Desde 2010, Brasil concedeu refúgio a 258 sírios. A Suécia,
em menos de 2 anos (desde 2012), acolheu mais de 15.000 sírios – com
direito à residência permanente. O Itamaraty alega motivos de segurança
nacional. Aparentemente, a Suécia não se preocupa com a sua segurança
nacional!
Quando, há três meses, seu cunhado foi morto e teve o corpo atirado
em frente à casa dos filhos na cidade de Homs, Mohamad encorajou sua
família na Síria a fugir para o Brasil.
Em São Paulo há 14 anos, ele temia que outros parentes se somassem
aos cerca de cem mil sírios que, segundo a ONU, morreram desde a eclosão
dos conflitos no país árabe, em 2011.
Desde então, porém, diz que nenhum deles conseguiu deixar a Síria –
segundo ele, por causa de exigências irreais feitas pelo Brasil para
lhes conceder vistos. “Os brasileiros estão com os braços abertos, mas o
governo está complicando tudo”, diz o sírio à BBC Brasil.
O Itamaraty afirma que as exigências buscam resguardar a segurança nacional.
Sede de uma das maiores colônias sírias fora do Oriente Médio, o
Brasil concedeu refúgio a 258 sírios desde 2010, segundo o Ministério da
Justiça. O número equivale a 0,01% dos 2 milhões de sírios que, de
acordo com a ONU, fugiram desde o início dos confrontos.
Para analisar pedidos de refúgio, o governo determina que o
solicitante esteja em território nacional. O problema, segundo Mohamad e
outros sírios ouvidos pela BBC Brasil, é que muitos não têm conseguido
sequer cumprir a etapa anterior: obter um visto para o Brasil. E, sem o
documento, eles não podem voar até o país.
Membro da Coordenação da Revolução Síria no Brasil, grupo no Facebook
que defende a queda do presidente sírio, Bashar al-Assad, o comerciante
Amer Masarani diz que o número de refugiados no Brasil seria muito
maior se as regras para o visto fossem menos rígidas.
Masarani, que vive em São Paulo há 17 anos, afirma ter sido procurado
por ao menos seis compatriotas que tiveram pedidos de visto negados.
Junto de outros pequenos empresários árabes de São Paulo e de duas
associações islâmicas, Masarani tem auxiliado sírios que tentam vir ao
Brasil desde o pedido de visto até sua chegada e regularização.
Como o Brasil não emite vistos específicos a candidatos a refúgio, a
alternativa aos que querem fugir para o Brasil são vistos de turista.
Para concedê-los, o governo exige dez requisitos, entre os quais
comprovante de emprego, extrato bancário dos últimos seis meses,
certificado de antecedentes criminais e uma carta convite.
Para Masarani, as exigências não levam em conta o conflito. “A
economia síria entrou em colapso, os bancos pararam de funcionar, muitos
perderam o emprego, os prédios públicos fecharam. É impossível
conseguir esses documentos.”
“O governo brasileiro está tratando esses sírios como turistas, mas
eles são refugiados que estão correndo risco de vida. Muitos fogem só
com a roupa do corpo”.
Joias por comida
Ao testemunhar a agonia de um sírio incapaz de obter um visto para o
Brasil, a agente de turismo carioca A.A.C. passou a considerar um plano
radical.
Ela diz ter conhecido o homem – morador de Alepo, segunda maior
cidade síria – pela internet há um ano. Desde então, afirma que passaram
a dialogar diariamente, tornando-se “amigos íntimos”.
No período, ela foi apresentada a seus parentes, consolou-o quando um
amigo foi morto e habituou-se a ouvir explosões durante suas conversas.
Em março, estimulou-o a fugir para o Brasil.
“Ele quer muito vir. Lá está faltando luz, água, comida. Quem tem joias troca por uma dúzia de ovos.”
A agente de turismo diz, no entanto, que ele jamais conseguiu reunir a
documentação exigida. Além dos dez requisitos, ela diz ter sido
informada por uma funcionária da embaixada brasileira na Síria de que
ele precisaria comprovar movimentação bancária de ao menos US$ 2 mil (R$
4,6 mil) mensais.
Desempregado – ela diz que a indústria em que trabalhava fechou por
causa da guerra –, ele não pôde cumprir as exigências. Foi então que ela
teve a ideia de se casar com ele, para que o sírio pudesse viajar com
um visto familiar.
O matrimônio ocorreria por procuração, sem que ela precisasse estar
na Síria, e reduziria as exigências para o visto. Ela diz estudar formas
de tirar os planos do papel. “Eu seria capaz de fazer isso por ele, mas
tenho que planejar tudo com cuidado”.
‘Riscos à segurança nacional’
Desde julho de 2012, a embaixada brasileira na Síria mantém apenas
funcionários locais, que encaminham os pedidos de visto para o consulado
em Beirute, no Líbano. Segundo Amer Masarani, da Coordenação da
Revolução Síria no Brasil, a análise dos pedidos leva entre três e
quatro meses.
Para agilizar o processo, ele diz que muitos sírios têm viajado para
Beirute ou para Amã, na Jordânia, onde os serviços consulares
brasileiros operam normalmente. Ele afirma, porém, que mesmo nas duas
cidades muitos pedidos têm sido negados.
Masarani diz que o governo brasileiro dificulta a vinda de sírios
porque, segundo ele, apoia Bashar al-Assad. “O Brasil não quer dar mais
visibilidade ao conflito”.
Já o Itamaraty diz que as exigências feitas aos sírios se aplicam a
qualquer estrangeiro de países com os quais o Brasil não tenha acordo de
isenção de vistos. Além disso, segundo um assessor de imprensa do
órgão, “numa circunstância como a presente (na Síria), temos que tomar
cuidado para não aceitar pessoas que possam pôr em risco a segurança
nacional”.
O órgão diz recusar vistos apenas quando uma série de requisitos é
descumprida. A pasta se recusou a responder quantos pedidos de visto de
sírios foram negados desde o início dos conflitos.
Para Masarani, o argumento da segurança nacional não se sustenta. Ele
cita o caso da Suécia, que recebeu cerca de 15 mil refugiados sírios
desde 2012, quase 60 vezes mais que o Brasil. A maioria ingressou no
país com vistos de entrada regulares; outros, por uma cota de refugiados
acordada com a ONU.
“Será que a Suécia não se preocupa com sua segurança nacional?”, indaga.
João Fellet