domingo, 1 de dezembro de 2013

ARTIGO: A SANTA MÁFIA.

 
Por Maria Lucia Victor Barbosa (*)
 
 
 
Dia após dia a história se desenrola. Nestes quase doze anos de governo petista me vem à mente uma definição de Raymond Queneau: “a história é a ciência da infelicidade dos homens”. Não que tenhamos tido uma história edificante, mas me refiro à sordidez, à imoralidade, à corrupção galopante, ao teatro de mentiras e, especialmente ao escândalo descortinado pela máfia do mensalão, considerada santa pelos próprios mafiosos.
 
Entretanto, contra tudo e contra todos, numa luta insana para fazer justiça, pela primeira vez em nossa história a cúpula do mais poderoso partido foi parar na cadeia. Esse feito inédito se deveu à tenacidade, à coragem e à competência de um cidadão de origem humilde, negro que nunca recorreu a cotas, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa. Insultado por petistas hidrófobos, que têm como tática desqualificar e intimidar quem não reza por sua cartilha, o ministro Barbosa já entrou para a história com honra e gloria, ao contrário dos péssimos exemplos que se veem, a começar pelo ex-presidente Lula da Silva que melhor seria ser chamado de presidente, pois é quem manda e desmanda na sua grei mafiosa como poderoso chefão beneficiário de todos os vícios detectados pelo STF.
 
Infelizmente, o ministro Barroso recém-chegado ao STF abriu caminho para os embargos infringentes, chicanas protelatórias ao infinito com intuito de livrar a máfia de suas penas. E o ministro Celso Mello votou a favor dos tais embargos possibilitando a José Dirceu que já foi chamado de chefe da quadrilha, a José Genoíno o moribundo do ano e a Delúbio Soares autor de famosa piada de salão, o regime semiaberto em vez do fechado. Ano que vem a situação do trio pode melhorar bastante, uma vez que o próximo presidente do STF será o ministro Lewandowski. Quanto aos auxiliares de Dirceu, da base aliada ou ligados ao seu gerente do mensalão, Marcos Valério, deverão mofar na cadeia.
 
Escapou em fuga rocambolesca, escafedendo-se para a Itália, Henrique Pizzolato, também pertencente à “família”. Homem forte de Lula da Silva no Banco do Brasil e exímio autor de dossiês falsos contra inimigos, função comum a petistas aloprados, deve estar seguro junto à Berlusconi como aqui está o inimputável Cesare Battisti, assassino e terrorista italiano protegido de Lula da Silva.
 
Como aparecerão nos futuros livros de história as fotos de Dirceu e Genoíno de punho erguido, simbolizando o comunismo? Serão considerados heróis ou cínicos a rir debochadamente dos eleitores que não se cansam de eleger bandidos para representá-los? Se a história for escrita por intelectuais petistas prostituídos à causa a dupla vai ficar bem na foto.
 
Privilégios na prisão, revoada de parlamentares companheiros à Papuda para prestar solidariedade aos seus iguais, apoio total do PT aos pobrezinhos dos condenados, presos políticos do seu próprio partido e julgados injustamente por juízes indicados por seus presidentes, lamúrias sem fim e a surrada tese da vitimização e da culpa das elites e da mídia, no momento é bastante para santificar a máfia do mensalão.
 
Destaque-se José Dirceu que já arrumou emprego num hotel da elite em Brasília, o St. Peter, graças à amizade com o dono, companheiro que já foi devidamente beneficiado pelo governo em agradecimento ao favor prestado à “família”. Assim, no luxo e no conforto o chefe da quadrilha vai ser “gerente administrativo” com salário de R$ 22.000,00 e poderá continuar a fazer lobby, quem sabe na suíte presidencial.
 
Á exemplo dos paraguaios que boicotaram a entrada de senadores em shoppings, restaurantes, postos de gasolina e táxis por não terem suspenso a imunidade de um de seus pares, Victor Bocato, acusado de falcatruas, ninguém deveria mais se hospedar no tal hotel. Mas no Brasil isso seria querer muito.
 
Menos afortunado Genoíno não obteve o que queria com a encenação mambembe de infarto, os constantes chiliques, a nauseante choradeira. Médicos da Universidade de Brasília e da Câmara atestaram que ele não sofre de cardiopatia grave.  Mas, enquanto Genoíno choraminga deputados solidários se articulam para evitar sua cassação. De fato, a bancada da Papuda tende a aumentar.
 
Enquanto a história vai acontecendo Dilma Rousseff segue em vertiginosa campanha fazendo o diabo, como disse que faria. Pesquisa do Ibope mostra que se a eleição fosse hoje ela ganharia em primeiro turno. Talvez, ganhe mesmo em 2014. Os eleitores estão otimistas, contentes com a inadimplência, realizados com a inflação alta, maravilhados com os juros que voltaram aos dois dígitos. Lula da Silva dirá que mesmo depois de quase 12 anos de governo petista tudo é culpa do Fernando Henrique. Como não existe oposição todos acreditarão piamente e os homens farão história buscando alegremente no voto sua infelicidade.
 
(*) Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga e edita o blog www.maluvibar.blogspot.com.br

Sinais alarmantes

  
 


Por Fernando Henrique Cardoso, em 01/12/2013 às 10:00  




Finalmente fez-se justiça no caso do mensalão. Escrevo sem júbilo: é triste ver na cadeia gente que em outras épocas lutou com desprendimento. Estão presos ao lado de outros que se dedicaram a encher os bolsos ou a pagar suas campanhas à custa do dinheiro público. Mais melancólico ainda é ver pessoas que outrora se jogavam por ideais – mesmo que controversos — erguerem os punhos como se vivessem uma situação revolucionária, no mesmo instante em que juram fidelidade à Constituição. Onde está a Revolução? Gesticulam como se fossem Lenines que receberam dinheiro sujo, mas usaram–no para construir a “nova sociedade”. Nada disso: apenas ajudaram a cimentar um bloco de forças que vive da mercantilização da política e do uso do Estado para perpetuar-se no poder. De pouco serve a encenação farsesca, a não ser para confortar quem a faz e enganar a seus seguidores mais crédulos.

Basta de tanto engodo. A condenação pelos crimes do mensalão se deu em plena vigência do estado de direito, em um momento no qual o executivo é exercido pelo Partido dos Trabalhadores, cujo governo indicou a maioria dos ministros do Supremo. Não houve desrespeito às garantias legais dos réus e ao devido processo legal. Então por que a encenação? O significado é claro: eleições à vista. É preciso mentir, auto-enganar-se e repetir o mantra. Não por acaso a direção do PT amplifica a encenação e Lula diz que a melhor resposta à condenação dos mensaleiros é reeleger Dilma Rousseff… Tem sido sempre assim, desde a apropriação das políticas de proteção social até a idéia esdrúxula de que a estabilização da economia se deveu ao governo do PT. Esqueceram as palavras iradas que disseram contra o que hoje gabam e as múltiplas ações que moveram no Supremo para derrubar as medidas saneadoras. O que conta é a manutenção do poder.

Em toada semelhante o mago do ilusionismo fez coro. Aliás, neste caso, quem sabe, um lapso verbal expressou sinceridade: estamos juntos, disse Lula. Assumiu meio de raspão sua fatia de responsabilidade, ao menos em relação a companheiros a quem deve muito. E ao país, o que dizer?

Reitero, escrevo tudo isso com melancolia, não só porque não me apraz ver gente na cadeia, embora reconheça a legalidade e a necessidade da decisão, mas principalmente porque tanto as ações que levaram a tão infeliz desfecho como a cortina de mentiras que alimenta a aura de heroicidade fazem parte de amplo processo de alienação que envolve a sociedade brasileira. São muitos os responsáveis por ela, não só os petistas. Poucos têm tido a compreensão do alcance destruidor dos procedimentos que permitem reproduzir o bloco de poder hegemônico; são menos numerosos ainda os que têm tido a coragem de gritar contra essas práticas. É enorme o arco de alianças políticas no Congresso cujos membros se beneficiam por pertencer à “base aliada” de apoio ao governo. Calam-se diante do mensalão e demais transgressões, como se o “hegemonismo petista” que os mantém seja compatível com a democracia. Que dizer então da parte da elite empresarial que se seva dos empréstimos públicos e emudece diante dos malfeitos do petismo e de seus acólitos? Ou da outrora combativa liderança sindical, hoje acomodada nas benesses do poder?

Nada há de novo no que escrevo. Muitos sabem que o rei está nu e poucos bradam. Dai a descrença sobre a elite política reinante na opinião pública mais esclarecida. Quando alguém dá o nome aos bois, como, no caso, o ministro Joaquim Barbosa, que estruturou o processo e desnudou a corrupção, teme-se que ao deixar a Presidência do STF a onda moralizante dê marcha a ré. É evidente, pois, a descrença nas instituições. A tal ponto que se crê mais nas pessoas, sem perceber que por este caminho voltaremos aos salvadores da pátria. São sinais alarmantes.

Os seguidores do lulo-petismo, por serem crédulos, talvez sejam menos responsáveis pela situação a que chegamos do que os cínicos, os medrosos, os oportunistas, as elites interesseiras que fingem não ver o que está à vista de todos. Que dizer então das práticas políticas? Não dá mais! Estamos a ver as manobras preparatórias para mais uma campanha eleitoral sob o signo do embuste. A candidata oficial, pela posição que ocupa, tem cada ato multiplicado pelos meios de comunicação. Como o exercício do poder se confundiu, na prática, com a campanha eleitoral, entramos já em período de disputa. Disputa desigual, na qual só um lado fala e as oposições, mesmo que berrem, não encontram eco. E, sejamos francos: estamos berrando pouco.

É preciso dizer com coragem, simplicidade e de modo direto, como fizeram alguns ministros do Supremo, que a democracia não se compagina com a corrupção nem com as distorções que levam ao favorecimento dos amigos. Não estamos diante de um quadro eleitoral normal. A hegemonia de um partido que não consegue se deslindar de crenças salvacionistas e autoritárias, o acovardamento de outros e a impotência das oposições estão permitindo a montagem de um sistema de poder que, se duradouro, acarretará riscos de regressão irreversível. Escudado nos cofres públicos, o governo do PT abusa do crédito fácil que agrada não só os consumidores, mas em volume muito maior, os audaciosos que montam suas estratégias empresariais nas facilidades dadas aos amigos do rei. A infiltração dos órgãos de estado pela militância ávida e por oportunistas que querem se beneficiar do estado distorce as práticas republicanas.

Tudo isso é arqui-sabido. Falta dar um basta aos desmandos, processo que, numa democracia, só tem um caminho: as urnas. É preciso desfazer na consciência popular, com sinceridade e clareza, o manto de ilusões com que o lulo-petismo vendeu seu peixe. Com a palavra as oposições e quem mais tenha consciência dos perigos que corremos.

sábado, 30 de novembro de 2013

Contabilidade criativa: quanto ganha Arno Augustin na Embraer


LEONEL ROCHA
Arno Augustin (Foto: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo)


Os salários dos servidores públicos mais destacados são modestos. Por isso, o governo compensa-os com vagas em conselhos de empresas que pagam remunerações gordas. 

Uma pesquisa da procuradora federal Marina Sélos Ferreira alcançou o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin. Segundo ela, Augustin recebe R$ 69.829,06 por mês para integrar o conselho da Embraer. Ele nega: “É absolutamente incorreta a informação ou ilação a respeito de minha remuneração. 

A forma utilizada para a dedução hipotética não é responsável”. A Embraer diz que o valor atribuído pelo Ministério Público é incorreto e exageradamente alto.


O PT será eterno enquanto durar o dinheiro dos outros

Se a presidente defende obras irregulares e não ouve nem meia vaia, está tudo dominado

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 O Brasil está atrapalhando o comitê eleitoral do PT no Palácio do Planalto. Mas isso não ficará assim não. A presidente do comitê, Dilma Rousseff, já reagiu falando grosso. Diante da recomendação para embargo de sete obras federais, por superfaturamento e outras fraudes, Dilma entrou de carrinho no Tribunal de Contas: “Acho um absurdo parar obra”. Se Dilma estivesse reformando sua casa, e os encarregados do serviço começassem a enfiar a mão na bolsa dela, não se sabe se ela também acharia absurdo parar a obra. Mas é totalmente diferente, porque o dinheiro público, como se sabe, não é de ninguém.

Ou melhor: não era de ninguém, na época dos populistas amadores. Agora, com o populismo profissional se encaminhando para 16 anos no poder – mais tempo que o primeiro reinado de Getúlio Vargas –, o dinheiro público tem dono: é do PT. E as obras fraudadas não podem parar, porque fazem parte da campanha para a renovação do esquema em 2014.

Dilma será reeleita, e elegerá com Lula o governador de São Paulo, porque o plano não tem erro: derramar dinheiro aos quatro ventos. País rico é país perdulário (com o chapéu alheio, claro). Seria perigoso se o eleitorado notasse o golpe, mas esse perigo está afastado. Se uma presidente da República defende de peito aberto obras irregulares e não ouve nem meia vaia, está tudo dominado. Nessas horas, o comitê do Planalto acende uma vela aos manifestantes brasileiros, esses revolucionários que entopem as ruas e não enxergam nada. Viva a revolução!

A tropa da gastança está em campo, afinada. A ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, deu uma pausa em sua rotina maçante e resolveu dar um palpite sobre política econômica. Defendeu que a meta de superavit primário – um dos fundamentos da estabilidade econômica – só seja cumprida nos momentos felizes. Se o Brasil estiver crescendo bem, ok; se estiver patinando (como agora), o governo fica liberado de fazer essa economia azeda e neoliberal. Não é perfeito? Assim, a grande gestora do Planalto fica liberada para prosseguir com sua gestão desastrosa, sem precisar parar de torrar o dinheiro do contribuinte – uma injustiça, a menos de um ano da eleição.

Essa orquestra petista, com sua sinfonia de palpites aleatórios sobre política econômica, soa como música para os ouvidos dos investidores – que cansaram de botar dinheiro em mercados seguros e confiáveis e estão à procura de ambientes bagunçados e carnavalescos, muito mais emocionantes. Um dia o pitaco vem da Casa Civil, no outro vem do Ministério do Desenvolvimento, aí o ministro da Fazenda solta sua língua presa para contradizer o Banco Central, que fica na dúvida se segue os gritos de Dilma ou se faz política monetária. É um ambiente animado, e não dá para entender por que os investimentos no país estão minguando. Deve ser falta de ginga dos investidores.

No embalo dessa orquestra exuberante, o Brasil acaba de bater mais um recorde: deficit primário de R$ 9 bilhões em setembro. Deficit primário significa que, sem contar o pagamento de juros de suas dívidas, o país gastou mais do que arrecadou. E a arrecadação no Brasil, como se sabe, é monumental, com sua carga tributária obscena. A ordenha dos cofres públicos vai muito bem, obrigado. E, sabendo que a taxa de investimento é uma das mais baixas entre os emergentes, chega-se à constatação cristalina: as riquezas do país sustentam a formidável máquina de Dilma, seus 40 ministérios e seu arsenal de caridades. Essa é a fórmula infalível para que a permanência do PT no poder seja eterna enquanto dure o dinheiro dos outros.

E vem a divulgação mandrake da inflação pelo IBGE, anunciando um índice “dentro da meta” até outubro, quando na verdade está fora da meta (dos últimos 12 meses, a que importa). A inflação é o principal subproduto da fórmula, mas o Brasil só ligará o nome à pessoa quando a vaca estiver dando consultoria fantasma no brejo.

Um tratado para estabelecer o governo das multinacionais




As discussões sobre um acordo de livre-comércio entre o Canadá e a U.E foram concluídas em 18 de outubro. Um bom presságio para o governo dos EUA, que espera firmar uma parceria desse tipo com a Europa. Negociado em segredo, permitiria às multinacionais processar qualquer Estado que não siga as normas do liberalismo


por Lori Wallach


É possível imaginar as multinacionais levando aos tribunais os governos cuja orientação política tivesse por efeito diminuir seus lucros? É concebível pensar que elas podem exigir – e conseguir! – uma compensação generosa pela perda de rendimentos causada por um direito do trabalho muito restritivo ou por uma legislação ambiental muito espoliadora? Por mais improvável que possa parecer, esse cenário não é novo. Ele já aparecia com todas as letras no projeto do Acordo Multilateral de Investimentos (AMI), secretamente negociado entre 1995 e 1997 pelos 29 países-membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE).1 Divulgada in extremis, a cópia despertou em vários países uma onda de protestos sem precedentes, forçando seus promotores a mandá-la para a gaveta. Quinze anos depois, ei-la de volta em grande estilo, com uma nova roupagem.

O acordo para criar uma Parceria de Investimento e Comércio Transatlântica (TTIP, na sigla em inglês), negociado desde julho de 2013 pelos Estados Unidos e pela União Europeia, é uma versão modificada do AMI. Ele prevê que as legislações em vigor em ambos os lados do Atlântico estejam em conformidade com as normas de livre-comércio estabelecidas pelas – e para as – principais empresas europeias e norte-americanas, sob pena de sanções comerciais ao país transgressor ou de uma reparação de vários milhões de euros em favor dos queixosos.

De acordo com o calendário oficial, as negociações só devem chegar a um resultado após um prazo de dois anos. O acordo combina, aprofundando-os, os elementos mais nefastos das parcerias efetivadas no passado. Se tivesse entrado em vigor, os privilégios das multinacionais assumiriam força de lei e amarrariam as mãos dos governantes. Impermeável às alternâncias políticas e às mobilizações populares, ele se aplicaria pelo bem ou pela força, já que suas disposições só poderiam ser alteradas com o consentimento unânime dos países signatários. Ele replicaria na Europa o espírito e as modalidades do modelo asiático, o acordo de Parceria Transpacífica (Trans-Pacific Partnership, TPP), que está sendo adotado em doze países depois de ter sido ardorosamente promovido pela comunidade empresarial norte-americana. Juntas, a TTIP e a TPP formariam um império econômico capaz de ditar suas condições para além de suas fronteiras: qualquer país que buscasse estabelecer relações comerciais com os Estados Unidos ou a União Europeia seria forçado a adotar tais e quais as regras que prevalecem no mercado comum deles.


Tribunais especiais


Como almejam liquidar porções inteiras do setor não comercial, as negociações sobre a TTIP e a TPP são realizadas a portas fechadas. As delegações norte-americanas têm mais de seiscentos consultores comissionados pelas multinacionais, que dispõem de acesso ilimitado aos documentos preparatórios e aos representantes do governo. Nada deve ser filtrado. Foi dada a instrução de deixar jornalistas e cidadãos fora das discussões: eles serão informados em tempo hábil, na assinatura do tratado, quando será tarde demais para reagir.

Em uma explosão de sinceridade, Ron Kirk, ex-secretário do Comércio dos Estados Unidos, defendeu as vantagens de “preservar certo grau de discrição e confidencialidade”.2 Na última vez que foi publicada uma versão de um acordo que estava sendo negociado, apontou Kirk, as negociações fracassaram – uma alusão à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), um modelo expandido do Acordo de Livre Comércio Norte-Americano (Nafta); o projeto, ferozmente defendido por George W. Bush, foi revelado no site do governo em 2001. Porém, a senadora Elizabeth Warren retruca que um acordo negociado sem nenhum exame democrático nunca deveria ser assinado.3

O imperioso desejo de ocultar a preparação do tratado EUA-UE da atenção do público é facilmente compreensível. É melhor usar o tempo para anunciar ao país os efeitos que ele vai produzir em todos os níveis: desde o topo do governo federal até os conselhos municipais, passando pelos governos e pelas assembleias locais, as autoridades eleitas devem redefinir de alto a baixo suas políticas públicas de maneira a satisfazer os apetites do setor privado, nas áreas que ainda lhe escapam. Segurança alimentar, normas de toxicidade, seguros-saúde, preço dos medicamentos, liberdade na internet, proteção de privacidade, energia, cultura, direitos autorais, recursos naturais, formação profissional, equipamentos públicos, imigração: não há um campo de interesse geral que não passe pelo jugo do livre-comércio institucionalizado. A ação política dos eleitos se limitará a negociar com as empresas ou seus mandatários locais as migalhas de soberania que eles quiserem lhes permitir.

Está desde já estipulado que os países signatários vão assegurar a “colocação em conformidade de suas leis, de seus regulamentos e de seus procedimentos” com as disposições do tratado. Ninguém duvida que eles vão se esforçar para honrar esse compromisso. Caso contrário, poderiam ser objeto de processos diante de um dos tribunais criados para arbitrar disputas entre os investidores e os países, e com o poder de impor sanções comerciais contra estes últimos.

A ideia pode parecer improvável; contudo, ela se inscreve na filosofia dos acordos comerciais já em vigor. No ano passado, a Organização Mundial do Comércio (OMC) condenou os Estados Unidos por latas de atum rotuladas como “sem perigo para os golfinhos”, pela indicação do país de origem em carnes importadas e pela proibição de tabaco com cheiro de bombom, sendo tais medidas de proteção consideradas entraves ao livre-comércio. Ela também infligiu à União Europeia sanções de centenas de milhões de euros por sua recusa em importar transgênicos. A novidade introduzida pela TTIP e pela TTP é que elas permitiriam às multinacionais processar em seu nome um país signatário cuja política tivesse um efeito restritivo sobre sua exploração comercial.

Sob tal regime, as empresas seriam capazes de contrariar as políticas de saúde, de proteção ambiental ou de regulação das finanças em vigor nesse ou naquele país, exigindo uma indenização em tribunais extrajudiciais. Compostas por três advogados da área empresarial, essas cortes especiais que atendem às leis do Banco Mundial e da ONU estariam habilitadas a condenar o contribuinte a pesadas reparações quando sua legislação reduzisse os “lucros futuros esperados” de uma corporação.

Esse sistema “investidor vs.Estado”, que parecia varrido do mapa após o abandono da AMI em 1998, foi restaurado em segredo ao longo dos anos. Em virtude de vários acordos comerciais assinados por Washington, US$ 400 milhões passaram do bolso do contribuinte para o das multinacionais, graças à proibição de produtos tóxicos, ao controle da exploração da água, do solo ou da madeira etc.4 Sob a égide desses mesmos tratados, os procedimentos atualmente em curso – em assuntos de interesse geral, tais como as patentes médicas, a luta antipoluição ou as leis sobre o clima e os combustíveis fósseis – estão elevando os pedidos de indenização a US$ 14 bilhões.

A Parceria de Investimento e Comércio Transatlântica também tornaria mais pesada a fatura dessa extorsão legalizada, dada a importância dos interesses em jogo no comércio entre as regiões. Nos Estados Unidos, com 24 mil filiais, existem 3,3 mil empresas europeias, e cada uma delas poderia se considerar apta a buscar reparação por uma perda comercial. Tal efeito ultrapassaria em muito os custos ocasionados pelos tratados anteriores. Por sua vez, os países-membros da União Europeia se veriam expostos a um risco financeiro ainda maior, sabendo que 14,4 mil empresas norte-americanas têm na Europa uma rede de 50,8 mil filiais. No total, são 75 mil empresas que poderiam se lançar na caça aos tesouros públicos.

Oficialmente, esse sistema deveria de início servir para consolidar a posição dos investidores em países em desenvolvimento desprovidos de um sistema legal confiável; ele lhes permitiria fazer valer seus direitos em caso de desapropriação. Mas a União Europeia e os Estados Unidos não constituem exatamente zonas de ausência de direitos; eles dispõem, ao contrário, de uma justiça funcional e plenamente respeitadora do direito à propriedade. Ao colocá-los sob a tutela de tribunais especiais, a TTIP demonstra que seu objetivo não é proteger os investidores, mas aumentar o poder das multinacionais.


Processo por aumentar o salário mínimo


Os advogados que compõem esses tribunais não têm contas a prestar a nenhum eleitorado. Invertendo alegremente os papéis, eles podem tanto servir como juízes quanto defender a causa de seus poderosos clientes.5 É um mundo bem pequeno esse dos juristas do investimento internacional: eles são apenas quinze a compartilhar entre si 55% dos casos tratados até hoje. Obviamente, suas decisões são finais.

Os “direitos” que eles têm por missão proteger são formulados de maneira deliberadamente vaga, e sua interpretação poucas vezes serve aos interesses da grande maioria. É o caso do direito concedido ao investidor de se beneficiar de um marco regulatório coerente com suas “previsões” – pelo que convém entender que o governo vai proibir a si mesmo de modificar sua política depois que o investimento tiver sido feito. Já o direito de obter uma compensação em caso de “desapropriação indireta” significa que os poderes públicos deverão colocar as mãos no bolso se sua legislação tiver por efeito reduzir o valor de um investimento, inclusive quando essa mesma lei também se aplica a empresas locais. Os tribunais reconhecem igualmente o direito do capital de adquirir cada vez mais terras, recursos naturais, equipamentos, fábricas etc. 

Nenhuma contrapartida por parte das multinacionais: elas não têm obrigação alguma para com os países e podem disparar processos quando e onde lhes convier.

Alguns investidores têm uma concepção muito ampla de seus direitos inalienáveis. Vimos recentemente empresas europeias moverem processos contra o aumento do salário mínimo no Egito ou contra a limitação das emissões tóxicas no Peru.6 Outro exemplo: a gigante dos cigarros Philip Morris, incomodada pelas legislações antifumo do Uruguai e da Austrália, representou contra esses dois países diante de um tribunal especial. O grupo farmacêutico norte-americano Eli Lilly pretende fazer justiça contra o Canadá, culpado de ter criado um sistema de patentes que torna certos medicamentos mais acessíveis. O fornecedor de eletricidade sueco Vattenfall exige vários bilhões de euros da Alemanha por sua “virada energética”, que enquadra mais severamente as centrais de carvão e promete o abandono da energia nuclear.

Não há limite para as penalidades que um tribunal pode impor a um Estado em benefício de uma multinacional. Há um ano, o Equador se viu condenado a pagar a soma recorde de 2 bilhões de euros para uma companhia petrolífera.7 Mesmo quando os governos ganham o processo, eles devem pagar as custas judiciais e as comissões diversas, que atingem em média US$ 8 milhões, de forma que os poderes públicos muitas vezes preferem negociar com o queixoso que defender sua causa no tribunal. Assim, o governo canadense evitou uma convocação para os tribunais anulando rapidamente a proibição de um aditivo tóxico utilizado pela indústria petrolífera.

No entanto, as reclamações não param de crescer. De acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), o número de casos sujeitos aos tribunais especiais foi multiplicado por dez desde o ano 2000. Desde que foi criado na década de 1950, o sistema de arbitragem comercial nunca prestou tantos serviços aos interesses privados quanto em 2012, ano recorde em termos de abertura de casos. Esse boom criou um florescente viveiro de consultores financeiros e de advogados da área empresarial.

O projeto do grande mercado americano-europeu é apoiado há muitos anos pelo Diálogo Transatlântico de Negócios (TABD, na sigla em inglês), um lobby mais conhecido hoje pelo nome de Transatlantic Business Council (TBC). Criado em 1995 sob o patrocínio da Comissão Europeia e da Secretaria do Comércio norte-americana, esse fórum de empresários ricos faz campanha por um “diálogo” altamente construtivo entre as elites econômicas dos dois continentes, o governo de Washington e os comissários de Bruxelas. O TABD é um fórum permanente que permite às multinacionais coordenar seus ataques contra os políticos que ainda estão de pé em ambos os lados do Atlântico.

Seu objetivo, público, é eliminar o que chama de “discórdias comerciais” (trade irritants), ou seja, operar nos dois continentes sob as mesmas regras e sem interferência dos poderes públicos. “Convergência regulatória” e “reconhecimento mútuo” fazem parte dos painéis semânticos que o TABD exibe para encorajar os governos a permitir produtos e serviços que contrariam as legislações locais.


“Injusta rejeição ao cloridrato de ractopamina”


Mas, em vez de defender uma simples flexibilização das leis existentes, os ativistas do mercado transatlântico se propõem a reescrevê-las eles mesmos. Assim, a Câmara Americana de Comércio e o BusinessEurope, duas das maiores patronais do planeta, pediram aos negociadores da TTIP que reunissem em torno de uma mesa de trabalho um grupo de grandes acionistas e políticos para que “redijam juntos os textos de regulamentação”, que terão em seguida força de lei nos Estados Unidos e na União Europeia. É de perguntar, também, se a presença dos políticos na oficina de escrita comercial é realmente indispensável...

De fato, as multinacionais exibem uma notável franqueza na declaração de suas intenções − por exemplo, na questão dos transgênicos. Enquanto nos Estados Unidos um estado em cada dois planeja tornar obrigatório um rótulo que indique a presença de organismos geneticamente modificados (OGMs) em um alimento – medida desejada por 80% dos consumidores do país –, os industriais do setor agroalimentar batalham pela proibição da rotulagem. A Associação Nacional dos Confeiteiros não mediu palavras: “A indústria norte-americana gostaria que a TTIP avançasse nessa questão, eliminando a rotulagem OGM e as normas de rastreabilidade”. Por sua vez, a muito influente Associação da Indústria de Biotecnologia (BIO, na sigla em inglês), da qual faz parte a Monsanto, fica indignada pelo fato de produtos contendo transgênicos e vendidos nos Estados Unidos poderem obter uma resposta negativa no mercado europeu. Consequentemente, ela espera que o “fosso que se alarga entre a desregulamentação de novos produtos biotecnológicos nos Estados Unidos e sua acolhida na Europa” seja rapidamente preenchido.8 A Monsanto e seus amigos não escondem a esperança de que a zona de livre-comércio transatlântica permita enfim impor aos europeus seu “catálogo abundante de produtos OGM que aguardam aprovação”.9

A ofensiva não é menos vigorosa na área da vida privada. A Coalizão do Comércio Digital (DTC, na sigla em inglês), que agrupa industriais da internet e da alta tecnologia, pressiona os negociadores da TTIP a remover as barreiras que impedem os fluxos de dados pessoais de se espalhar livremente da Europa para os Estados Unidos. “O ponto de vista atual da UE, segundo o qual os Estados Unidos não oferecem uma proteção ‘adequada’ da vida privada, não é razoável”, impacientam-se os lobistas. À luz das revelações de Edward Snowden sobre o sistema de espionagem da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), essa opinião não deixa de fazer sentido. No entanto, ela não se iguala à declaração do US Council for International Business, um grupo de empresas que alimentaram maciçamente a NSA com dados pessoais: “O acordo deveria procurar circunscrever as exceções, como a segurança e a vida privada, para garantir que elas não sirvam como entraves disfarçados ao comércio”.

As normas de qualidade na alimentação também são tomadas como alvo. A indústria de carnes dos Estados Unidos pretende obter a supressão da regra europeia que proíbe frangos desinfectados com cloro. Na vanguarda dessa luta, o grupo Yum, dono da cadeia de fast-food KFC, pode contar com o poder de fogo das patronais. “A UE autoriza somente o uso da água e do vapor de água nas carcaças”, protesta a Associação Americana da Carne, enquanto outro grupo de pressão, o Instituto Americano da Carne, lamenta a “recusa injustificada [por Bruxelas] das carnes com adição de beta-agonistas como o cloridrato de ractopamina”. A ractopamina é uma droga usada para inflar o teor de carne magra em suínos e bovinos. Por causa dos riscos para a saúde dos animais e dos consumidores, ela é proibida em 160 países, incluindo membros da União Europeia, a Rússia e a China. Para a indústria de carne de porco norte-americana, essa medida de proteção constitui uma distorção da livre concorrência na qual a TTIP deve colocar um fim com urgência.
 
“Os produtores de carne suína dos EUA não aceitarão nenhum outro resultado que não seja o levantamento do embargo europeu da ractopamina”, ameaça o Conselho Nacional dos Produtores de Porco (NPPC, na sigla em inglês). Durante esse tempo, do outro lado do Atlântico, os industriais do BusinessEurope denunciam as “barreiras que afetam as exportações europeias para os Estados Unidos, como a lei sobre a segurança alimentar”. Desde 2011, esta permite que os serviços de controle retirem do mercado produtos de importação contaminados. Mais uma vez, os negociadores da TTIP são convidados a fazer tábua rasa disso.
O mesmo acontece com as emissões de gases de efeito estufa. A organização Airlines for America (A4A), o braço armado dos transportes aéreos norte-americanos, estabeleceu uma lista de “regulamentações inúteis que trazem prejuízo considerável à indústria” e que a TTIP, é claro, poderia riscar do mapa. No topo dessa lista está o sistema europeu de troca de cotas de emissões, que obriga as companhias aéreas a pagar por sua poluição de carbono. Bruxelas suspendeu temporariamente esse programa; a A4A exige a supressão definitiva em nome do “progresso”.

Mas é no setor financeiro que a cruzada dos mercados é mais virulenta. Cinco anos após a eclosão da crise dos subprimes, os negociadores concordaram que as veleidades de regulação da indústria financeira já tiveram seu tempo. O quadro que eles desejam colocar em prática prevê remover todas as barreiras em matéria de investimentos de risco e impedir os governos de controlar o volume, a natureza e a origem de produtos financeiros colocados no mercado. Em suma, trata-se pura e simplesmente de eliminar do mapa a palavra regulação.

De onde vem esse extravagante retorno aos velhos tempos thatcheristas? Em particular, ele responde aos desejos da Associação de Bancos Alemães, que não deixa de expressar suas “preocupações” com a reforma, ainda que tímida, de Wall Street adotada no rescaldo da crise de 2008. Um de seus membros mais empreendedores sobre essa questão é o Deutsche Bank, que recebeu, em 2009, centenas de bilhões de dólares do Federal Reserve em troca de títulos lastreados em hipotecas.10 O mastodonte alemão quer acabar com a regulamentação Volcker, a pedra angular da reforma de Wall Street, que exerce, segundo ele, “uma pressão pesada demais sobre os bancos não americanos”. A Insurance Europe, a ponta de lança das empresas de seguros europeias, deseja de seu lado que a TTIP “remova” as garantias colaterais que dissuadem o setor de se aventurar em investimentos de alto risco.

Já o Fórum dos Serviços Europeu, patronal da qual faz parte o Deutsche Bank, trava há anos conversas de bastidores para que as autoridades de controle norte-americanas parem de enfiar o nariz nos assuntos dos grandes bancos estrangeiros que operam em seu território. Do lado dos Estados Unidos, espera-se sobretudo que a TTIP venha a enterrar para sempre o projeto europeu de taxação sobre as transações financeiras. O caso parece estar contornado, posto que a própria Comissão Europeia considerou que a taxa não está de acordo com as regras da OMC.11 Na medida em que a zona de livre-comércio transatlântica promete um liberalismo ainda mais desenfreado que o da OMC, e como o Fundo Monetário Internacional (FMI) se opõe sistematicamente a qualquer forma de controle sobre os movimentos de capitais, a frágil “taxa Tobin” não preocupa mais muita gente nos Estados Unidos.

Mas o canto de sereia da desregulamentação não se faz ouvir apenas na indústria financeira. A TTIP tenciona abrir para a concorrência todos os setores “invisíveis” ou de interesse geral. Os países signatários se veriam obrigados não só a submeter seus serviços públicos à lógica do mercado, mas também a renunciar a qualquer intervenção sobre os prestadores de serviços estrangeiros que cobiçam seus mercados. As margens de manobra política em matéria de saúde, energia, educação, água ou transporte seriam reduzidas a um fio. A febre comercial também não poupa a imigração, já que os instigadores da TTIP se arrogam a competência de estabelecer uma política comum nas fronteiras – sem dúvida para facilitar a entrada daqueles que têm um bem ou um serviço para vender, em detrimento de outros.

Nos últimos meses, o ritmo das negociações se intensificou. Em Washington, há boas razões para acreditar que os líderes europeus estão dispostos a fazer qualquer coisa para reviver um crescimento econômico moribundo, ainda que à custa de uma negação de seu pacto social. O argumento dos defensores da TTIP, segundo o qual o livre-comércio desregulamentado facilitaria as trocas comerciais e seria, portanto, gerador de empregos, aparentemente pesa mais do que o medo de um terremoto social. As barreiras tarifárias que ainda persistem entre a Europa e os Estados Unidos são, no entanto, “já bastante baixas”, como reconheceu o representante de Comércio dos Estados Unidos.12 Os próprios artífices da TTIP admitem que seu principal objetivo não é reduzir as restrições alfandegárias, de qualquer maneira insignificantes, mas impor “a eliminação, a redução e a prevenção de políticas nacionais supérfluas”,13 sendo considerado “supérfluo” tudo que retarda o escoamento de bens, tais como a regulação financeira, a luta contra o aquecimento global e o exercício da democracia.

É verdade que os poucos estudos consagrados às consequências da TTIP quase não se detêm sobre suas consequências sociais e econômicas. Um relatório frequentemente citado, oriundo do Centro Europeu de Economia Política Internacional (Ecipe, na sigla em inglês), afirma, com a autoridade de um nostradamus de escola de comércio que a TTIP vai fornecer à população do mercado transatlântico um aumento de riqueza de 3 centavos per capita e por dia... a partir de 2029.14

Apesar de seu otimismo, o mesmo estudo estima em apenas 0,06% a alta do PIB na Europa e nos Estados Unidos após a entrada em vigor da TTIP. Mesmo tal “impacto” é altamente irreal, já que seus autores postulam que o livre-comércio “dinamiza” o crescimento econômico − uma teoria regularmente refutada pelos fatos. Além disso, uma elevação tão infinitesimal seria imperceptível. Em comparação, o lançamento do iPhone5 da Apple levou os Estados Unidos a um aumento oito vezes mais significativo do PIB.

Quase todos os estudos sobre a TTIP foram financiados por instituições favoráveis ao livre-comércio ou por organizações empresariais, razão pela qual os custos sociais do tratado não aparecem neles, assim como suas vítimas diretas, que, no entanto, se poderiam contar em centenas de milhões. Mas os jogos ainda não foram jogados. Como o mostraram as desventuras da AMI, da Alca e de algumas rodadas de negociações da OMC, o uso do “comércio” como um cavalo de troia para desmantelar as proteções sociais e instaurar a junta dos encarregados de negócios fracassou em várias ocasiões no passado. Nada diz que o mesmo não acontecerá desta vez. 
Lori Wallach 


Diretora do Public Citizen’s Global Trade Watch.

Ah, que inveja da Alemanha! Que inveja! Uma coligação de governo sem maracutaia!


Angela Merkel e seus aliados, Sigmar Gabriel, presidente do SPD (esq), e Horst Seehofer, presidente da CSU (dir.) (Foto: Michael Sohn / AP)

Merkel com seus aliados, o presidente do SPD, Sigmar Gabriel (esq.), e o presidente da CSU, Horst Seehofer: coligação de governo séria, em um pais sério onde, segundo a revista “The Economist”, “a palavra sério quer dizer exatamente isto” (Foto: Michael Sohn / AP)

Esta semana a chanceler da Alemanha, Angela Merkel — a governante mais poderosa da Europa e uma das líderes mais influentes do mundo — fechou um acordo para que seu partido, a União Democrata-Cristã (CDU) e seu partido irmão União Social-Cristã (CSU), do Estado da Baviera, governasse em coligação com os tradicionais adversários do Partido Social-Democrata (SPD).

Merkel terá uma maioria esmagadora: num Parlamento de 631 deputados, como o Bundestag alemão, terá uma bancada de 503.
E sabem como se procedeu a aliança com os social-democratas?
Merkel NÃO aparelhou o governo com os sindicalistas aliados do SPD para agradar os novos aliados.
Merkel NÃO loteou cargos de confiança no governo entre os partidos da coligação.

Merkel NÃO prometeu destinar “emendas parlamentares” para que os deputados da coligação distribuam verbas em fontes luminosas e ginásios de esportes em suas regiões de origem.

Merkel NÃO decidiu rechear as seríssimas e rigorosas agências reguladoras do governo alemão — em áreas como telecomunicações, transportes terrestres, aviação e energia — com cupinchas dos aliados, nomeados (como ocorre no Brasil) por sua ideologia ou militância, e não por sua competência.

Merkel NÃO resolveu aumentar os atuais 14 Ministérios existentes para abrigar políticos.

Merkel, é claro, NÃO acertou qualquer mensalão para atrair deputados para a base de apoio de seu governo.

Merkel, em suma NÃO FEZ NADA do que se costuma fazer no Brasil do lulopetismo, em nome desse monstro invisível chamado “governabilidade”, que justifica todo tipo de atropelo ao bom senso, à meritocracia e à moralidade pública.

O que fez a firme chanceler alemã, há oito anos e três eleições no poder, para fechar uma coligação que vai permitir que governo tranquilamente por todo seu mandato de quatro anos?

Merkel fez o que se faz nos governos decentes de países sérios — e, como escreveu há algum tempo a revista britânica The Economist, a chanceler vem conduzindo “um governo sério, num país sério onde a palavra sério quer dizer exatamente isto”: discutiu, durante um mês, em que medidas para o bem da Alemanha democratas-cristão e social-democratas — que divergem em inúmeros pontos — concordam.

O Bundestag, o parlamento alemão: entre 631 deputados, Merkel terá o apoio de 503 -- sem mensalão, sem aparelhamento do Estado, sem aumentar o número de ministérios... (Foto: bundesfinanzministerium.de)
O Bundestag, o parlamento alemão: entre 631 deputados, Merkel terá o apoio de 503 — sem mensalão, sem aparelhamento do Estado, sem aumentar o número de ministérios… (Foto: bundesfinanzministerium.de)

Os pontos sobre os quais ambos concordam foram a ponte para o acerto político. Mas, em se tratando de um pais sério, esses pontos foram esmiuçados em um sólido documento de 170 páginas contendo o programa que o governo de coalizão entre dois grupos adversários executará.

As 170 páginas prevêem, com detalhes, como se darão as melhoras no sistema de previdência social, em quais projetos serão aplicados os investimentos adicionais na área de educação e pesquisa científica, o que deve ser feito para aperfeiçoar e ampliar os sistemas de transportes (rodovias, as já fabulosas autobahns, e ferrovias), o estabelecimento por lei, a partir de 2015, de  um salário mínimo (8,5 euros — 27 reais — por hora, o que significa algo como 4.320 reais mensais) — não existe salário mínimo legal na Alemanha, só os valores estabelecidos em acordos entre sindicatos de patrões e de trabalhadores — e até os requisitos exigidos para que aos cidadãos alemães seja possibilitado algo até agora inexistente, a dupla cidadania.

Detalhe importante: o documento inclui o compromisso férreo de não se aumentar impostos durante os próximos 4 anos.

Enquanto isso, num grande país do Hemisfério Sul, que tem 39 ministros e 20 mil cargos de confiança loteados entre cupinchas dos partidos do governo…

Acidente amplia lista de tropeços na organização da Copa



Socorristas próximo do local de queda de guindaste na Arena Corinthians (foto: AP)

Acidente no Itaquerão e onda de arrastões no Rio prejudicam imagem do Brasil no exterior

O acidente com um guindaste na Arena Corinthians em São Paulo na quarta-feira, que deixou dois operários mortos, é o problema mais recente – e talvez o mais grave para a imagem do país, na opinião de especialistas – no processo de organização da Copa do Mundo de 2014.

A lista de imprevistos, que inclui mortes, atrasos, manifestações e crimes, não impedirá a realização nem deverá causar grandes alterações da agenda do torneio do ano que vem.
Porém, segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil, já podem até afastar torcedores estrangeiros.

De acordo com Peter Tarlow, consultor internacional de segurança em grandes eventos, a imagem do Brasil como anfitrião da Copa foi bastante prejudicada no exterior nas últimas duas semanas. Isso ocorreu devido ao acidente no Itaquerão e aos dois arrastões contra banhistas nas praias do Rio de Janeiro.

"A cada semana vem uma notícia ruim do Brasil, que volta a ser visto como um país com falta de segurança. É uma combinação de fatores", afirmou.

O americano é professor da universidade Texas A&M, atuou na organização do Super Bowl (campeonato de futebol americano), nos Jogos Olímpicos de Inverno nos Estados Unidos e atualmente presta consultoria para a polícia do Rio.

Segundo ele, além da criminalidade nas ruas, o acidente desta semana pode fazer o estrangeiro ver os estádios como locais inseguros. "E agora é a hora em que o americano ou o europeu estão decidindo se compram ingressos e passagem para o Brasil."

O analista disse, porém, que se não ocorrerem outros grandes tropeços até a data do evento (especialmente no Rio de Janeiro, cidade brasileira mais conhecida no exterior), os episódios negativos de agora devem ser rapidamente esquecidos.

Segundo ele, a notícia do acidente não teve maior repercussão nos Estados Unidos A por causa do feriado de Ação de Graças, mas o mesmo não ocorreu na Europa.


Projetos

 

Segundo o jornalista e colaborador da BBC baseado na América do Sul Tim Vickery, outro evento negativo também contribuiu para prejudicar a imagem do país nesta semana: o anúncio de que 14 projetos de mobilidade, orçados em R$ 1,2 bilhão, foram retirados da matriz de responsabilidade da Copa.
Entre eles estavam projetos para melhorias em portos, aeroportos e rodovias que perdurariam, beneficiando a população mesmo após o fim do torneio. "Isso é um escândalo porque houve muito tempo para planejar", disse.
Segundo ele, notícias como essa aumentam o descontentamento de setores da sociedade que - com alguma razão - criticam gastos que o país está tendo com a Copa do Mundo. Partidários dessa opinião têm manifestado esse descontentamento por meio de diversos protestos.
Contudo, segundo Vickery, a Copa ocorrerá de qualquer maneira. "Passou o momento de pular fora. A Copa pode ser bem sucedida e torço para que ela seja", disse.
"A Copa do Mundo vai ser um sucesso com morte ou com manifestações, mas elas deixam uma mancha", disse o consultor independente de marketing esportivo Amir Somoggi.
Segundo ele, o Estado brasileiro, como anfitrião do evento, não pode ser responsabilizado pelas mortes em Itaquera. "Também houve mortes na Copa da África do Sul."
Porém, diferente de Tarlow, Somoggi disse não acreditar que o acidente em São Paulo crie uma imagem de insegurança nos estádios capaz de dissuadir turistas e torcedores de irem às partidas.
"Não acredito que o turista vai deixar de vir, mas terá uma preocupação a mais, como já tem com a questão do arrastão", disse.
Leia abaixo sobre outros tropeços que já preocuparam os organizadores da Copa.

Acidentes e mortes

Além do acidente no Itaquerão outras duas mortes foram registradas em obras de estádios que serão usados em jogos da Copa do Mundo de 2014. Em junho de 2012 o carpinteiro José Afonso de Oliveira Rodrigues, de 21 anos, morreu ao cair de uma laje do Estádio Nacional de Brasília. Em março de 2013 o pedreiro Raimundo Nonato Lima Costa, 49 anos, morreu na construção do estádio de Manaus

Também foram registradas uma explosão na Arena da Baixada, em Curitiba no ano de 2012, e um princípio de incêndio na Arena Pantanal, em Cuiabá, já em 2013.

Atrasos

Discussões entre a Fifa e autoridades brasileiras sobre o cronograma das obras dos estádios têm sido frequentes. Em 2012, o secretário-geral da entidade, Jérôme Valcke, chegou a dizer que o Brasil merecia um "chute no traseiro" – causando grande mal estar.

A Fifa trabalha com a meta de que os estádios estejam prontos até o fim deste ano. Atualmente as maiores preocupações recaem sobre a Arena Pantanal, em Cuiabá, a Arena Amazônia, em Manaus e a Arena da Baixada, em Curitiba – cujas obras ainda não teriam atingido a marca dos 90% de conclusão dos trabalhos. A Fifa cogita até fazer intervenções nas obras para garantir o mundial.

Entre as razões dos atrasos estão problemas de financiamento e greves de trabalhadores – que já paralisaram ao menos oito das 12 obras.

O acidente desta semana lança novas preocupações sobre o cronograma de obras da Arena Corinthians, que neste mês estava com 94% das obras concluídas. Promotores públicos e sindicatos discutem uma eventual paralisação da obra por questão de segurança.

Mas especialistas dizem acreditar que, mesmo com o acidente, ainda há tempo para concluí-la sem a necessidade de alterar locais de jogos no mundial.

Fonte Nova

 

Em maio, parte da cobertura que forma o telhado da Arena Fonte Nova, em Salvador, se rompeu em meio a chuvas fortes. Além disso, um viaduto de acesso ao estacionamento trincou e teve que ser escorado poucos dias antes do início da Copa das Confederações. Os incidentes não chegaram a causar problemas para o torneio.

Manifestações

 

Uma onda de manifestações contra os gastos públicos com a Copa e as imposições da Fifa marcaram a realização da Copa das Confederações neste ano. Manifestantes enfrentaram barreiras policiais, mas não conseguiram invadir nenhum dos estádios durante o torneio.

Os atos ocorreram em meio a uma onda de manifestações pelo país deflagrada por propostas de aumento nas tarifas do transporte público.

Para especialistas, o recorde de público e o próprio evento em si foram ofuscados pelos protestos. Segundo informações de inteligência da polícia, os manifestantes tentam articular novos protestos para a época da Copa do Mundo.

Troca de comando na CBF

 

Em março de 2012, o então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, deixou o comando da confederação alegando problemas de saúde. Teixeira estava no cargo desde 1989. Enfrentava uma série de acusações - inclusive um processo, considerado o mais sério da história da Fifa, o chamado dossiê da ISL, em referência à ex-agência de marketing da entidade, então em tramitação na Justiça suíça. Teixeira já havia enfrentado duas Comissões Parlamentares de Inquérito, mas as críticas acabaram, segundo a imprensa esportiva, abafadas pelos êxitos da Seleção sob o comando dele.

A saída de Teixeira foi vista como uma vitória pelos críticos, mas elevou as dúvidas sobre a capacidade de organização da CBF. Assumiu o comando da entidade e a direção do Comitê Organizador Local da Copa o ex-governador biônico de São Paulo José Maria Marin, 80 anos de idade.

O ex-jogador e deputado federal Romário celebrou a saída de Teixeira e disparou contra Marin, dando do tom da polêmica que envolve a CBF há anos.

"Hoje podemos comemorar. Exterminamos um câncer do futebol brasileiro. Finalmente, Ricardo Teixeira renunciou a presidência da CBF. Espero que o novo presidente, João Maria Marin, o que furtou a medalha do jogador do Corinthians na Copa São Paulo de Juniores, não faça daquele ato uma constante na Confederação. Senão, teremos que exterminar a AIDS também", escreveu o parlamentar, à época, em sua conta no Twitter.

Morumbi versus Itaquerão

 

Como uma isenção fiscal de R$ 420 milhões com a Prefeitura da capital e apoio declarado do ex-presidente Lula, o Corinthians finalmente realizou o sonho de ter uma arena própria. O plano do São Paulo de ver o Morumbi como sede da Copa foi desmantelado em 2010, quando a Fifa alegou falta de garantias financeiras por parte do clube paulista para a adequação do estádio aos padrões da entidade que comanda o futebol, um deles, a distância entre o público e o gramado.

Atraso no Maracanã, amistoso suspenso

 

Em maio de 2013, atrasos nas obras do Maracanã fizeram a Justiça suspender um amistoso entre as seleções de Brasil e Inglaterra, primeiro teste do estádio reformado para a Copa. O temor era de que os canteiros de obra representassem uma ameaça para os torcedores. Mas, logo em seguida, a Justiça liberou o jogo, após a apresentação de laudos atestando a finalização das obras.