Chanceler
federal perde voto de confiança no Parlamento, abrindo caminho para
eleições antecipadas em fevereiro. Pesquisas apontam conservadores como
favoritos para liderar novo governo. Ultradireita pode dobrar bancada.O
governo do chanceler federal Olaf Scholz perdeu na tarde desta
segunda-feira (16/12) a votação de uma moção de confiança no Parlamento
da Alemanha (Bundestag). O resultado abre caminho para a dissolução da
atual legislatura e a convocação de eleições federais antecipadas, que
devem ocorrer em 23 de fevereiro, além de marcar o fim da era Scholz,
após pouco mais de três anos de governo.
Ao todo, 394 dos 735 dos
deputados do Bundestag votaram contra o governo. Outros 116 se
abstiveram. Apenas 207 votaram pela manutenção do governo.
O
resultado desta segunda-feira já era esperado. Scholz havia
oficializado a convocação da votação no Bundestag na semana passada,
após semanas de turbulência política na esteira do colapso da sua
coalizão, que efetivamente relegou o chanceler federal a uma posição de
líder de um governo de minoria, travando a aprovação de projetos e leis.
Agora,
com eleições à vista em fevereiro, a expectativa, segundo pesquisas, é
que os conservadores da União Democrata Cristã (CDU), que governaram com
Angela Merkel entre 2005 e 2021, voltem a liderar o próximo governo da
Alemanha. No entanto, a governabilidade para os conservadores ainda será
uma incógnita, já que as pesquisas mostram que eles também vão depender
de negociações para a formalização de uma coalizão, um processo que
pode se arrastar.
Até
lá, Scholz deve permanecer no posto interinamente. Mas, caso a vitória
conservadora no próximo pleito seja confirmada, Scholz, com menos de
quatro anos de governo, terá se tornado o chanceler federal menos
longevo da Alemanha desde a reunificação do país, em 1990. Para piorar,
as pesquisas apontam que o Partido Social Democrata (SPD) de Scholz
arrisca encolher nas próximas eleições.
Fim prematuro da era Scholz
O
social-democrata Scholz chegou ao poder em dezembro de 2021, na esteira
de 16 anos de governo da ex-chanceler conservadora Angela Merkel. Na
eleição parlamentar daquele ano nenhum partido efetivamente havia
conseguido formar isoladamente maioria no Parlamento. Scholz acabou
costurando uma inédita – pelo menos desde a reunificação – e complicada
tríplice coalizão para governar a Alemanha, formada pelo seu SPD, os
Verdes e o Partido Liberal Democrático (FDP, na sigla em alemão). Ao
todo, a coalizão assegurou 415 das 735 cadeiras da legislatura.
Apesar
de a tríplice coalizão assegurar maioria no Bundestag, o governo sempre
se viu em dificuldades nesses três anos. Além de crises externas, como a
pandemia e a eclosão da guerra na Ucrânia, e do persistente declínio
econômico, a própria coalizão sofreu com disputas internas. Não foi raro
que social-democratas, verdes e liberais não chegassem a acordos, tanto
para tapar buracos no Orçamento quanto para elaborar políticas públicas
cruciais para revigorar a combalida economia alemã, que deve sofrer uma
retração neste ano.
O
governo Scholz também sofria com persistente impopularidade. Em
novembro, tinha 14% de aprovação, cinco pontos percentuais a menos que
no início de outubro. Os que desaprovam ou estavam pouco satisfeitos com
o governo somavam 85%.
O gatilho para o colapso da coalizão
partiu dos liberais, parceiros menores da coalizão. No início de
novembro, o FDP saiu ruidosamente do governo. Na ocasião, Scholz e o
líder dos liberais, Christian Lindner, que ocupava o cargo de ministro
das Finanças, trocaram acusações em público.
Num pronunciamento
televisivo, Scholz disse que Lindner havia quebrado sua confiança e o
acusou de só pensar em sua sobrevivência política. O rompimento
efetivamente selou o fim da tríplice aliança partidária apelidada de
“semáforo”, em referência às cores dos partidos que a integravam. Dessa
forma, o governo Scholz, agora reduzido ao SPD e os Verdes, perdeu o
apoio dos 90 deputados do FDP, tornando-se incapaz de assegurar uma
maioria. Só restou a Scholz abrir caminho para a convocação de novas
eleições.
Debates pré-votação em modo eleitoral marcados por trocas de acusações
Antes
da votação nesta segunda-feira, líderes dos principais partidos – e
consequentemente pré-candidatos à chancelaria – trocaram acusações sobre
os atuais problemas da Alemanha, tanto na política quanto na economia,
transformando a sessão num ato de campanha.
Em seu discurso,
Scholz tentou defender seu legado, mas voltou a criticar seu ex-aliado
Lindner. “A política não é um jogo”, disse ele, culpando o líder do FDP
pelo colapso da coalizão, e acusando-o de “sabotar seu próprio governo” e
“não só prejudicar a imagem de um governo, mas também da própria
democracia”.
Lindner, por sua vez, disse que Olaf Scholz “mostrou
mais uma vez hoje que não tem força para promover mudanças cruciais” na
Alemanha.
O líder da CDU, Friedrich Merz, favorito para ser o
próximo chanceler federal, aproveitou o microfone para acusar Scholz de
“hipocrisia”. “O chanceler falou muito sobre respeito, mas parece que o
respeito para ele termina onde começam outras opiniões políticas”, disse
Merz, que ainda acusou o governo de não conseguir reagir à inflação
recorde e à crise econômica. “O senhor envergonhou a Alemanha” diante da
UE e de outros aliados, disse Merz.
Já o líder dos Verdes, Robert
Habeck, que ainda é aliado de Scholz, criticou os governos anteriores,
especialmente os liderados pela CDU de Merz. Ele afirmou que o atual
governo Scholz “herdou um legado pesado” e que a Alemanha não
experimenta crescimento real desde 2018, ou seja, antes do atual
governo. Habeck ainda criticou Angela Merkel, afirmando que decisões da
ex-chanceler levaram a Alemanha a ficar excessivamente dependente de gás
russo.
Alice Weidel, colíder da ultradireitista Alternativa para a
Alemanha (AfD), aproveitou o debate para criticar Sholz, Merz e Habeck.
Ela culpou o atual governo pelo declínio da indústria e disse que os
verdes e social-democratas “inundaram o país com imigrantes”. Weidel
ainda disse que uma eventual ascensão de Merz poderia arriscar “uma
terceira guerra mundial” por causa das posições do conservador, que é
favorável a permitir que a Ucrânia use armas alemãs contra alvo em
território russo.
Por fim, a deputada Sahra Wagenknecht, que
lidera o partido populista de esquerda e neófito BSW, falou de um “fim
inglório” de um governo que, segundo ela, “piorou visivelmente a vida
das pessoas”. “Três anos de declínio para o nosso país, e o senhor
[Scholz] está pedindo uma prorrogação de quatro anos”, disse
Wagenknecht.
Próximos passos
As regras constitucionais
alemãs são bastante rígidas para impedir instabilidade no Parlamento, de
forma a evitar o risco da formação de governos instáveis e de curta
duração, como ocorreu nos anos que precederam a ascensão dos nazistas ao
poder na década de 1930.
Pelas regras atuais, as legislaturas não
têm poder para decretar uma dissolução. Isso só é feito com a
convocação de um voto de confiança no governo. Em caso de derrota, o
chanceler federal então pode propor ao presidente federal que o
Parlamento seja dissolvido e que novas eleições sejam convocadas.
Após
a formação da República Federal, em 1949, ocorreram apenas cinco votos
de confiança no Parlamento, sendo que apenas dois após a reunificação,
em 1990. E apenas dois deles resultaram numa mudança completa de governo
após novas eleições.
Antes mesmo da finalização da votação desta
segunda, o atual presidente federal, Frank-Walter Steinmeier, já
sinalizou que pretende acatar o pedido para a dissolução.
Pelo
cronograma, ele tem 21 dias para fazê-lo, contando a partir de 16 de
dezembro de 2024. Porém, a maior parte das bancadas partidárias, após
muito debate, concordou que a nova eleição ocorra em 23 de fevereiro de
2025. Para que assim seja, o presidente não deverá anunciar sua decisão
antes de 23 de dezembro, pois a eleição deve, segundo a legislação,
ocorrer dentro do prazo de 60 dias após o anúncio.
Prognósticos para a eleição
Após
o presidente oficializar a convocação de novas eleições, a campanha
eleitoral vai começar oficialmente na Alemanha, embora os partidos já
estejam em modo eleitoral desde o rompimento da coalizão de governo de
Scholz.
No momento, as pesquisas apontam que a conservadora União
Democrata Cristã (CDU) aparece à frente, com entre 30% e 31% das
intenções de voto. A sigla é liderada atualmente por Friedrich Merz, um
antigo rival da ex-chanceler Angela Merkel entre os conservadores e que
tem redirecionado a CDU mais para a direita. Ele é o favorito para se
tornar o próximo chanceler federal da Alemanha, mas, pelas pesquisas,
terá que formar alianças para alcançar uma maioria no Bundestag.
Já
o SPD aparece com entre 15% e 17% das intenções de voto e deve encolher
significativamente na próxima eleição, salvo uma reviravolta. Na última
eleição, em 2021, o partido havia obtido a maior porcentagem de votos:
25,7%, destronando a CDU da sua longa hegemonia de 16 anos. No momento,
Scholz aposta suas fichas em uma recuperação do SPD nos próximos dois
meses, conforme a campanha eleitoral avançar, mas poucos no meio
político acreditam que ele seja capaz de protagonizar uma reviravolta
política e conseguir manter o SPD no comando do governo.
Mas,
mesmo com a saída de Scholz, o partido ainda pode vir a excercer
influência num próximo governo liderado pela CDU, já que é praticamente
certo que Merz seja obrigado a costurar uma coalizão. O papel de
parceiro menor da CDU não é estranho para o SPD. Os social-democratas
foram aliados da CDU durante 12 dos 16 anos de Merkel no poder. O
próprio Scholz foi vice-chanceler da conservadora entre 2018 e 2021.
O
cenário de encolhimento também é esperado pelos Verdes, parceiros
remanescentes de Scholz no governo. Já para os liberais do FDP, a
próxima eleição deve ser um teste de sobrevivência. Após conseguir 11%
dos votos no pleito de 2021, o partido, que foi pivô do colapso da
coalizão de Scholz, agora arrisca ficar abaixo da cláusula de barreira
de 5% para garantir uma bancada no Parlamento.
Enquanto siglas
tradicionais como o SPD e FDP penam nas pesquisas, a próxima eleição
deve marcar mais uma vez a ascensão constante de siglas antissistema no
Bundestag.
Segundo levantamentos, a ultradireitista Alternativa
para a Alemanha (AfD), que tem pouco mais de uma década de existência,
aparece com chances de dobrar sua atual bancada de 83 deputados no
Parlamento e sair da eleição de 2025 como o segundo maior partido,
apenas atrás da CDU. No entanto, esse aumento entre o eleitorado não
deve se traduzir necessariamente em poder para a AfD, já que todos os
partidos tradicionais já avisaram que não pretendem se aliar com a sigla
para formar um novo governo. Tal cenário já é constante para a AfD em
eleições estaduais, nas quais o partido não conseguiu integrar governos
locais mesmo quando foi o mais votado.
O pleito também vai marcar a
estreia em eleições federais da Aliança Sahra Wagenknecht (BSW, na
sigla em alemão), uma legenda populista de esquerda formada neste ano e
que leva o nome da sua fundadora, e que agrega posições socialmente
conservadoras. Pelas pesquisas, a BSW aparece com chances de conseguir
8% dos votos, tomando o lugar do partido Die Linke (A Esquerda) no
Bundestag. Originalmente, Sahra Wagenknecht era membro da Linke, mas
rompeu com o partido no início do ano. Agora, seus velhos aliados
arriscam ficar abaixo da cláusula de barreira de 5%.