Trabalhadores eram aliciados por salário de R$ 3 mil (Crédito: MPT/ RS)
O Centro da Indústria,
Comércio e Serviços de Bento Gonçalves (CIC-BG), no Rio Grande do Sul,
responsabilizou políticas de distribuição de renda, como o Bolsa
Família, pelos casos de trabalho escravo flagrados em vinícolas da
região.
Em nota, a entidade afirmou que as
vinícolas sofrem de falta de mão de obra e que “há uma larga parcela da
população com plenas condições produtivas e que, mesmo assim,
encontra-se inativa, sobrevivendo através de um sistema assistencialista
que nada tem de salutar para a sociedade”. Leia a nota na íntegra no
final do texto.
Entenda o caso
Na última quarta-feira (22), uma
operação do Ministério do Trabalho resgatou 208 pessoas em situação de
escravidão em diversas vinícolas da região como a Salton, Aurora e a
Cooperativa Garibaldi.
Os trabalhadores eram mantidos em
situação precária, sem segurança, condições mínimas de higiene e
alimentação adequada, além de estarem sofrendo agressões dos
empregadores e não receberem salários.
A maioria deles vieram da Bahia e
foram contratados com a promessa de receber R$3 mil mensais. O auditor
fiscal do trabalho, Vanius João de Araújo Corte, explicou que a dívida
dos trabalhadores com os empregadores já começava no transporte até o
Rio Grande do Sul.
“Como foram recrutados na Bahia, já
vieram na viagem para o local de trabalho com dívidas de alimentação e
transporte. Fora isso, todo o consumo deles no alojamento era anotado
num caderno do mercado local, que vendia os produtos a preços
extorsivos. Além disso, eles relataram que iniciavam o trabalho as
quatro da manhã e iam até as oito ou nove horas da noite, numa jornada
extremamente exaustiva”, relatou
O que disseram as empresas
As três empresas publicaram notas
informando que não tinham conhecimento da situação dos trabalhadores. O
Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul marcou uma audiência
para quarta-feira (1º) para debater a responsabilidade das empresas
envolvidas. Leia os depoimentos das empresas:
Salton
“A empresa não possui produção
própria de uvas na Serra Gaúcha, salvo poucos vinhedos situados junto a
sua estrutura fabril que são manejados por equipe própria. Durante o
período de safra, a empresa recorre à contratação de mão de obra
temporária. Estes temporários permanecem em residências da própria
empresa, atendendo a todos os critérios legais e de condições de
habitação. A empresa ainda recorre, pontualmente, à terceirização de
serviços para descarga. Neste caso, o vínculo empregatício se dá através
da empresa contratada com o objetivo de fornecimento de mão de obra. No
ato da contratação é formalizada a responsabilidade inerente a cada
parte. Neste formato, são 7 pessoas terceirizadas por esta empresa em
cada um dos dois turnos. Estas pessoas atuam exclusivamente no
descarregamento de cargas. Através da imprensa, a empresa tomou
conhecimento das práticas e condições de trabalho oferecidas aos
colaboradores deste prestador de serviço e prontamente tomou as medidas
cabíveis em relação ao contrato estabelecido. A Salton não compactua com
estas práticas e se coloca à disposição dos órgãos competentes para
colaborar com o processo.”
Cooperativa Garibaldi
“Nota à imprensa
Diante das recentes denúncias que
foram reveladas com relação às práticas da empresa Oliveira &
Santana no tratamento destinado aos trabalhadores a ela vinculados, a
Cooperativa Vinícola Garibaldi esclarece que desconhecia a situação
relatada.
Informa, ainda, que mantinha contrato com empresa diversa desta citada pela mídia.
Com relação à empresa denunciada,
o contrato era de prestação de serviço de descarregamento dos caminhões
e seguia todas as exigências contidas na legislação vigente. O mesmo
foi encerrado.
A Cooperativa aguarda a apuração
dos fatos, com os devidos esclarecimentos, para que sejam tomadas as
providências cabíveis, deles decorrentes.
Somente após a elucidação desse detalhamento poderá manifestar-se a respeito.
Desde já, no entanto, reitera seu
compromisso com o respeito aos direitos – tanto humanos quanto
trabalhistas – e repudia qualquer conduta que possa ferir esses
preceitos.”
Aurora
“NOTA À IMPRENSA
A Vinícola Aurora se solidariza
com os trabalhadores contratados pela empresa terceirizada e reforça que
não compactua com qualquer espécie de atividade considerada,
legalmente, como análoga à escravidão.
No período sazonal, como a safra
da uva, a empresa contrata trabalhadores terceirizados, devido à
escassez de mão-de-obra na região. Com isso, cabe destacar que Aurora
repassa à empresa terceirizada um valor acima de R$ 6,5 mil/mês por
trabalhador, acrescidos de eventuais horas extras prestadas.
Além disso, todo e qualquer
prestador de serviço recebe alimentação de qualidade durante o turno de
trabalho, como café da manhã, almoço e janta.
A empresa informa também que
todos os prestadores de serviço recebem treinamentos previstos na
legislação trabalhista e que não há distinção de tratamento entre os
funcionários da empresa e trabalhadores contratados.
A vinícola reforça que exige das empresas contratadas toda documentação prevista na legislação trabalhista.
A Aurora se coloca à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos.”
Nota do CIC-BG
Na condição de entidade
fomentadora e defensora do desenvolvimento sustentável, ético e
responsável dos negócios e empreendimentos econômicos, o Centro da
Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves vem acompanhando com
atenção o andamento das investigações acerca de denúncias de práticas
análogas à escravidão no município. É necessário que as autoridades
competentes cumpram seu papel fiscalizador e punitivo para com os
responsáveis por tais práticas inaceitáveis.
Da mesma forma, é fundamental
resguardar a idoneidade do setor vinícola, importantíssima força
econômica de toda microrregião. É de entendimento comum que as vinícolas
envolvidas no caso desconheciam as práticas da empresa prestadora do
serviço sob investigação e jamais seriam coniventes com tal situação.
São, todas elas, sabidamente, empresas com fundamental participação na
comunidade e reconhecidas pela preocupação com o bem-estar de seus
colaboradores/cooperativados por oferecerem muito boas condições de
trabalho, inclusive igualmente estendidas a seus funcionários
terceirizados. A elas, o CIC-BG reforça seu apoio e coloca-se à
disposição para contribuir com a busca por soluções de melhoria na
contratação do trabalho temporário e terceirizado.
Situações como esta,
infelizmente, estão também relacionadas a um problema que há muito tempo
vem sendo enfatizado e trabalhado pelo CIC-BG e Poder Público local: a
falta de mão de obra e a necessidade de investir em projetos e
iniciativas que permitam minimizar este grande problema. Há uma larga
parcela da população com plenas condições produtivas e que, mesmo assim,
encontra-se inativa, sobrevivendo através de um sistema
assistencialista que nada tem de salutar para a sociedade.
É tempo de trabalhar em projetos e
iniciativas que permitam suprir de forma adequada a carência de mão de
obra, oferecendo às empresas de toda microrregião condições de pleno
desenvolvimento dentro de seus já conceituados modelos de trabalho
ético, responsável e sustentável.
https://www.istoedinheiro.com.br/entidade-culpa-bolsa-familia-por-casos-de-trabalho-escravo-em-vinicolas-no-rs/