
Políticas de governo e ambiente social anti-imigração restringem ida de trabalhadores para países de alta renda.Um relatório divulgado no mês passado mostrou que a migração de trabalhadores está caindo globalmente, apesar de as sociedades envelhecidas nos países ricos se verem confrontadas com uma crescente escassez de mão de obra.
Esse declínio global começou bem antes da reeleição do presidente Donald Trump, que fez sua campanha eleitoral em 2024 com a promessa de restringir drasticamente a imigração.
De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que monitora as políticas econômicas e sociais globais, a migração relacionada ao trabalho para seus 38 países membros caiu mais de um quinto em 2024 (21%).
Essa queda foi impulsionada menos pela demanda do que pela crescente oposição política à imigração e por regimes de vistos mais rigorosos em países de economias avançadas, constatou o relatório Perspectivas da Migração Internacional 2025. Em contraste, a migração temporária para trabalhar continuou aumentando.
Declínio impulsionado por dois países
A maior parte do declínio mundial na migração laboral permanente foi impulsionada por mudanças nas políticas de dois países: o Reino Unido e a Nova Zelândia .
Na Nova Zelândia, a queda esteve ligada ao fim de um programa de residência pós-pandemia que permitiu a mais de 200 mil imigrantes temporários e seus dependentes se estabelecerem de forma permanente. Esse programa se encerrou em julho de 2022.
No caso do Reino Unido, após o Brexit , o governo local reformou o visto para trabalhadores da saúde e assistência social, restringindo os critérios de elegibilidade dos empregadores e proibindo a entrada de dependentes, o que resultou numa forte redução nos pedidos de visto.
A OCDE destacou justamente a área da saúde como um setor onde restrições desse tipo podem agravar a escassez de mão de obra.
A especialista em migração Seeta Sharma, que assessorou as Nações Unidas e o governo da Índia, alerta que as reformas feitas pelo Reino Unido, incluindo também uma medida para restringir os critérios de elegibilidade para estudantes internacionais que desejam trabalhar após a formatura, podem ser contraproducentes para o país.
“É a transição dos estudos para o trabalho que está sendo restringida”, explica Sharma. “Se isso acontece, as inscrições diminuem, pois os indianos, por exemplo, não vão mais gastar grandes somas em educação no exterior se não houver um retorno claro do investimento.”
Políticas de governo
No caso dos Estados Unidos, limites mais rígidos para os vistos H-1B (o principal programa que permite a profissionais estrangeiros de áreas como tecnologia, engenharia e medicina trabalharem no país) foram introduzidos durante o governo do presidente Joe Biden.
Desde então, Trump aumentou substancialmente o custo do visto para os empregadores , de entre 2 mil e 5 mil dólares para 100 mil dólares. A agenda política do republicano, de um modo mais amplo, tem se concentrado em limitar as vias de imigração permanente.
A Austrália , por sua vez, elevou os limites salariais para vistos de trabalho qualificado, enquanto o Canadá ajustou as vias de imigração para trabalhadores temporários, contribuindo também para o declínio mais amplo na imigração relacionada a empregos.
Os países nórdicos também registraram grandes quedas, com a Finlândia tendo uma queda de 36% em comparação com 2023.
Na Alemanha , as políticas de imigração mais rígidas do ex-chanceler federal Olaf Scholz contribuíram para uma queda de 12% nos fluxos de imigração permanente em 2024, quando 586 mil trabalhadores estrangeiros entraram no país. O número de pessoas que chegaram com vistos de trabalho foi 32% menor do que no ano anterior. Essas reformas foram ampliadas pelo governo do novo chanceler federal, Friedrich Merz .
O professor de economia Herbert Brücker, da Universidade Humboldt de Berlim, diz que esse declínio cria problemas para a economia alemã. “Nós precisamos da migração para substituir os trabalhadores que se aposentam. Sem ela, não conseguimos manter a oferta de mão de obra estável.”
Alta demanda por trabalhadores na UE
Em toda a União Europeia (UE), cerca de dois terços dos empregos criados entre 2019 e 2023 foram preenchidos por cidadãos de países de fora do bloco europeu, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o que destaca a dependência da Europa da mão de obra externa.
Globalmente havia 167,7 milhões de trabalhadores migrantes em 2022, segundo estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Isso representava 4,7% da força de trabalho global total. Mais de dois terços deles, ou 114,7 milhões, viviam em países de alta renda.
Apesar da queda em 2024, a migração global relacionada ao trabalho permanece acima dos níveis pré-pandemia de covid-19. O que o relatório da OCDE revela é como esses fluxos podem ser abruptamente interrompidos por decisões políticas, baseadas em temores sociais sobre a imigração ilegal e não na real demanda econômica, que permanece em níveis elevados.
A agenda do segundo mandato de Trump amplificou essa dinâmica, com decretos executivos para restringir a imigração legal e ilegal. O governo Trump argumenta que essas medidas são necessárias para proteger os trabalhadores americanos.
Opção pelo trabalhador temporário
Já a migração laboral temporária ou sazonal manteve-se estável em 2024, mesmo com a diminuição dos fluxos permanentes, de acordo com o relatório da OCDE.
Isso reflete a opção de governos dos países ricos por programas de curto prazo que podem ser expandidos ou reduzidos conforme a necessidade. “A ideia é: ‘Vamos trazer pessoas quando quisermos e fechar as portas quando não quisermos. Só não vamos ter essa gente ‘diferente’ em nosso país para sempre'”, critica Sharma.
Os programas de trabalhadores sazonais e temporários estavam com alta demanda na Austrália, na Europa e na América do Norte, onde empregadores nos setores agrícola, de cuidados e de construção preencheram lacunas em sua força de trabalho com eles.
A OCDE observa que os programas de migração temporária também estão cada vez mais sendo utilizados pelo setor de tecnologia e outros altamente qualificados.
Dificuldades para a integração
Além de tentar atrair mais trabalhadores estrangeiros, a OCDE instou as economias avançadas a integrá-los melhor ao mercado de trabalho. Entre as medidas essenciais sugeridas estão os cursos de idiomas e o acesso a serviços sociais, juntamente com o reconhecimento das qualificações obtidas nos países de origem. Muitas vezes, os imigrantes são empregados em trabalhos de qualificação abaixo da sua formação.
Brücker, que é pesquisador de migração no Instituto Alemão de Pesquisas sobre Emprego (IAB), observa que as reformas destinadas a tornar a maior economia da Europa mais atraente para trabalhadores estrangeiros não funcionaram devido a processos lentos e à burocracia.
“O reconhecimento de diplomas e treinamento profissional leva anos e isso dificulta a vinda de trabalhadores qualificados”, diz. O resultado é que a Alemanha tem hoje um déficit de cerca de 3 milhões de trabalhadores.
A OCDE também insta os governos a criar caminhos mais claros para que trabalhadores migrantes temporários façam a transição para o status de permanentes, garantindo que suas habilidades sejam totalmente utilizadas e reduzindo a escassez de mão de obra.
Embora Trump frequentemente fale positivamente sobre a necessidade de imigração baseada em competência, o primeiro ano do seu segundo mandato foi marcado por esforços para desmantelar essas vias.
Sharma observa que a retórica frequentemente raivosa de Trump e outros líderes de direita sobre imigração envia “ondas de choque” e molda percepções em outros países. “A história que está sendo contada é que este é um país hostil, onde é difícil conseguir um emprego. Essas narrativas desempenham um papel enorme nos movimentos migratórios”, diz Sharma.














