Em entrevista às páginas amarelas da revista VEJA, presidente da CNI defende que governo priorize a reforma tributária e a implementação de uma política industrial
Engenheiro e empresário na área de fornecimento de energia, o mineiro Robson Braga de Andrade, 75 anos, se vale de seu posto à frente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para combater uma das mazelas brasileiras: o desmonte do setor fabril nacional.
Frente à diminuição da atividade industrial desde a década de 90, fenômeno refletido na participação da indústria no PIB do país, ele defende um empenho maior do governo no assunto, que em sua opinião foi abandonado na gestão de Jair Bolsonaro.
"A indústria não quer subsídio, ela quer política e incentivo. Quando falamos em incentivo para a indústria, existem diversas ações além do subsídio que o governo pode realizar", disse Andrade em entrevista a VEJA.
Para ele, apesar das dificuldades, a nomeação do vice-presidente Geraldo Alckmin como ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) foi uma medida positiva e pode mudar um cenário, até agora, desalentador. A seguir, os principais trechos da conversa.
REVISTA VEJA - O governo do presidente Lula fala muito sobre a
necessidade de reindustrialização do país. Por que a indústria perdeu
tanto espaço?
ROBSON BRAGA DE ANDRADE - Desde o final dos anos 1990 os governos não têm planos de longo prazo. Temos discutido a necessidade da retomada de um planejamento que faça a indústria brasileira dar um salto de competitividade, de produtividade, de participação no mercado internacional e nunca conseguimos.
O governo de Fernando Henrique Cardoso considerava que a política industrial não era importante, tinha a visão de que se uma indústria morre, vem outra depois. Algo que não ocorre em nenhum lugar do mundo. Nas grandes economias, planos industriais são política de Estado e ultrapassam a gestão de governos.
Um exemplo claro disso é a China. Na década de 70, Deng Xiaoping fez
um planejamento do país com pilares de desenvolvimento industrial,
ciência, tecnologia e economia de mercado. Isso continua até hoje.
Enquanto isso, o Brasil veio capengando.
REVISTA VEJA - Qual o principal problema da indústria nacional?
ROBSON BRAGA DE ANDRADE - A falta de
competitividade. Isso foi se agravando por problemas internos
brasileiros, como infraestrutura deficiente e a complexidade do sistema
tributário. Além das questões domésticas, a globalização fez com que as
nossas empresas competissem com rivais muito mais preparados, um grande
fator de desindustrialização. Na década de 80, a indústria chegou a ter
participação de até 48% do PIB. Hoje é de 24%.
REVISTA VEJA - O senhor citou a globalização, mas hoje vemos um
processo contrário, em que as grandes economias estão trazendo de volta
setores produtivos que haviam sido repassados a outros países. Como o
Brasil está inserido nesse contexto?
ROBSON BRAGA DE ANDRADE - Isso é a decorrência direta da Covid-19 e da guerra na Ucrânia. A pandemia desestruturou as cadeias globais e o conflito no Leste Europeu piorou a situação. A China fechou completamente. Ficamos sem componentes importantes, como os chips, tivemos redução de insumos farmacêuticos.
Essa desorganização fez com que vários países enfrentassem o problema do desemprego e da inflação. A solução vislumbrada pelas grandes economias foi voltar a investir na indústria. A Alemanha tem um programa de desenvolvimento monstruoso, os Estados Unidos começaram a estimular suas empresas a não ser tão dependentes da China.
Esse movimento ocorre porque é a indústria que paga os melhores
salários, que desenvolve tecnologia e inovação. No Brasil, as pessoas
começam a perceber que, se o país não focar no setor, não vai ter como
competir no mundo.
REVISTA VEJA - E como o país pode se preparar para essa transição?
ROBSON BRAGA DE ANDRADE - Nós temos uma oportunidade única nesse momento. O problema é que o Brasil é campeão em perder oportunidades. Tomara que isso não aconteça desta vez. Temos caminhos para atrair capital em diversos setores, como no complexo da saúde, na indústria da defesa, em tecnologia da informação, inteligência artificial, em infraestrutura, economia de baixo carbono.
O que separa essas oportunidades da realidade é que quem investe
sempre estima o risco que corre. Há muita insegurança jurídica no país,
mudanças de posicionamentos e prioridades, e isso assusta o investidor.
Precisamos ter segurança e equilíbrio para trazer esse capital.
REVISTA VEJA - Como é possível melhorar esse cenário a curto prazo?
ROBSON BRAGA DE ANDRADE - As reformas são fundamentais. A mudança na legislação tributária é urgente. No ano passado, por exemplo, a CNI teve a oportunidade de fazer um encontro com empresários japoneses.
Mas como é que se explica para um japonês o funcionamento do sistema
tributário brasileiro? É impossível. Não há uma lógica. Precisamos fazer
algumas mudanças, e de forma rápida, porque nosso cenário é complicado.
REVISTA VEJA - O governo Lula recriou o
Ministério do Desenvolvimento e Indústria, e nomeou o vice-presidente
Geraldo Alckmin. Como tem sido o diálogo com o novo ministro?
ROBSON BRAGA DE ANDRADE - A CNI sempre foi contra a postura do governo do presidente Bolsonaro de ter acabado com o Ministério do Desenvolvimento e Indústria. O ministro Paulo Guedes criou um monstro e acabou engolido por ele, porque não conseguia dar conta de todas as áreas.
Antes disso, nós tivemos bons ministros do Desenvolvimento, mas a
pasta sempre teve pouca autonomia, tendo de passar muito pela Casa
Civil, Fazenda, Planejamento. Nesse sentido, a nomeação de Alckmin é
muito positiva. Por ser vicepresidente, ele não precisa ficar pedindo
amém a outros ministros. É uma vantagem fantástica, ele pode endereçar
os assuntos. Além disso, o Alckmin entende a raiz do desenvolvimento.
É claro que nós temos no país problemas sociais enormes que precisamos
superar. Mas temos de fazer duas coisas: combater os problemas sociais e
estimular o desenvolvimento econômico. A única forma de resolver os
problemas sociais é gerando emprego e renda. É isso que dá dignidade às
pessoas.
REVISTA VEJA - E como estão as conversas do setor com o Alckmin?
ROBSON BRAGA DE ANDRADE - O vice-presidente está empenhado em analisar e aprofundar questões como a reforma tributária, regulamentação, inovação, tecnologia. Há a visão da importância dos acordos internacionais para que o Brasil participe muito mais do comércio global.
O Alckmin tem defendido uma política industrial de longo prazo, que foque no futuro de maneira consistente. A indústria não quer subsídio, ela quer política e incentivo. Quando falamos em incentivo para a indústria, existem diversas ações além do subsídio.
O Brasil investe muito pouco em inovação e tecnologia, e quase 70%
dos investimentos nessa área são privados. É preciso que se tenha
financiamento para esses investimentos.
REVISTA VEJA - O que pode melhorar a partir da estrutura e dos mecanismos que já existem?
ROBSON BRAGA DE ANDRADE - É preciso fazer com que a inovação seja estratégia de desenvolvimento de qualquer empresa, seja ela pequena ou grande, mas é algo que precisa estar na ponta desse planejamento.
Nós temos, por exemplo, a Embrapii, empresa pública de fomento à inovação industrial inspirada na Embrapa, um dos pilares da evolução agrícola do país. Ela foi criada com o apoio do então presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e do ministro da Ciência e Tecnologia na época, Aloizio Mercadante, hoje à frente do BNDES.
Uma das propostas que fiz ao presidente Lula é a de que a Embrapii fique no Ministério do Desenvolvimento, da mesma forma que a Embrapa atua junto com o da Agricultura. Não conseguimos, mas esperamos que a ministra da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, tenha a visão de que a Embrapii precisa de recursos e batalhe por eles.
O que não pode é acontecer como no ano passado, em que, do orçamento
previsto para a inovação de 9 bilhões de reais, foram liberados 5,5
bilhões.
REVISTA VEJA - Nas gestões anteriores do PT, houve equívocos
como a política de campeões nacionais. Qual é o papel de instituições
como o BNDES na indústria?
ROBSON BRAGA DE ANDRADE - O BNDES é importantíssimo, e não estou falando do financiamento de infraestrutura. Me refiro ao financiamento dos investimentos em ciência e tecnologia. Não temos no Brasil políticas de financiamento de longo prazo para investimento, tanto que, dos investimentos empresariais no país, quase 80% são feitos com recursos do investidor.
E se não tiver esse investimento, dificulta. Porque aí você começa a
tomar financiamento a juros elevados para financiar o seu capital de
giro e torna os custos muito mais altos. O BNDES precisa financiar os
investimentos produtivos no Brasil. Tenho certeza de que o presidente
Mercadante entende essa necessidade.
REVISTA VEJA - O que seriam esses investimentos produtivos a que o senhor se refere?
ROBSON BRAGA DE ANDRADE - A tecnologia, a inovação, a ciência. E também o financiamento de exportações. Nos governos do presidente Lula, houve muitos investimentos para as exportações, algo que foi muito questionado. É claro, pode-se ter cometido excessos, mas a inadimplência dos países que foram financiados é muito pequena.
Quando converso com empresários e autoridades chineses, eles falam
que, se o Brasil não financiar a exportação de produtos manufaturados,
não vai ter exportação desses itens. O país não tem um sistema
garantidor de exportações para micros e pequenas empresas. O BNDES tem
mecanismos para isso, e não seria colocando recursos do Tesouro.
REVISTA VEJA - Qual é a escala de prioridades para o setor industrial?
ROBSON BRAGA DE ANDRADE - A reforma tributária é fundamental porque ela é peça-chave para trazer investimentos ao Brasil. O vice-presidente Alckmin tem quatro mandatos como governador de São Paulo, você olha a infraestrutura de São Paulo e compara com a de qualquer outro estado, a de São Paulo é muito melhor.
O vice-presidente fez as mudanças no estado via concessões e parcerias público-privadas, e esse é um caminho que precisamos perseguir. O governo investe cerca de 0,6% do PIB em infraestrutura. Para recuperar nossa infraestrutura seria preciso investir algo em torno de 4%, se formos considerar apenas recursos públicos.
A União não tem isso. Por outro lado, há muito recurso disponível no
mundo em busca de infraestrutura. Precisamos de bons projetos para
atrair o capital estrangeiro necessário, e para isso é preciso ter esse
arcabouço.
REVISTA VEJA - Em 2022, a indústria cresceu 1,6%, porém no
último trimestre do ano passado recuou 0,3%. Essa tendência também é
vista no resultado geral do PIB. Como o senhor projeta o comportamento
da economia brasileira neste ano?
ROBSON BRAGA DE ANDRADE - Acho que o Brasil vai ter dificuldades de crescimento. Apesar de termos uma superprodução de produtos agrícolas, o peso do agro nas exportações é de cerca de 20%. Então, por nossas contas o PIB ficará abaixo de 2%. Os juros são exorbitantes. Com inflação em cerca de 6%, temos a Selic em 13,75%, sem contar que o juro da indústria chega a quase 20%. Assim fica muito difícil produzir.