(Arquivo) Plenário da Câmara dos Deputados em Brasília, em 1º de fevereiro de 2023 - AFP
Apresentado nesta
terça-feira, 12, pela deputada Dani Cunha (União Brasil-RJ), o projeto
da chamada minirreforma eleitoral abranda punições impostas a políticos e
a partidos que cometerem irregularidades, flexibiliza regras de
transparência e prevê brechas para que as legendas descumpram as cotas
definidas para candidaturas de mulheres e de pessoas negras.
A proposta, fatiada em dois projetos de lei, deve ser votada no
plenário pelos deputados nesta quarta, 13. A minirreforma avançou na
Câmara em poucos meses porque o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL),
deseja que as novas regras sejam aplicadas para as eleições municipais
do ano que vem. Para isso, o texto precisa ser sancionado até o dia 6 de
outubro deste ano. Caso passe na Câmara, o projeto seguirá para o
Senado.
Mesmo diante de questionamentos e protestos de partidos e de
organizações de transparência eleitoral, o grupo de trabalho que
elaborou o texto final da minirreforma – o colegiado é comandado por
Dani Cunha e tem como relator o deputado Rubens Pereira Junior (PT-MA) –
manteve trechos controversos.
Um deles abre a possibilidade para que candidatos que praticarem
compra de votos ou que realizarem gastos ilícitos durante a campanha se
livrem da cassação e preservem o mandato. Nesses casos, o texto prevê
uma opção de punição mais branda: o pagamento de multa que pode variar
de R$ 10 mil a R$ 150 mil.
No trecho que trata da compra de votos, a mudança proposta é sutil.
Atualmente, a lei impõe como punições cassação do diploma e multa. No
texto apresentado ontem, a conjunção “e” foi substituída pela “ou”.
Assim, o candidato condenado pela prática de compra de votos passaria a
ser punido com apenas uma das sanções, conforme entendimento da Justiça
Eleitoral.
Críticas
Entidades da sociedade civil que atuam nos campos do
combate à corrupção eleitoral e da transparência afirmam que o debate
sobre a minirreforma com mudanças para o pleito do ano que vem exige
mais tempo, além de uma maior participação de especialistas e da
população. A proposta atenua, ainda, punição em casos de falta de
prestação de contas e de candidatos considerados fichas-sujas.
O Pacto Pela Democracia e o Movimento Contra a Corrupção Eleitoral
criticaram a proposta. “Iremos tomar as medidas cabíveis para que esse
tipo de passo para trás, esse retrocesso na transparência, não seja
aplicado nas eleições”, afirmou o coordenador de Advocacy do Pacto Pela
Democracia, Arthur Mello. Ele vê no projeto risco de danos “à
integridade eleitoral, à participação eleitoral e à democracia”.
‘Panfleteiros’
Outro ponto polêmico da minirreforma eleitoral estabelece que
candidatos não precisarão informar dados sobre pessoas subcontratadas
por empresa terceirizada que prestar serviços à campanha. Dessa forma,
não seria possível identificar quem foi contratado, a função que esses
funcionários desempenharam e que valores foram repassados. Na prática, o
dispositivo afrouxa o controle da Justiça Eleitoral e de outros órgãos
de fiscalização sobre a distribuição de recursos recebidos pelos
partidos políticos.
“É a farra dos panfleteiros”, criticou Arthur Mello, do Pacto Pela
Democracia. “Isso pode facilitar a compra de votos, uma vez que não vai
haver a documentação de quem foram os subcontratados para desempenhar o
serviço.”
Destinado às legendas em anos eleitorais para bancar as campanhas de
seus candidatos, como viagens, cabos eleitorais e material de
divulgação, o fundo eleitoral em 2022 foi de R$ 4,9 bilhões, um recorde.
Para 2024, os parlamentares articulam furar esse teto.
Cotas
A minirreforma eleitoral em curso no Legislativo também é alvo de
contestações por afetar candidaturas femininas e negras, abrindo margem
para que os partidos possam manejar os recursos destinados para esses
grupos como quiserem. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) define que o repasse para essas candidaturas tem de ser
proporcional. Isto é, se há 40% de candidaturas negras, 40% da verba
deve ser destinada ao grupo. Nesta minirreforma, não há referência sobre
o valor a ser destinado a cotas raciais.
Na reunião dos integrantes do grupo de trabalho da minirreforma
realizada anteontem, o PSOL protestou, pedindo a alteração do texto. No
entanto, não houve mudanças significativas na versão final.
No caso de candidaturas de mulheres, o porcentual mínimo de 30%
deverá, pelo novo texto, ser analisado por federação, e não mais por
partido. Assim, seria possível cumprir a cota determinada pela Justiça
Eleitoral se houver 30% de mulheres no somatório geral das candidaturas
apresentadas pelas legendas que integram a federação partidária.
“Dirigentes partidários alegam que, na lei, os partidos detêm
autonomia para realizar suas ações. A questão de cotas não é uma
prerrogativa de partido”, afirmou o presidente do Movimento de Combate à
Corrupção Eleitoral, Luciano Santos. “A questão de cotas é uma política
pública de inclusão, acima dos partidos. É a Lei Eleitoral. Não dá para
alegar autonomia dos partidos e deixar por conta deles como se aplica e
qual o porcentual.”
‘Boca de urna’
O texto elaborado pelo grupo de trabalho permite, ainda, a propaganda
eleitoral nas redes sociais no dia da eleição, mas veda o
impulsionamento pago dos anúncios para alcançar mais público.
Especialista em Direito Eleitoral, Alberto Rollo disse considerar a
prática “boca de urna” em ambiente digital. “Fazer propaganda na
internet no dia da eleição não deixa de ser boca de urna na internet. O
eleitor abre as redes e vê propaganda eleitoral, é uma boca de urna
diferente, mas é uma boca de urna”, afirmou.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.