Manifestantes protestam a favor da democracia na Avenida Paulista, em São Paulo (Crédito: REUTERS/Carla Carniel)
Por Anthony Boadle e Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) – Enquanto o presidente Jair Bolsonaro (PL)
prepara as bases para contestar uma possível derrota nas eleições de
outubro, os tribunais, a liderança do Congresso, os grupos empresariais e
a sociedade civil estão cerrando fileiras para reforçar a confiança na
integridade do voto.
Mesmo os líderes das Forças Armadas, agora mais envolvidos no governo
do que em qualquer outro momento desde a ditadura militar entre 1964 e
1985, oferecem garantias privadas a ex-colegas de que não querem
participar de uma ruptura da ordem democrática, de acordo com
ex-funcionários com laços estreitos com a liderança militar.
O resultado dessa equação é um incendiário populista de
extrema-direita que está atrás nas pesquisas de intenção de voto, com
pouca margem de manobra institucional para tirar o processo eleitoral
dos trilhos, mas com apoiadores radicais suficientes para encher as ruas
com manifestações furiosas se ele contestar o processo eleitoral como
muitos esperam.
“Existe uma certeza nessa eleição: o presidente Bolsonaro somente
aceitará um resultado, que é a vitória dele. Qualquer outro resultado
será objeto de contestação. Isso é uma certeza absoluta. A dúvida é
apenas quanta tensão o presidente Bolsonaro criará em torno dessa
questão e como ele fará essa contestação”, disse Camilo Onoda Caldas,
diretor do Instituto Luiz Gama e Pós-doutor pela Universidade de Coimbra
em Democracia e Direitos.
Quando pressionado em entrevistas, Bolsonaro diz que respeitará o
resultado da eleição desde que a votação seja “limpa e transparente”,
sem definir nenhum critério.
Muitos acreditam que isso deixa espaço para turbulências após a
votação. Autoridades eleitorais alertam para uma revolta inspirada na
invasão do Capitólio dos Estados Unidos, em Washington no ano passado,
se Bolsonaro perder para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
como apontam as pesquisas.
Há mais de um ano, Bolsonaro vem insistindo em sua teoria sem provas
de que as pesquisas estão mentindo, o sistema de votação eletrônica do
Brasil está aberto a fraudes e os ministros do Supremo Tribunal Federal,
que atuam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e supervisionam as
eleições, podem fraudar a votação a favor de Lula.
Mesmo um dos assessores de campanha de Bolsonaro, que pediu anonimato
para falar livremente, não pode descartar manifestações violentas
pós-eleitorais se o presidente contestar os resultados: “Bolsonaro é
absolutamente imprevisível. Pode haver problemas”.
Bolsonaro mostrou que pode mobilizar facilmente dezenas de milhares
de apoiadores, como fez nas manifestações do 7 de Setembro neste mês. Os
manifestantes citaram as grandes multidões como evidência de que as
pesquisas de opinião estão distorcidas e a fraude eleitoral é a única
esperança de Lula.
“Se Lula ganhar a certeza de uma fraude vai ser muito grande. Então a
população realmente vai ficar indignada, e uma população indignada fica
fora de controle. Só Deus sabe o que pode acontecer”, disse Winston
Lima, líder de atos bolsonaristas em Brasília e capitão da reserva da
Marinha.
Determinadas a evitar isso, as grandes instituições brasileiras passaram o ano passado tentando se antecipar a Bolsonaro.
O Congresso votou contra sua pressão pelo voto impresso. Autoridades
eleitorais criaram uma “comissão de transparência” com especialistas em
tecnologia, grupos cívicos e órgãos governamentais para revisar as
medidas de segurança e endossar as melhores práticas eleitorais. Um
número recorde de observadores estrangeiros está vindo ao país para
monitorar a eleição.
Líderes empresariais também redigiram declarações públicas
expressando sua confiança no sistema eleitoral. O ministro do STF Dias
Toffoli disse a jornalistas em São Paulo que o empresariado entendeu que
uma ruptura com a democracia seria “suicídio econômico”, dado o risco
de sanções da Europa e de outras potências ocidentais.
Aliados como os Estados Unidos também sinalizaram de forma pública e
privada o que esperam da segunda maior democracia do Hemisfério
Ocidental.
O diretor da Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA), Bill
Burns, disse no ano passado aos assessores de Bolsonaro que ele deve
parar de lançar dúvidas sobre o sistema de votação eletrônica do Brasil,
informou a Reuters em maio.
Especialistas em eleições internacionais elogiaram as urnas
eletrônicas do Brasil por acabar com a fraude generalizada na apuração
das cédulas de papel antes de 1996, sem nenhum caso de fraude detectado
desde então, apesar das acusações de Bolsonaro.
MANUAL DE TRUMP
A questão incomodou muitos em Washington que veem Bolsonaro seguindo
os passos do ex-presidente dos EUA Donald Trump, cujas alegações sem
fundamentos de fraude nas eleições norte-americanas de 2020 foram
ecoadas pelo líder brasileiro mesmo após a invasão do Capitólio.
Bolsonaro foi um dos últimos líderes mundiais a reconhecer a vitória
eleitoral do presidente norte-americano, Joe Biden. O presidente
brasileiro alertou que as consequências da eleição do Brasil este ano
podem ser piores do que as consequências da votação contestada nos EUA.
No entanto, enquanto Trump conseguiu desencadear uma série de ações
judiciais e pressão política sobre as autoridades responsáveis pela
contagem de votos, a votação no Brasil é administrada por tribunais
eleitorais federais cujos juízes não hesitarão em enfrentar Bolsonaro.
Em particular, os ataques de Bolsonaro ao TSE e ao presidente da
corte, o ministro do Supremo Tribunal Alexandre Moraes, parecem ter
apenas fortalecido a determinação do juiz e de seus colegas.
Mesmo que Moraes tenha agido de forma mais unilateral do que alguns
de seus antecessores, ele conta com amplo apoio entre os colegas juízes
do STF, segundo duas pessoas familiarizadas com a instituição.
Bolsonaro criticou Moraes por supervisionar um inquérito sobre seus
apoiadores, que supostamente espalharam difamação e desinformação
online. No ano passado, ele chamou Moraes de “bandido” e disse que
poderia se recusar a obedecer às decisões dele.
Nos corredores do poder em Brasília, o desconforto com as táticas
duras do juiz ficou em segundo plano, enquanto seus pares e a maioria
dos políticos apresentam uma frente unida em defesa dos tribunais e do
processo eleitoral.
Quando Moraes assumiu o comando do TSE no mês passado, seu discurso
de elogios ao sistema de votação eletrônica foi aplaudido de pé por uma
plateia que incluía quatro ex-presidentes, cerca de 20 atuais
governadores estaduais e uma série de líderes partidários. Bolsonaro não
aplaudiu.
MILITAR EM DESTAQUE
Mesmo os oficiais do Exército encarregados por Bolsonaro de
investigar as supostas vulnerabilidades do sistema eleitoral brasileiro
ficaram satisfeitos com a abertura de Moraes aos seus pedidos desde que
assumiu o TSE, segundo uma autoridade militar de alto escalão, que se
recusou a ser identificado por motivos de protocolo militar.
Convidados pelo TSE para integrar sua comissão de transparência, as
Forças Armadas brasileiras têm desempenhado um papel inédito na
investigação da segurança do sistema eleitoral do país.
Os críticos questionam a proeminência dos militares no processo,
especialmente porque suas preocupações ecoaram a retórica de Bolsonaro
sobre possíveis fraudes. O presidente, ex-capitão do Exército, encheu
seu gabinete com ex-oficiais militares, enquanto dizia aos apoiadores
que as Forças Armadas estão “do nosso lado”.
No entanto, as Forças Armadas se aproximaram de estabelecer uma
“contagem paralela” na noite das eleições, como sugeriu Bolsonaro. Em
vez disso, os representantes militares planejam fazer verificações
pontuais das máquinas de votação, comparando as leituras de papel em
algumas centenas de estações de votação com os resultados enviados ao
servidor do TSE.
É uma tarefa incomum para as Forças Armadas na jovem democracia
brasileira, mas os militares insistem que não é um sinal de ambições
políticas.
O ex-ministro da Defesa Raul Jungmann descartou qualquer risco de
golpe, contrastando o país hoje com o Brasil em 1964: o golpe militar
naquele ano foi abertamente apoiado por muitas das elites empresariais
brasileiras, famílias de classe média, igrejas e grande mídia, muito
longe do ambiente atual.
“O ministro da Defesa aderiu completamente, o que foi uma surpresa
para os generais, que vêm a postura dele como um desgaste para as
forças. Mas da parte do Alto Comando não há nenhuma possibilidade de se
envolverem em uma aventura”, disse um político veterano em conversas
regulares com chefes militares.
(Reportagem adicional de Lisandra Paraguassu)