Presidente
da França encerra visita oficial ao Brasil prometendo apoio a assento
brasileiro no Conselho de Segurança da ONU e cooperação nas áreas de
defesa e meio ambiente
Após
três dias de agenda oficial, a visita do presidente francês, Emmanuel
Macron, ao Brasil se encerrou nesta quinta-feira (28/03), com uma
reunião bilateral com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No Palácio
do Planalto, em Brasília, os dois assinaram 20 acordos de cooperação
nas áreas de meio ambiente, defesa e tecnologia.
“Adotamos
hoje um novo plano de cooperação que estende nossa colaboração para
novos campos e áreas como financiamento de bioeconomia, agricultura,
administração pública, inteligência artificial e direitos humanos, que
passarão a ocupar nossa agenda bilateral”, afirmou Lula.
Macron
foi recebido com honras de chefe de Estado por Lula, a primeira-dama,
Janja da Silva, e o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. A
presença de Macron no Brasil – há 11 anos um chefe de governo francês
não visitava o país – simbolizou a reaproximação da diplomacia dos dois
países após anos de afastamento desde o governo de Michel Temer e da
intensa turbulência durante o mandato de Jair Bolsonaro. Na pauta da
reunião, os líderes discutiram temas como as guerras na Ucrânia e na
Faixa de Gaza, as eleições na Venezuela, a crise noHaiti e a reforma de
instituições bilaterais. Um dos temas principais e mais aguardados, o
acordo comercial entre Mercosul e a União Europeia, porém, não esteve em
pauta.
Macron segue reticente
Em sua primeira visita ao
Brasil desde que foi eleito em 2017, Macron desembarcou no país em meio
ao mal-estar diante da recusa da França de fazer avançar as negociações
pela aprovação do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul,
cujas discussões se arrastam há mais de duas décadas.
Mesmo
com as conversas com o homólogo brasileiro, o francês manteve a posição
negativa sobre o acordo, que considera antiquado. Lula negou impasse
com a França sobre o tema. “O Brasil não está negociando com a França, é
o Mercosul que está negociando com a União Europeia, é um acordo
comercial entre dois conjuntos de países. Estou muito tranquilo de que o
acordo proposto agora é muito mais promissor de assinar”.
Em
janeiro, agricultores franceses paralisaram as atividades, protestando
contra a concorrência com produtos estrangeiros. Em seguida, Macron
alegou que o acordo seria antiquado por não levar em conta a proteção ao
meio ambiente.
“Tomei uma posição que não tem nada a ver com
acordo bilateral, e sim de princípios, e tem a ver com o que o Brasil
vai defender no G20 [em novembro] e na COP de Belém[em 2025]”, ponderou
Macron. “Esse acordo foi feito há 20 anos, mas agora estamos fazendo um
esforço de retirar o carbono de nossas economias e vamos abrir o mercado
para produtos que não respeitam esses acordos? Seriamos loucos”, disse o
líder francês.
Cadeira no Conselho de Segurança da ONU
O
França é um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das
Nações Unidas, e defende a entrada do Brasil no seleto grupo. Lula há
muito almeja um assento no colegiado para ampliar o protagonismo do Sul
Global em negociações de paz, já que os integrantes têm poder de veto
nas votações.
“A
França vai contribuir com suas ideias [do Brasil] para o Conselho de
Segurança da ONU, o FMI [Fundo Monetário Internacional] e o Banco
Mundial”, disse Macron.
Guerra na Ucrânia
Em relação ao
conflito na Ucrânia, o presidente francês voltou a afirmar que poderia
enviar tropas ao país para enfrentar a Rússia.
“Temos que ser
responsáveis. A França quer o diálogo, mas se houver uma escalada do
conflito, temos que nos organizar para depois não ter que lamentar”.
“Estou
a tantos quilômetros de distância da Ucrânia que não tenho os mesmos
nervosismos que o povo francês e alemão”, respondeu Lula. “Está virando
rotina os países que fazem parte do Conselho de Segurança da ONU tomarem
decisões unilaterais sem consultar ninguém. Nós resolvemos não tomar
lado para votar uma solução”.
Em
novembro, o Rio de Janeiro sediará a reunião da cúpula do G20. Neste
ano, o Brasil detém a presidência rotativa do grupo, e vai coordenar os
trabalhos. Macron afirmou que vai retornar ao país para participar do
evento. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, foi convidado por Lula
para integrar as reuniões, já que o país também é membro do grupo.
Perguntado
sobre o que achava sobre a presença do russo no Brasil, o mandatário
francês respondeu que o convite é de responsabilidade brasileira.
“O
presidente Lula sabe quem ele convida, é sua responsabilidade”. O
petista disse que fóruns internacionais são espaço de discussão
democrática. “Temos que respeitar o direito de cada fazer o que quiser
em seu país”.
No ano passado, em visita a Berlim, o presidente
brasileiro disse que convidaria homólogo russo para o encontro no
Brasil, mas que chefe do Kremlin teria “que aferir as consequências”,
referindo-se a um mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal
Internaciona (TPI).
Instabilidade na América
Outro foco de
discussão entre os dois presidentes foi a instabilidade política em
países americanos, como a crise no Haiti e as eleições na Venezuela. O
Brasil expressou preocupação com o processo eleitoral venezuelano, mas
repudiou sanções ao país vizinho. A pré-candidata Corina Yoris, da
Plataforma Unitária Democrática (PUD), maior aliança de oposição da
Venezuela, foi impedida de registrar sua candidatura antes do final do
prazo. Por essa razão o cientista político e ex-embaixador Edmundo
González Urrutia foi registrado como “candidato tampão”.
Lula
comparou o episódio ao fato de que também foi impedido de disputar as
eleições em 2018 por uma decisão judicial. O presidente da França disse
que seu país faz esforços para convencer Maduro a reintegrar todos os
candidatos e que admita observadores nacionais e internacionais na
votação. “Condenamos firmemente terem retirado uma boa candidata do
processo. Não nos desesperemos, mas a situação é grave e piorou”.
Sustentabilidade
A
visita de Macron começou pela região Norte, depois de passar pela
Guiana Francesa, território que faz fronteira com o Amapá. Na
terça-feira (26/03), em Belém (PA), Lula e Macron divulgaram o acordo
“Apelo de Belém”, para ações de apoio à agenda climática na região
amazônica e combate ao garimpo ilegal.
O presidente francês
anunciou um programa para captação de investimentos públicos e privados
da ordem de 1 bilhão de euros (R$ 5,4 bilhões) para preservação da
biodiversidade na Amazônia brasileira e guianense. “Queremos ao mesmo
tempo desenvolver uma bioeconomia que permita atividades econômicas
sustentáveis, que respeitam a floresta amazônica”, disse nesta quinta.
A
iniciativa envolve ainda uma parceria técnica e financeira entre bancos
públicos brasileiros, como BNDES e o Banco de Desenvolvimento da
Amazônia, e a Agência Francesa de Desenvolvimento. O fundo será
destinado a ativos verdes e aplicado na preservação da floresta.
Lula
reforçou a intenção de zerar o desmatamento na região até 2030. Segundo
o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o índice de
desmatamento da Amazônia entre agosto de 2022 e julho de 2023 foi de
9.001 km², menor valor desde 2019.
Submarinos
No Rio de
Janeiro, na quarta-feira (27/03) Macron e Lula participaram dolançamento
do submarino Tonelero, parte do Projeto Submarino. A iniciativa é uma
parceria de cooperação franco-brasileira para a produção de submarinos,
inclusive de propulsão nuclear, para o patrulhamento da costa.
Helicópteros também foram incluídos na cooperação.
Lula afirmou
que o objetivo de desenvolver equipamentos militares com energia nuclear
é para reforçar a defesa do país e participar de negociações de paz.
“Nós queremos ter o conhecimento para garantir, a todos os países que
querem paz, que saibam que o Brasil estará ao lado de todos, porque a
guerra não constrói, a guerra destrói”, disse o petista.
“As
grandes potências pacíficas, como a França e o Brasil, devem reconhecer
que, nesse mundo cada vez mais desorganizado, nós temos que falar com
firmeza e força, porque somos as potências que não querem ser os lacaios
de outros. Nós temos que saber defender com credibilidade a ordem
internacional”, declarou Macron.
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