A
Price WaterHouseCopers (PWC) e a KPMG – que prestaram serviços de
auditoria independente para a Americanas no período em que a companhia
admite ter executado uma fraude que inflou os resultados da empresa em
R$ 25 bilhões – enviaram representantes à audiência pública da Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados que investiga o
caso. Enquanto a KPMG afirmou que as acusações feitas contra si não eram
verdadeiras, a PWC buscou se proteger com as regras de auditoria. Os
parlamentares, por sua vez, insistiram em peças de documentos trazidas
pela empresa à CPI.
A
sócia de auditoria da KPMG Carla Bellangero afirmou que o atual CEO da
companhia, Leonardo Coelho Pereira, fez “insinuações falsas” à comissão
em 13 de junho. Ela se referia ao fato de Pereira ter afirmado que havia
indícios de participação da auditoria na fraude que levou ao rombo
contábil da varejista. A KPMG foi responsável técnica pelas auditorias
na Americanas de 2016 a 2018.
“Sobram
motivos para repudiar insinuações contra a KPMG”, disse. A executiva
afirmou que, durante o trabalho com a Americanas, chamou a atenção para
“as deficiências e a necessidade de melhoria nos controles de verbas de
propaganda cooperadas” da empresa.
Apesar do alerta, porém, não
havia indicações de irregularidades, segundo ela. “Nada indicava fraude,
situação de ato intencional na Americanas.” Além disso, a executiva
enfatizou uma declaração de Pereira também na CPI: “Posso dizer que a
documentação que as auditorias receberam eram documentações fraudadas”.
Ela
disse que, por enxergar necessidade de melhorias nos processos de
controle da Americanas, redigiu uma carta interina, ou seja, no meio do
processo de auditoria, e não no fim. “Isso não é comum”, disse. Após
esse procedimento, ela afirmou ter sido “mandada embora”. Segundo
Bellangero, a empresa rescindiu o contrato seis dias depois de a
auditoria ter enviado uma carta de controle que apontou “deficiências”
no controles da companhia. A KPMG fez comentários, nessas comunicações
com a companhia, sobre riscos ligados a verbas de propaganda cooperadas,
que, como se soube mais tarde, deram origem ao escândalo.
Documentos
trazidos pelo CEO da Americanas à CPI, porém, mostram que a KPMG mudou a
redação de uma carta entregue à companhia. O texto, que originalmente
continha a expressão “deficiências significativas”, o que exigiria a
comunicação ao conselho de administração, foi depois entregue com o
termo “recomendações que merecem a atenção da administração”.
Segundo
a executiva, a mudança, alvo de questionamento dos parlamentares, foi
feita pois não havia implicações materiais nas falhas encontradas pela
administração, tratando-se de um montante de R$ 4 milhões. Ela disse
ainda que houve entendimento de que, no termo “administração”, o
conselho de administração estaria englobado. Ela afirmou ainda que
comunicou os órgãos de governança da empresa.
PWC
Já o
líder de auditoria da PricewaterHouseCoopers (PWC), Fábio Cajazeira
Mendes, afirmou que as mudanças sugeridas por uma funcionária da
auditoria a um dos membros da diretoria da companhia diziam respeito a
um documento que a Americanas apresentaria à PWC.
Em documento
trazido à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos
Deputados que investiga a Americanas, a auditoria teria sugerido como
redigir questões ligadas a operações de risco sacado, de forma que as
operações não ficassem tão claras, segundo afirmações do CEO da
companhia, Leonardo Coelho.
Nas
imagens apresentadas, é possível ver a sugestão de uma funcionária da
auditoria para mudanças na redação da empresa. O texto inicialmente
dizia: “Confirmamos que não temos, junto aos bancos com os quais temos
relação, operações contratadas de antecipação de fornecedores nas quais é
oferecido risco de crédito da companhia, operações denominadas
‘forfait’, ‘confirming’, ‘risco sacado’ ou ‘securitização de contas a
pagar’”.
Com a sugestão, a versão ficou: “Informamos que não temos
conhecimento de que as operações de cessão de crédito realizadas a
pedido de fornecedores informadas por certos bancos com os quais a
companhia opera possuem qualquer anuência da companhia ou envolva a
assunção de risco de crédito por parte da companhia”.
Segundo
Mendes, essa sugestão foi feita para deixar o texto mais preciso e faz
parte de uma comunicação frequente entre a empresa auditada e a
auditoria. Ele frisou que as sugestões não alteravam as cartas de
recomendações da auditoria.
Os parlamentares, em especial o
deputado Tarcísio Motta (PSOL-RJ), fizeram críticas duras a essa
conduta, argumentando que sugerir mudanças em um documento a ser
entregue à própria auditoria seria como um professor instruir um aluno
sobre as respostas de uma prova.
Mendes disse ainda que os
auditores independentes não fazem análise e revisões de todas as
transações das empresas auditadas. Ele defendeu que o risco de uma
fraude deliberada não ser identificada pelos auditores é maior do que a
probabilidade de que erros não sejam apontados. “Há risco inevitável de
que distorções não sejam identificadas”, disse. Ele reforçou ainda que a
responsabilidade sobre as fraudes é das empresas. E que, no caso da
Americanas, se as denúncias forem confirmadas, o caso seria de uma
fraude de “difícil detecção”.
Risco sacado
Bellangero,
da KPMG, declarou que a Americanas negou ter um volume de recursos
comprometidos em operações de risco sacado, enquanto os bancos
confirmavam. “Houve confirmação de 2 instituições financeiras, em 2016,
sobre risco sacado”, afirmou. “Em 2018, três instituições confirmaram o
risco sacado”.
Porém, disse a auditora, a Americanas reafirmou que
“não havia risco sacado e o banco errou”. O erro teria sido sistêmico.
Na versão da auditora, depois disso, as instituições financeiras mudaram
a informação anterior quanto ao risco sacado e que, por se tratar da
confirmação de um terceiro, a auditoria acatou a nova informação.
A
KPMG não informou o nome dos bancos envolvidos, mas os documentos
mostrados pela Americanas na CPI indicavam procedimentos parecidos
citando os nomes do Itaú e do Santander. À época, as instituições
rebateram em nota as acusações.
Ex-diretor
O
ex-diretor financeiro e de Relações com Investidores da Americanas, o
executivo Fabio Abrate também compareceu à audiência pública. Este,
porém, na condição de convocado. Ele afirmou que é alvo de acusações
“feitas de forma genérica”.
Protegido
por um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal, Abrate
optou por não responder às questões dos parlamentares. Disse apenas que
não teve acesso aos documentos que suportam as acusações que o atingem.
“As acusações são feitas com base em documentos aos quais não tive
acesso”, declarou, para complementar: “Por não saber do que estou sendo
acusado, não responderei às perguntas”.
Durante a sessão, o
presidente da CPI, deputado Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE), informou
que Miguel Gutierrez, ex-CEO da Americanas, adiou seu depoimento com um
atestado médico, por estar em tratamento na Espanha. Gutierrez, que
esteve à frente da Americanas, tem dupla cidadania, brasileira e
espanhola.