas deste projeto em Canoas. São dezenas de outros projetos. É por isso que esses parceiros nos compreendem e nos dão, de uma certa forma, um apoio em relação a isso. Porque eles poderiam... A gente poderia estar sofrendo execuções aí... pesadíssimas, não é? Por interrupção destes contratos. 

Como se deu a intervenção da Metroplan (fundação metropolitana de planejamento, ligada ao governo gaúcho) na decisão da Prefeitura de sustar a implantação do Aeromóvel Canoas? Que papel teve a Metroplan no início do projeto e, depois, no embargo?
Nós somos o fornecedor desse sistema de transporte. Então mesmo que houvesse uma não-conformidade que concorresse para uma liberação ou não da Metroplan, nós, como fornecedor, não temos nada com isso. Isso é uma questão dos processos de liberação da Prefeitura em si. Quem fez a aprovação do projeto no DNIT, por exemplo, porque tem ali uma travessia da BR-116, foi a Prefeitura. Quem fez a liberação com a Transpetro, por causa dos oleodutos, foi a Prefeitura. Tudo isso faz parte da responsabilidade do município. O mesmo princípio se aplica à consulta à Metroplan. Quer dizer, cancelar o contrato com o fornecedor porque a Prefeitura porventura não fez um determinado rito.... isso não tem lógica nenhuma. Isso é um outro absurdo desse processo. Agora, existe, sim, a discussão sobre se a Metroplan tem ou não tem competência. A Prefeitura, originalmente, quando começou este projeto, entendeu que não havia necessidade de consulta, assim como também não houve quando foi feito o Aeromóvel do aeroporto. A Metroplan também não foi consultada. Não há nenhuma manifestação da Metroplan naquele projeto que é um sistema que eminentemente liga o aeroporto a um sistema metropolitano, que é o Trensurb. Quer dizer, ali o Aeromóvel está, direto, ligado a um sistema metropolitano. E em Canoas o sistema substitui em parte o sistema concedido para ônibus que, constitucionalmente, é responsabilidade do município. Então, olhando em um primeiro momento, não existe, dentro do transporte intramunicipal, responsabilidade da Metroplan. Apenas quando esse sistema sai dos limites da cidade. E isso não acontece porque o projeto do Aeromóvel é todo dentro da cidade. Ele conecta com o Trensurb, assim como o Trensurb conecta com o aeroporto, assim como o Trensurb conecta com a Rodoviária de Porto Alegre. Então, na verdade, o transporte todo é conectado.

Quais as objeções técnicas da Metroplan?
Existe uma manifestação da Metroplan de um nível político-administrativo, mas que não tem embasamento técnico. Nós analisamos a documentação da Metroplan e existe apenas uma reunião de um grupo de trabalho que, na realidade, levanta uma série de dúvidas sobre o projeto, mas que não aponta nenhuma conclusão – especialmente de ordem técnica, não há nenhuma RT, nenhuma assinatura do CREA assinalando a necessidade disso ou daquilo. Uma dúvida levantada, por exemplo,  "Olha, é necessário ter a aprovação do DNIT..." Mas essa aprovação existia! Nós mostramos: "Olha, isso aí foi feito, a Prefeitura fez". Nós tínhamos os documentos e apresentamos à Metroplan. Então houve uma manifestação também num nível político do presidente da Metroplan. A Metroiplan se desculpou depois.... Ela reparou isso numa carta à Aeromóvel Brasil. O que houve nesse episódio foi uma manifestação aleatória da Metroplan, e era o que a Prefeitura queria para se prender a esse episódio Metroplan para ver alguma ilegalidade no projeto – o que é um absurdo. Até porque, volto a dizer, não é da responsabilidade do fornecedor essa interface com a Metroplan... Claro que nós estudamos o assunto porque é do nosso interesse como fornecedor, mas no final das contas isso aí é um tema que precisa ser resolvido entre o município e a autoridade metropolitana, e nada tem a ver com o fornecedor.
 
 
 http://www.amanha.com.br/posts/view/7926

Nenhum comentário:

Postar um comentário